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Opinião
20 de Janeiro de 2006 às 13:59

Depois de domingo...

A partir de depois de amanhã, os problemas fundamentais continuarão pendentes. Ou irão agravar-se. Não tenhamos dúvidas: fomos incapazes de acompanhar a poderosa transformação ocorrida nas últimas décadas.

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Abrimos caminho à revelação ou ao redespertar de preconceitos porque a nossa sociedade estacionou, manietada por uma cultura extremamente conservadora, infensa ao advento de um mundo razoável.

O escândalo do nosso atraso costuma ser remediado por esta frase repugnante: estamos melhor do que há trinta anos. A fórmula oculta a atroz resignação de quem desistiu de pensar e de ajudar a construir uma comunidade baseada na actividade funcional e instrumental. E configura uma capitulação cívica sem paralelo na História de Portugal. Os números são aterradores. Dois milhões de portugueses sobrevivem com menos de 350 euros mensais. A pobreza alastra e os sucessivos Governos nada fizeram para suster essa progressão  avassaladora. É o país mais desigual da Europa. No lado oposto, a «galáxia dos bilionários», como folcloricamente lhes chama o «Público»: patrões, banqueiros, negociantes que possuem fortunas inacreditáveis num país onde as desproporções aumentam.

Nenhum Presidente (qualquer que ele seja, depois de domingo) possui condições que possam inverter esta tendência. E muito menos aquele que as sondagens dão como vencedor. A questão estrutural da nossa terra nunca esteve nas prospectivas dos Governos: o ensino, a cultura de uma forma geral, foram esquecidos, em nome do «equilíbrio orçamental». A verdade é que o «desequilíbrio orçamental» se deve a uma democracia pervertida pela actuação maligna dos seus protagonistas, que deveriam ser acusados de indignidade nacional. Cada vez há mais desempregados, cada vez há mais empresas que encerram, nem sempre por motivos claros. Sejam «socialistas» ou «sociais-democratas» que trepem ao poder, eles mais não fazem do que participar num jogo que mascara o essencial.

Cavaco Silva tem sido o típico representante dessa tendência imanente. Não se trata de volitações subjectivas, nem de manifestações cavilosas de má-fé. Acumulam-se demonstrações produzidas por «altas figuras». Recuso-me aludir às intervenções de Santana Lopes (na SIC e no «Diário de Notícias»), por de mais rudimentares para que alguém probo e de bom senso as tome a sério. O homem é impulsionado por um afã de vingança que chega a ser pueril. Não dispõe de ideias de seu, e escreve um português de bate-chapas.  Falo, por exemplo, no dr. João Salgueiro, presidente da Associação Portuguesa de Bancos e fundador do PSD. Em entrevista a José Gomes Ferreira, na SIC, afirmou que a candidatura de Cavaco era errada, por não corresponder nem à vocação nem à idiossincrasia de uma pessoa com o gosto de intervir e com escassa coragem política. Foi um depoimento demolidor.

Por seu turno, o dr. Miguel Cadilhe declarou: «Fui atropelado, nos meus supostos desejos políticos, não por um eléctrico chamado desejo, mas por dois autocarros. Um autocarro chamado Cavaco, outro autocarro chamado Durão». A virulência das críticas corresponde à dimensão dos cometimentos de Cavaco. Sabe-se: o homem é rancoroso e hipócrita. A embirração com Fernando Nogueira é um clássico da armadilha e da malícia políticas. E a famosa e horrenda carantonha, a par dos medonhos tiques no olho esquerdo, feitos na sequência de uma jornalista lhe ter falado, levemente embora, das acusações de Santana Lopes - fundamentam evidentes sinais de descontrolo psicológico. A própria dicção do candidato é um case study.

Dir-se-á: outros, em condições semelhantes e com idênticas limitações, estiveram no Palácio Cor-de-Rosa. Se, acaso, os seus acólitos assim o compararem, estarão a colocar Cavaco Silva ao mesmo nível de Carmona ou de Tomás. Craveiro Lopes possuía uma outra noção de Estado. Por isso mesmo, Salazar o depôs. A crise económica suscita, sempre, um excesso de conflitualidade e, fragilizando a democracia, permite a ascensão de todas as experiências autoritárias. As advertências de Mário Soares, de Louçã e de Jerónimo de Sousa nesse sentido, não me parecem vãs.

Aconteça o que acontecer, o País caminha, acelerado, para forte regressão democrática, de onde advém uma sociedade dual, cada vez mais enfraquecida, e violentamente antagonista da coesão social.

APOSTILA 1 -  A nova direcção do «Diário de Notícias» parece apostada em modernizar o jornal, não apenas na forma mas, também, no conteúdo. Ao que julgo saber, a diversidade de opiniões, uma atenção mais actuante às questões da cultura, o recrutamento de novas (e plurais) assinaturas contêm-se no caderno de projectos dos novos dirigentes. A mostra é animadora. Agora, é dar também a volta ao possidónio Notícias Magazine, um bocejo jornalístico. O «Público» que se acautele.

APOSTILA 2 - Campo das Letras, a excelente casa editora com sede no Porto, acaba de publicar o milésimo título. A assinalar a efeméride, Jorge de Araújo lançou uma lindíssima edição de «O Sentimento dum Ocidental», de Cesário Verde, organização gráfica de Armando Alves, e reflexão sobre o poema feita por Rosa Maria Martelo. Uma preciosidade. Parabéns ao Campo das Letras, e força e futuro!

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