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Cães perigosos

Algumas das pessoas que mais afirmam gostar da natureza e dos animais são precisamente aquelas que mais sadicamente os torturam e chacinam. Legitimadas por uma incongruente separação entre homem e restantes formas de vida, estas pessoas consideram que os

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Legitimadas por uma incongruente separação entre homem e restantes formas de vida, estas pessoas consideram que os animais são criaturas sem nenhuma das nossas extraordinárias capacidades, como sejam a inteligência ou a consciência, e existem exclusivamente para nos servir. Para mais não sentiriam a dor, nem se importariam com as crueldades infligidas. Podendo ser seviciados, esquartejados, chacinados à vontade e sem dó nem piedade como sói dizer-se.

No topo da escala desta aberração estão os caçadores das sociedades desenvolvidas. Já não se caça para sobreviver, mas sim pelo prazer de matar. Não consigo entender como se pode retirar satisfação em massacrar indefesas criaturas. Não entendo como alguém que se diz civilizado pode praticar actos tão bárbaros. É aliás difícil ver qualquer elemento positivo num “desporto” que usando verdadeiras armas de guerra, e portanto uma enorme desproporção de meios, consiste no abate de pequenas aves e mamíferos. Qual é o gozo? Que mérito ou justificação pode ter isto?

É certo que na caça de hoje os animais são o acessório. Menos importante do que a exibição do todo-o-terreno, a caçadeira ou o chapéu das senhoras. A caça é por natureza um desporto de elites. Basta pensar no preço exorbitante dos equipamentos e demais apetrechos, armas, cães, veículos, viagens, estadias e todo o consumo que se desenvolve em torno desta actividade. O povo também caça, mas é normalmente perto de casa e para mais atira sobre tudo o que mexe, cães, gatos e às vezes vizinhos. Eu sei. Vivi algum tempo numa aldeia. Uns e outros, povo e elite, de arma na mão, tornam-se frequentemente um perigo para a generalidade da população. Frustrados, bêbados ou simplesmente com mau feitio, entram pelas propriedades, ameaçam, atiram sobre tudo o que lhes apetece e por vezes, como se sabe pelos jornais, assassinam. É de facto um grande desporto e, para além do mais, muito educativo para os jovens.

Outro género muito apreciado pelos amantes dos animais consiste em torturar um touro de todas as maneiras e feitio até este vergar com tanto sofrimento. Os mais enlevados acham que no fim da sessão de tortura se devia matar o bicho em demonstração do amor desmedido que nutrem por ele. Adiante. Já tudo se disse sobre as touradas, o seu fundo marialva, a cultura fadista/fascistóide associada, o negócio do touro bravo. Não são necessários mais argumentos. Toda a gente já percebeu que se trata de uma prática selvagem, um resquício do passado primitivo e cruel, absolutamente inaceitável nas sociedades contemporâneas.

Outra arena de inacreditáveis maus tratos contra animais é o circo. Entre palhaços que fazem rir e acrobatas que se lançam no vazio, tigres, ursos, elefantes e muitos outros grandes mamíferos são sujeitos às maiores provações, drogados, espancados, espetados nas narinas, onde dói mais e tão-só para fazerem uma qualquer parvoeira sem nexo, dar um salto de um lado para o outro ou vergar perante o homem de chicote todo-poderoso. É difícil imaginar cena mais degradante para a condição humana. E pensar que isto é feito para “agradar” às crianças.

Mas caça, touradas e circo são indústrias de chacina e tortura que exigem meios relevantes. Nem todos têm acesso a eles. Por isso há quem transforme a sua casa numa masmorra, onde exercita diariamente os ensinamentos da Gestapo em cães, gatos e periquitos. Qualquer pessoa que realmente goste de animais deixa-os viver livremente no seu habitat próprio, junto dos seus e em todo o esplendor e tragédia da evolução darwiniana. Fechar um pequeno pássaro numa gaiola é tudo menos um acto de amor. Admito que alguns animais, cães e gatos acima de tudo, apreciem a companhia de humanos. Por qualquer razão os canídeos acham que nós também somos cães e fazemos parte de uma matilha. E os gatos consideram que podem viver calmamente e sem esforço à nossa custa. Daí que, até prova em contrário, aceite como razoável a convivência humana com estes animais, ainda que em particular nas grandes cidades as condições não sejam as melhores e os problemas, desde os dejectos na via pública, o abandono e a falta de espaço, se mostrem evidentes. Aliás a inadaptação do espaço urbano à vida animal é tão evidente que até deu origem a uma nova profissão que pode ser descrita como o “apanhador de fezes de canídeo”. Até já existem empresas dedicadas ao segmento de mercado.

Uma coisa contudo é ter um cão por companhia e outra é pretender domá-lo e levá-lo a fazer coisas que não estão na sua natureza. Não falo só da parvoíce em tentar humanizar o animal vestindo-lhe roupas ou fazendo-lhe penteados ridículos, mas acima de tudo treiná-lo para entre tanta coisa sentar, rebolar, atacar. É nesta última categoria que o homem revela ser mesmo muito perigoso. Quando imagina que a melhor simbiose entre homem e animal consiste em transformar este numa arma letal contra outros animais e acima de tudo contra os próprios concidadãos. A proliferação de cães treinados e geneticamente manipulados para aumentar a agressividade, com escolas de tipo militar, clubes de néscios e associações de exibicionismo selvático dá-nos conta da miséria mental e civilizacional a que se pode chegar quando se pensa torto.

Em suma. Haverá animal mais estúpido e perigoso do que o cão homem?

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