Opinião
22 de Outubro de 2012 às 23:30
Corrigir o problema orçamental dos Estados Unidos
Com as eleições americanas a aproximarem-se, é altura de pensar seriamente no que se fará com a bagunça orçamental do país depois das eleições. Independentemente de quem seja o vencedor, não se pode adiar mais este problema.
Os americanos estão correctamente focados no "precipício fiscal” que se avizinha, no início de 2013, altura em que, segundo a legislação vigente, praticamente todos os impostos vão subir, sugando mais de 3% do PIB de famílias e empresas. Além disso, os cortes na despesa pública destinada a programas de defesa, e outros não relacionados com a defesa, vão subtrair mais 1% ao PIB, e uma percentagem semelhante nos anos seguintes. O Gabinete de Orçamento do Congresso adverte que cair do “precipício fiscal” empurraria a economia norte-americana para uma profunda recessão no próximo ano.
E o precipício fiscal é apenas uma parte do problema que deve ser resolvido. O maior problema é que os Estados Unidos têm um enorme défice orçamental: actualmente representa cerca de 7% do PIB, e prevê-se que crescerá rapidamente nas próximas décadas, com o envelhecimento da população e o aumento dos gastos com a saúde, relacionados com os "programas sociais" que beneficiam os idosos da classe média. Apesar de os políticos, tanto da esquerda como da direita, reconhecerem que o crescimento desses programas deve abrandar para evitar défices orçamentais massivos e grandes aumentos de impostos, é pouco provável que tal crescimento seja lento o suficiente para evitar que o rácio dívida/PIB suba.
Assim, a consolidação orçamental requer receitas adicionais e um crescimento menor da despesa com prestações sociais. O desafio para os políticos norte-americanos, depois das eleições, será encontrar uma maneira politicamente aceitável de aumentar a receita sem prejudicar os incentivos e o crescimento económico. A tarefa torna-se mais complexa devido ao grande número de legisladores que insiste que o défice deve ser reduzido apenas com medidas do lado da despesa.
Embora ninguém tenha certeza de como este problema complexo vai ser resolvido, aqui fica o meu melhor palpite: pouco depois das eleições, o Congresso dos Estados Unidos votará no sentido de adiar o precipício fiscal por cerca de seis meses, para dar tempo de trabalhar numa solução legislativa aceitável. Essa solução vai implicar a desaceleração do crescimento dos benefícios da Segurança Social para os futuros reformados das classes média e alta. Mitt Romney, o candidato republicano, propôs isto, explicitamente, e o presidente Barack Obama, manifestou o seu apoio a este tipo de medidas em 2009, antes de ter focado a sua atenção nos cuidados de saúde.
O problema mais difícil será encontrar a forma de aumentar a receita. A chave será centrar-se nas várias especificidades do código tributário, que são equivalentes a gastos do governo. Se compro um carro híbrido, instalo um painel solar em casa, ou utilizo um aquecedor de água mais eficiente, recebo um crédito fiscal. E se compro uma casa maior, ou apenas aumento o tamanho da minha hipoteca, recebo uma dedução maior que reduz o meu rendimento tributável, diminuindo a minha factura fiscal. Embora o governo não esteja a dar-me dinheiro, estas isenções fiscais não se podem considerar menos "gasto público" do que quando o governo me enviou um cheque.
Estas disposições denominam-se correctamente de "despesas fiscais", porque descrevem os gastos públicos que se produzem mediante a aplicação do código tributário. Assim, a eliminação ou redução destas despesas fiscais deve ser vista como um corte na despesa pública. Ainda que o efeito seja aumentar a receita, isso é apenas uma convenção contabilística. O efeito económico fundamental é a redução da despesa pública.
Portanto, a chave para aumentar a receita é reduzir as despesas fiscais, utilizar algumas das receitas obtidas para reduzir as taxas de imposto, e canalizar o restante para reduzir défices futuros. Quem se opõe aos aumentos de impostos deve entender isto, porque tal arrecadação de receita é, na verdade, um corte na despesa pública, e não implica os efeitos de incentivo adversos de aumentar as taxas marginais de imposto.
Mas mesmo que se possa superar desta forma a objecção intelectual às receitas extra, o problema político prático é que cada despesa fiscal grande - como a isenção de pagamentos do empregador por seguros médicos – tem os seus defensores fervorosos.
Então, aqui está uma ideia que poderia funcionar politicamente: deixemos que todos os contribuintes mantenham as suas despesas fiscais actuais, mas limitemos o montante total pelo qual cada contribuinte pode reduzir a sua dívida tributária, mediante esta forma.
Tenho explorado a ideia de impor limites máximos aos benefícios que os contribuintes podem ter em percentagem do seu rendimento total (o seu "rendimento bruto ajustado"). A aplicação de um limite máximo de 2% ao benefício total que uma pessoa pode receber através de gastos tributários teria um efeito muito poderoso. Não se limitaria o montante das deduções e exclusões a 2% do rendimento bruto ajustado, mas limitar-se-ia a redução tributária resultante – ou seja, o benefício tributário – que a pessoa obtém mediante o uso de todas estas disposições especiais. Para uma pessoa com uma taxa marginal de 15%, um limite de 2% do seu rendimento bruto ajustado limitaria o total de deduções e exclusões a cerca de 13% do seu rendimento bruto ajustado.
Este limite máximo teria um impacto significativo nas perspectivas fiscais. Mesmo que o limite fosse aplicado apenas a deduções "que são detalhadas por itens" e à exclusão do seguro médico, poderia arrecadar-se cerca de 25 mil milhões de dólares no primeiro ano e cerca de 3 biliões de dólares ao longo da primeira década.
Há muitas opções na concepção de uma tal política. A taxa do limite máximo poderia ser maior, ou poderia iniciar-se num nível mais alto e ser reduzida gradualmente, ou poderia variar segundo o nível de rendimentos do contribuinte. Mas a atractividade económica e política de um limite máximo consiste na sua capacidade de aumentar a receita de forma substancial sem eliminar as despesas fiscais específicas.
Corrigir o problema fiscal dos Estados Unidos vai ser tão difícil quanto importante. Mas desacelerar o crescimento dos benefícios da Segurança Social e impor limites máximos aos gastos tributários totais poderia ser uma boa abordagem para a reforma que se avizinha.
Martin Feldstein, professor de Economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores de Economia de Ronald Reagan, e é ex-presidente do National Bureau for Economic Research dos Estados Unidos.
© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
E o precipício fiscal é apenas uma parte do problema que deve ser resolvido. O maior problema é que os Estados Unidos têm um enorme défice orçamental: actualmente representa cerca de 7% do PIB, e prevê-se que crescerá rapidamente nas próximas décadas, com o envelhecimento da população e o aumento dos gastos com a saúde, relacionados com os "programas sociais" que beneficiam os idosos da classe média. Apesar de os políticos, tanto da esquerda como da direita, reconhecerem que o crescimento desses programas deve abrandar para evitar défices orçamentais massivos e grandes aumentos de impostos, é pouco provável que tal crescimento seja lento o suficiente para evitar que o rácio dívida/PIB suba.
Embora ninguém tenha certeza de como este problema complexo vai ser resolvido, aqui fica o meu melhor palpite: pouco depois das eleições, o Congresso dos Estados Unidos votará no sentido de adiar o precipício fiscal por cerca de seis meses, para dar tempo de trabalhar numa solução legislativa aceitável. Essa solução vai implicar a desaceleração do crescimento dos benefícios da Segurança Social para os futuros reformados das classes média e alta. Mitt Romney, o candidato republicano, propôs isto, explicitamente, e o presidente Barack Obama, manifestou o seu apoio a este tipo de medidas em 2009, antes de ter focado a sua atenção nos cuidados de saúde.
O problema mais difícil será encontrar a forma de aumentar a receita. A chave será centrar-se nas várias especificidades do código tributário, que são equivalentes a gastos do governo. Se compro um carro híbrido, instalo um painel solar em casa, ou utilizo um aquecedor de água mais eficiente, recebo um crédito fiscal. E se compro uma casa maior, ou apenas aumento o tamanho da minha hipoteca, recebo uma dedução maior que reduz o meu rendimento tributável, diminuindo a minha factura fiscal. Embora o governo não esteja a dar-me dinheiro, estas isenções fiscais não se podem considerar menos "gasto público" do que quando o governo me enviou um cheque.
Estas disposições denominam-se correctamente de "despesas fiscais", porque descrevem os gastos públicos que se produzem mediante a aplicação do código tributário. Assim, a eliminação ou redução destas despesas fiscais deve ser vista como um corte na despesa pública. Ainda que o efeito seja aumentar a receita, isso é apenas uma convenção contabilística. O efeito económico fundamental é a redução da despesa pública.
Portanto, a chave para aumentar a receita é reduzir as despesas fiscais, utilizar algumas das receitas obtidas para reduzir as taxas de imposto, e canalizar o restante para reduzir défices futuros. Quem se opõe aos aumentos de impostos deve entender isto, porque tal arrecadação de receita é, na verdade, um corte na despesa pública, e não implica os efeitos de incentivo adversos de aumentar as taxas marginais de imposto.
Mas mesmo que se possa superar desta forma a objecção intelectual às receitas extra, o problema político prático é que cada despesa fiscal grande - como a isenção de pagamentos do empregador por seguros médicos – tem os seus defensores fervorosos.
Então, aqui está uma ideia que poderia funcionar politicamente: deixemos que todos os contribuintes mantenham as suas despesas fiscais actuais, mas limitemos o montante total pelo qual cada contribuinte pode reduzir a sua dívida tributária, mediante esta forma.
Tenho explorado a ideia de impor limites máximos aos benefícios que os contribuintes podem ter em percentagem do seu rendimento total (o seu "rendimento bruto ajustado"). A aplicação de um limite máximo de 2% ao benefício total que uma pessoa pode receber através de gastos tributários teria um efeito muito poderoso. Não se limitaria o montante das deduções e exclusões a 2% do rendimento bruto ajustado, mas limitar-se-ia a redução tributária resultante – ou seja, o benefício tributário – que a pessoa obtém mediante o uso de todas estas disposições especiais. Para uma pessoa com uma taxa marginal de 15%, um limite de 2% do seu rendimento bruto ajustado limitaria o total de deduções e exclusões a cerca de 13% do seu rendimento bruto ajustado.
Este limite máximo teria um impacto significativo nas perspectivas fiscais. Mesmo que o limite fosse aplicado apenas a deduções "que são detalhadas por itens" e à exclusão do seguro médico, poderia arrecadar-se cerca de 25 mil milhões de dólares no primeiro ano e cerca de 3 biliões de dólares ao longo da primeira década.
Há muitas opções na concepção de uma tal política. A taxa do limite máximo poderia ser maior, ou poderia iniciar-se num nível mais alto e ser reduzida gradualmente, ou poderia variar segundo o nível de rendimentos do contribuinte. Mas a atractividade económica e política de um limite máximo consiste na sua capacidade de aumentar a receita de forma substancial sem eliminar as despesas fiscais específicas.
Corrigir o problema fiscal dos Estados Unidos vai ser tão difícil quanto importante. Mas desacelerar o crescimento dos benefícios da Segurança Social e impor limites máximos aos gastos tributários totais poderia ser uma boa abordagem para a reforma que se avizinha.
Martin Feldstein, professor de Economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores de Economia de Ronald Reagan, e é ex-presidente do National Bureau for Economic Research dos Estados Unidos.
© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria
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