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Conversas de café

Todas as manhãs, por volta das 10 horas, eles reúnem-se na Pastelaria Riba Alta.

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A partir do meio-dia, a pastelaria serve almoços ligeiros e baratos e mantém uma freguesia constante e ruidosa. Afonso é um jovem arquitecto sem emprego; Rodrigo, antigo funcionário das Alfândegas, reformado e caturra; Felisberto, tipógrafo sem tipografia; e Almada, também reformado da Câmara, onde trabalhou nos serviços de limpeza. Os diálogos são misturados, como todos os diálogos. Cabe ao leitor a identificação das vozes e das personagens.
- Então, o FMI parece que vem para cá.
-Não é o FMI, é outra organização qualquer.
- Que esperavas, com este descalabro?
- A declaração do Sócrates foi triste.
- Triste? Nada disso. Ele é um aldrabilhas sem cura. Ainda há dias dizia que não pedia ajuda externa, e apontava os exemplos da Grécia e da Irlanda.
- Eu cá, já nada me interessa. Estou a tratar das coisas para ir para a Austrália. Eles precisam lá de arquitectos e, em Portugal, está tudo nas mãos dos grandes ateliês. É como os advogados. Está tudo nas mãos dos grandes escritórios, que fazem grandes negócios com o Estado. Os mais novos que se lixem.
- E não tens pena de deixar o País?
- O País não tem pena de me deixar, assim é que é.
- E, agora, com o FMI…
- Parece que não é o FMI…
- Para nos lixarem o nome não interessa.
- E agora, que vai fazer o Sócrates?
- Estou com muita pena dele.
- Mas o Passos Coelho não interessa nada a ninguém, a não ser, talvez, aos banqueiros.
- Essa dos banqueiros. Foram eles que deram cabo disto tudo. Aquele, com cara de mau, esquece-me o nome dele, a cara dele mete medo, esse, primeiro disse que nem cheiro do FMI, depois manifestou-se firme apoiante do pedido de ajuda.
- Mais. Os banqueiros retiraram a ajuda ao Estado, depois de chuparem o Estado até ao tutano. Isto é uma vergonha!
- A vergonha desertou do País.
- Qualquer dia não têm aqui ninguém para trabalhar. Está tudo a ir-se embora. Em Angola há mais de cem mil portugueses. A Europa, que também está à rasca, recebe-nos aos milhares.
- Recebe-nos? A Europa odeia-nos. Aliás, a Europa odeia toda a gente.
- Eu, se fosse mais novo, pirava-me. Portugal só serve para os vigaristas. Trabalhei toda a vida, tenho uma reforma que não chega ao fim do mês. Ainda era capaz de trabalhar. Fui muito bom no meu ofício. Mas já nem há tipografias. Acabou-se.
- Eu estou cheio de artroses.
- E vais ficar com mais. Quando o FMI…
- Já te disse que não é o FMI.
- Quando o FMI ou outro penhorista vier bater-nos à porta é que vamos ver como é.
- Já vimos. Já estamos a ver.
- Ainda tive uma grande esperança, quando veio o 25 de Abril. Mas, depois, os galifões apropriaram-se disto tudo, e tudo voltou à mesma.
- Voltou à mesma ou a pior.
- A pior, não. És novo. Não sabes o que era isto no tempo do Salazar. Apesar de tudo, valeu a pena.
- Valeu a pena, com estes socialistas?
- E os comunistas? Queres os comunistas? Os comunistas não querem o poder, querem é protestar. É um partido do protesto.
- Os únicos que se bateram, na clandestinidade, contra o fascismo.
- Os únicos, não: houve muitos mais. Eles estavam era organizados, isso sim.
- Mas, agora, parece que o Bloco e o PC estão a entender-se.
- A entender-se para quê? Nunca chegam lá…
- Vais votar em quem?
- Se calhar, é a primeira vez que não voto. Vai para lá, quem? O Passos? Ora, ora… Se o Sócrates for eleito secretário-geral do PS, engole-o vivo.
- Lá palheta tem ele.
- Palheta e coragem. Não gosto nada dele, mas tenho de admitir que o tipo é determinado. Já lhe chamaram tudo, até maricas, e ele aguenta-se nas canetas. Reconheçam que o gajo é teso.
- É teso e deixa-nos tesos que nem carapaus.
- Eu vou é para a Austrália.
- Já leste o jornal? Diz que…
- Não tenho dinheiro para comprar jornais. Depois, dizem todos o mesmo.
- As televisões são piores. O escândalo são os ordenados que pagam a esses tipos. E as transferências? Uma vergonha! Há jornalistas que parecem jogadores de futebol.
- Quem dá mais é que é o patrão.
- Agora, nem se sabe quem é o patrão. Mas isto está tudo nas mãos deles.
- Eu vou é para a Austrália. Ainda por cima, dizem que lá há gajas boas à brava.
- Está tudo a ir-se embora.
- Qualquer dia há só velhos em Portugal.
- E de quem é a culpa? Não me digam que a culpa também é do Cavaco.
- Tem muitas culpas no cartório. Mas há muitos mais responsáveis. Deviam estar na cadeia. Mas esses gajos safam-se sempre.
- Em todo o lado há corrupção e aldrabões. Em todo o lado e em todos os partidos.
- Quer dizer, então, que estamos lixados, que isto nunca mais se endireita.
-Eu vou é para a Austrália.
- É pá, vai. Vai e deixa-nos em paz.
- O mundo está a mudar e eu já não tenho idade para o compreender. Vou-me ficando por aqui.
-É. Eu também.
- Eu, vou-me levantando. Tenho de ir ao médico e não me está a apetecer nada.
- Até amanhã.
- Até amanhã.


b.bastos@netcabo.pt
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