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Andrés Velasco - Economista 14 de Setembro de 2012 às 00:01

As raízes do mal-estar chileno

Os chilenos não confiam nos políticos, nos partidos, nos juízes, no patronato, nem mesmo nos membros do clero.

Margaret Thatcher disse uma vez que “não existe sociedade”. Hoje, a população chilena está a demonstrar o quão errada estava Margaret Thatcher.

Durante mais de um ano, os jovens chilenos têm estado nas ruas para protestar. Muitos observadores internacionais afirmaram estar surpreendidos. Porque estão os cidadãos de um país emergente bem-sucedido chateados? O que é que lhes pode ter chateado?

Os movimentos de protesto levados a cabo pelos estudantes fizeram com que muitos chilenos reflictam sobre o país. Intelectuais da velha esquerda apontam a elevada desigualdade de rendimentos e argumentam ainda que os proveitos económicos, alcançados em 22 anos - desde o regresso da democracia - foram mais ilusórios do que reais. Nesta perspectiva, o modelo económico do Chile falhou para com os seus cidadãos e está em processo de “colapso”.

Apoiantes do actual governo chileno de direita destacam o contínuo crescimento económico e o desemprego abaixo dos 7% e argumentam que não existe uma razão profunda para o descontentamento. Nesta perspectiva, se o governo se mantiver nesta trajectória e a economia continuar a crescer, o mal-estar vai passar.

Dados recentes recolhidos através de inquéritos, assim como um estudo detalhado do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) sugerem que estas duas visões simples estão erradas.

Nas sondagens de opinião, os chilenos disseram que são felizes e, apontaram ainda, que vivem muito melhor agora do que viviam há uma década ou há uma geração. Afirmaram ainda, de forma esmagadora, que a educação e o trabalho árduo são as formas de progredir na vida. E muitos cidadãos carenciados referiram uma satisfação crescente com os cuidados de saúde e com as pensões a que a têm acesso. Isto não é de um país cujo modelo de desenvolvimento esteja à beira do “colapso”.

Mas, e apesar dos chilenos estarem felizes com as suas próprias vidas, eles estão também preocupados com a sociedade em que vivem. As respostas dos inquiridos apontam que a população está a ficar cada vez mais ressentida com as desigualdades económicas e com a segregação social. Os chilenos não confiam nos políticos, nos partidos, nos juízes, no patronato, nem mesmo nos membros do clero.

Apesar de muitos pais enviarem os seus filhos para escolas privadas, as sondagens revelam uma procura por melhores escolas públicas. Escolas essas que são valorizadas como um lugar onde valores comuns são forjados entre crianças com diferentes origens. Muitos estão felizes com a crescente número de pessoas que tem casa própria mas estão infelizes com a escassez de espaços públicos – ruas seguras, parques, infra-estruturas para as artes e centros comunitários – onde seja possível entrar em contacto com os seus conterrâneos.

E é aqui que a famosa declaração de Thatcher está errada: existe uma coisa que é a sociedade e a qualidade das interacções dentro dela importam muito para a satisfação das pessoas com as suas vidas.

Incerteza e medo são as duas razões pelas quais os chilenos de classe média referem que estão insatisfeitos com a sua sociedade. Atingir a classe média exige décadas de trabalho árduo, mas tudo pode desaparecer como resultado de um acidente, de uma doença na família ou como perder o emprego. O sistema de Segurança Social do Chile, dizem estes cidadãos, é insuficiente em termos sociais e não é seguro suficiente.

A outra fonte principal de mal-estar, indica o estudo do PNUD, é a descriminação persistente e os maus-tratos. Muitas pessoas relataram terem sido maltratadas devido ao seu género, raça, estatuto socioeconómico e mesmo devido à sua aparência física. A discriminação no mercado de trabalho é comum. Determinados empregos, apontam os cidadãos da classe média, parecem estar reservados para pessoas com determinados sobrenomes, de determinados bairros ou de determinadas escolas.

Por isso, a questão não é as pessoas que se estão a virar contra o sistema que promete uma vida melhor para aqueles que estão disponíveis para trabalhar de forma árdua e para terem uma melhor educação. Longe disso. As pessoas estão chateadas – por causa dos preconceitos e dos abusos – que o sistema falhe em dar aquilo que promete mesmo às pessoas com muitos anos de estudos e que se esforçam todos os dias.

E isto é claro para aqueles de nós que estão a ouvir o que os cidadãos chilenos estão a dizer. Os políticos tradicionais chilenos, contudo, não parecem estar a ouvir. O seu conflito interno continua a irritar as pessoas, apesar de muitas das suas propostas políticas tenham pouco a ver com os problemas que os cidadãos comuns enfrentam. Pelo bem do futuro do Chile, isso vai ter de mudar.


Andrés Velasco foi ministro das Finanças do Chile e é professor convidado da Universidade de Columbia.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro


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