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13 de Julho de 2007 às 13:59

Como governar Lisboa em minoria

Não gostaria de estar na pele do Dr. António Costa nos seus primeiros meses como presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Todos aprendemos que pagar e morrer quanto mais tarde melhor mas, tendo em conta a longa lista de credores desta câmara, parece-me q

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Em contrapartida, morrer de tédio também está fora de questão, mas já não é tão pouco provável que apanhe uma filoxera por acumulação de pressões.

É fácil imaginar a quantidade de pessoas com projectos e programas prioritários (!?) que já se acotovelam para lhos apresentarem: o Simplex das autarquias, a revisão do PDM, o braço de ferro com o Porto de Lisboa, o futuro pulmão de Lisboa. Uma miríade de agendas e problemas que terão de ser resolvidos ou ignorados. São alguns problemas novos que se juntam a muitos problemas velhos, que desde sempre se têm apresentado aos diversos candidatos eleitos para a condução da nossa querida capital.

Diriam os mais imediatistas: há que definir prioridades! Em abono da verdade, sempre foram definidas. O problema está na forma como elas foram definidas. Não vai ser nada fácil: ao cumprimento do seu próprio programa, o Dr. António Costa terá de juntar as prioridades da Arq. Helena Roseta e do Dr. Sá Fernandes com quem provavelmente terá de governar, as prioridades políticas do governo, as imposições da comunidade, atender aos critérios que garantam as próximas eleições, etc. Tudo isto em ambiente de grandes constrangimentos: pouco dinheiro, muita dívida, menos pessoas (e assessores!) e muita pressa, dois anos passam muito rapidamente.

Atrevo-me a sugerir uma abordagem metodológica que a ser posta em prática na CML, dará muito a ganhar em matéria de eficácia, eficiência e transparência. Acresce que esta receita está totalmente alinhada com o choque tecnológico de que o Dr. António Costa foi co-autor. Como ponto prévio recomendo que "primeiro se continue e depois se comece" – chegar às organizações e recomeçar é um erro grave, a que temos assistido demasiadas vezes. Na mesma linha, não caia na tentação de complicar o governance com conselhos disto e daquilo (veja como anda o maior banco português, tão referenciado no passado pelas suas boas práticas).

Proponho que se construa uma plataforma de selecção e controlo de iniciativas, tecnicamente designada por "gestora de portfólio" (Portfolio Management). Deitando mãos à obra, o primeiro passo consiste em rastrear as principais forças motoras (business drivers) da CML, à luz das quais todas as iniciativas virão a ser classificadas para se fazer uma objectiva avaliação dos seus méritos e custos. Seguidamente identificam-se os principais constrangimentos e riscos, como sejam os vários orçamentos, os grupos de recursos humanos e outros meios, os riscos sociais e políticos (há sempre tempo para aperfeiçoar, o óptimo é inimigo do bom e só temos 2 anos para mostrar resultados, certo?). A boa notícia é que é fácil estabelecer os necessários consensos para estes dois passos.

Termina-se a fase preparatória introduzindo os principais projectos e programas em curso, que consomem recursos e impactam futuras escolhas. Segue-se a parte mais interessante, com a recolha de propostas dos diversos intervenientes, atribuindo-lhes uma classificação quanto aos business drivers. A "afinação" dos critérios de classificações das propostas submetidas ao sistema, é o passo que se segue e que reduz a discussão a pormenores de carácter relativamente objectivo, o que facilita mais uma vez a obtenção de consensos (reconheço que estas reuniões serão mais animadas). Passados poucos meses, temos os primeiros cenários de portfólios optimizados de acordo com os critérios escolhidos: mais espaços verdes, mais emprego na cidade, maior valor acrescentado líquido, menos custos, mais incidência directa de taxas municipais, etc. Nesta altura, os altos decisores da câmara envolvem-se e fazem as suas escolhas, simulando o lançamento ou o cancelamento de iniciativas, mas não sem antes imporem alguns projectos políticos obrigatórios, ou resultantes de alterações de normas e legislação, ou outras coisas importantes e inadiáveis.

Depois das escolhas, há que controlar a sua execução e ir medindo os resultados (alguns deles, só se obtêm muitos anos depois da decisão), comparando-os com o que se previa e cuja antecipação esteve na génese da opção por esse projecto em detrimento de muitos outros. Esse controlo, fundamental para a responsabilização técnica e política dos gestores que conseguiram fazer passar os seus projectos, servirá de base para melhores decisões no futuro, já que cada iniciativa constitui um caso de negócio comparável e reutilizável.

Garante-se assim a escolha contínua, rigorosa e transparente das melhores iniciativas, que estão em permanente "concorrência" com todas as outras, através duma metodologia que não facilita o "volta lá atrás e altera estes critérios para a minha iniciativa passar no crivo". Responsabiliza-se quem as promove, controla-se a execução e garante-se a flexibilidade tão necessária num panorama em mudança constante (e com ele, as prioridades). Como última recomendação, sugiro que os gestores intermédios da CML, desenvolvam competências de gestão de projectos (já se obtêm em Portugal certificações de nível internacional), promovendo a condução de projectos multidisciplinares, multi-divisão e multi-departamentos, para a resolução dos principais desafios da Câmara, quebrando assim a lógica dos pequenos territórios ou feudos das organizações funcionais. Um benefício colateral desta recomendação, é que em caso de despedimento, terão muito mais saídas profissionais, dada a enorme escassez de gestores de projecto certificados e experientes em Portugal e no mundo. Acredite senhor Presidente que assim, mesmo em minoria, é possível governar e gerir bem (o que não é a mesma coisa).

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