Opinião
As gerações que vão mandar
Na edição de aniversário do Negócios, a manchete principal, "A Geração que Vai Mandar", pretende proceder a uma espécie de prospectiva do País que aí vem.
Na edição de aniversário do Negócios, a manchete principal, "A Geração que Vai Mandar", pretende proceder a uma espécie de prospectiva do País que aí vem. Através de curtos depoimentos de um grupo de jovens admitimos que o pessimismo não é norma neles, embora não deixem de fazer uma espécie de exigência particular ao futuro. Na mesma edição, empresários e políticos antigos e actuais também preopinam, consoante as inclinações partidárias e os projectos ideológicos que defendem. Nada dizem de novo. Se os mais novos reconhecem as dificuldades, mas aspiram a outros destinos, os outros, coitados, parecem a música de um velho realejo.
Neste discretear sabemos que "esta geração que vai mandar" ainda o não vai: é o "intermezzo" de uma outra. E que outra será essa? O discurso oficial não se cansa de afirmar que os moços de hoje estão mais bem apetrechado dos que os de outrora. Há uma certa verdade no dito. Mas não é a verdade total. Ainda há pouco tempo o dr. Bagão Félix manifestou reticências acerca da asserção. E eu sublinho o que ele disse. Talvez, especificamente, os moços de hoje estejam, nas suas especialidades, mais conhecedores, mas falta-lhes o resto do que se considera "cultura geral."
Tudo isto tem uma importância relativa; mas lá que tem importância, tem. Instila-se nos jovens uma ideia errada. E não se lhes inculca o gosto da História, o prazer da língua, o estímulo pela relação (o mais harmoniosa possível) com o outro, através das relações intelectuais e nas trocas de ideias. Sei muito bem do que falo. Viajei pelo país, falei em escolas da minha experiência profissional de escritor e de jornalista, dei aulas numa universidade. É desolador, na generalidade dos casos, ler textos compostos por muitos estudantes do Superior. E os problemas vão avolumar-se.
Creio que também se perdeu o "espírito de missão", que foi comum às gerações que lutaram contra o fascismo. A questão dessa "ausência" deve-se à inexistência de uma pedagogia histórica, que afastou as gerações posteriores ao 25 de Abril da realidade circundante. É evidente que a luta pelo poder, que se seguiu à Revolução, impediu que essa pedagogia se cumprisse. Todos os partidos, todos sem excepção, são responsáveis monumentais dessa falta.
E manifesta-se uma luta tenaz entre muitos daqueles, escritores, jornalistas, artistas, políticos, crias da liberdade, em tentar compreender esses tempos. É importante referir escritores mais novos, que abordam, directa ou indirectamente, o estado das coisas e o porquê dessas coisas. João Tordo, Valter Hugo Mãe, Possidónio Cachapa, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, outros mais, e não esqueço Rodrigo Guedes de Carvalho, têm feito esforços significativos para, com linguagens procuradamente inovadoras e cosmovisões muito singulares, esforçar-se por "ver" para "lá de." Não se trata, aqui e neste caso, de "glórias" irretorquíveis, mas sim de esforços importantes de compreensão de épocas que não viveram mas que lhes suscitam especial cuidado.
Portugal vive numa encruzilhada dramática, com reflexos transversais a toda a sociedade e a todos os sectores. Se, politicamente, o País existe em derivas constantes, o mesmo não acontece no domínio das artes. A forte pujante naqueles sectores demonstra, afinal, a razão de Lukacs, que assinalou o renascimento do espírito criador no interior da grande crise europeia entre duas guerras.
O regresso de um velho e grande escritor
A filha e o genro de Tomaz de Figueiredo não desistem de divulgar a obra do seu grande parente. E fazem muito bem: a cultura e o espírito são-lhe devedores. Agora, por intermédio da Parceria A.M. Pereira, e organização e prefácio do prof. Sérgio Paulo Guimarães de Sousa, foi dado a público um belíssimo livro de narrativas. Título: "O Homem que Sonhou" e nada mais justo para definir Tomaz de Figueiredo. Este homem truculento, paladino da justiça e autor de alguns dos mais belos e importantes romances da literatura portuguesa de sempre, não teve (e ainda não tem) o reconhecimento merecido. Tudo o que se faça para quebrar esse desconhecimento é uma valorização da própria cultura portuguesa, no que ela tem de mais vivo, livre e original, e a defesa do que se chama "identidade nacional." Sou, há muito anos, leitor com mão diurna e mão nocturna deste imenso prosador, cujo amor pelo idioma era idêntico à qualidade da sua efabulação e ao poder da sua ironia, muitas vezes sarcástica. Este volume de narrativas pode ser uma estimulante iniciação à obra de Tomaz de Figueiredo. Se frequentar qualquer título do autor, pode ter a certeza de que nunca mais o larga.
Neste discretear sabemos que "esta geração que vai mandar" ainda o não vai: é o "intermezzo" de uma outra. E que outra será essa? O discurso oficial não se cansa de afirmar que os moços de hoje estão mais bem apetrechado dos que os de outrora. Há uma certa verdade no dito. Mas não é a verdade total. Ainda há pouco tempo o dr. Bagão Félix manifestou reticências acerca da asserção. E eu sublinho o que ele disse. Talvez, especificamente, os moços de hoje estejam, nas suas especialidades, mais conhecedores, mas falta-lhes o resto do que se considera "cultura geral."
Creio que também se perdeu o "espírito de missão", que foi comum às gerações que lutaram contra o fascismo. A questão dessa "ausência" deve-se à inexistência de uma pedagogia histórica, que afastou as gerações posteriores ao 25 de Abril da realidade circundante. É evidente que a luta pelo poder, que se seguiu à Revolução, impediu que essa pedagogia se cumprisse. Todos os partidos, todos sem excepção, são responsáveis monumentais dessa falta.
E manifesta-se uma luta tenaz entre muitos daqueles, escritores, jornalistas, artistas, políticos, crias da liberdade, em tentar compreender esses tempos. É importante referir escritores mais novos, que abordam, directa ou indirectamente, o estado das coisas e o porquê dessas coisas. João Tordo, Valter Hugo Mãe, Possidónio Cachapa, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, outros mais, e não esqueço Rodrigo Guedes de Carvalho, têm feito esforços significativos para, com linguagens procuradamente inovadoras e cosmovisões muito singulares, esforçar-se por "ver" para "lá de." Não se trata, aqui e neste caso, de "glórias" irretorquíveis, mas sim de esforços importantes de compreensão de épocas que não viveram mas que lhes suscitam especial cuidado.
Portugal vive numa encruzilhada dramática, com reflexos transversais a toda a sociedade e a todos os sectores. Se, politicamente, o País existe em derivas constantes, o mesmo não acontece no domínio das artes. A forte pujante naqueles sectores demonstra, afinal, a razão de Lukacs, que assinalou o renascimento do espírito criador no interior da grande crise europeia entre duas guerras.
O regresso de um velho e grande escritor
A filha e o genro de Tomaz de Figueiredo não desistem de divulgar a obra do seu grande parente. E fazem muito bem: a cultura e o espírito são-lhe devedores. Agora, por intermédio da Parceria A.M. Pereira, e organização e prefácio do prof. Sérgio Paulo Guimarães de Sousa, foi dado a público um belíssimo livro de narrativas. Título: "O Homem que Sonhou" e nada mais justo para definir Tomaz de Figueiredo. Este homem truculento, paladino da justiça e autor de alguns dos mais belos e importantes romances da literatura portuguesa de sempre, não teve (e ainda não tem) o reconhecimento merecido. Tudo o que se faça para quebrar esse desconhecimento é uma valorização da própria cultura portuguesa, no que ela tem de mais vivo, livre e original, e a defesa do que se chama "identidade nacional." Sou, há muito anos, leitor com mão diurna e mão nocturna deste imenso prosador, cujo amor pelo idioma era idêntico à qualidade da sua efabulação e ao poder da sua ironia, muitas vezes sarcástica. Este volume de narrativas pode ser uma estimulante iniciação à obra de Tomaz de Figueiredo. Se frequentar qualquer título do autor, pode ter a certeza de que nunca mais o larga.
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