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15 de Abril de 2010 às 12:06

As falências chegam à China

Os empresários chineses sempre precisaram de dar provas de resiliência, mas agora têm de conhecer a acostumar-se com o espectro da falência. Isto porque a China dispõe agora de uma eficaz lei de falências e os tribunais do país estão a começar a aplicá-la...

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Os empresários chineses sempre precisaram de dar provas de resiliência, mas agora têm de conhecer a acostumar-se com o espectro da falência. Isto porque a China dispõe agora de uma eficaz lei de falências e os tribunais do país estão a começar a aplicá-la rigorosamente.

Na China, a implementação de uma legislação sobre falências teve início logo após Deng Xiaoping ter lançado as suas reformas de liberalização do mercado, há três décadas. A Lei de Falências de Empresas (uma versão experimental), a primeira deste género, foi adoptada em 1986. No entanto, a execução desta lei foi entorpecida pelo seu âmbito de aplicação muito estreito, pela inexistência de leis correspondentes para regular a reestruturação das empresas, pela excessiva intervenção governamental, pela incompatibilidade dos processos de falências baseados nas políticas que estavam na altura em vigor, pelos erros técnicos e pela incapacidade generalizada para tornar a lei operacional.

Assim, em 2006, foi aprovada uma versão revista da lei, o que constituiu um importante marco de referência nos esforços da China para construir um sistema jurídico eficaz à medida que o país evoluía para uma economia de mercado. Comparada com a lei original sobre falências, a lei de 2006 responde firmemente às necessidades de uma economia de mercado.

Em primeiro lugar, destina-se a garantir que as obrigações sejam preenchidas de forma justa e regular quando um devedor se torna financeiramente insolvente. Desta forma, procura proteger os legítimos direitos, estabelecidos por lei, tanto dos credores como dos devedores.

A legislação também impôs uma data-limite para a abolição da "falência baseada nas políticas públicas" - a prática adoptada pelo Conselho de Estado para a liquidação de empresas estatais com prejuízos e para a recolocação dos trabalhadores despedidos. Ao contrário da Lei de Falências, o processo administrativo tem uma diferente hierarquia em matéria de prioridades de liquidação: aquilo que uma empresa estatal deficitária, em processo de falência, deve aos seus trabalhadores, bem como os encargos com a reconversão desses mesmos trabalhadores, tem de ser coberto, antes de mais, pelos seus activos totais, incluindo os activos da empresa oferecidos como garantia, de modo a reduzir a dependência dos orçamentos dos governos locais.

Contudo, este processo não protege os direitos dos credores, o que levou a críticas generalizadas. A nova Lei de Falências de Empresas redefine o seu âmbito de aplicação, de forma a impedir a sobreposição com outras leis, como a Lei da Segurança Social e a Lei do Trabalho. Com efeito, actualmente, a reconversão dos trabalhadores de empresas estatais deficitárias que ficaram sem emprego, bem como as demais implicações sociais das suspensões de trabalho, são problemas que - antes de mais - cabe ao Governo tratar, através de uma rede de protecção social, em vez de serem simplesmente tratados no âmbito do processo de falência.

A nova lei introduz também o conceito de "liquidatários administrativos", mediante a qual os advogados, contabilistas certificados e outros intermediários podem actuar na qualidade de gestores de empresas em processo de falência. Esta norma revoga a Equipa de Liquidação, um regime que vigorou durante muito tempo e que muitos indivíduos alegavam ser injusto, agressivo na intervenção administrativa, pouco profissional e desprovido de dispositivos de controlo.

De modo a permitir que esta secção da lei avance, o Supremo Tribunal do Povo emitiu interpretações judiciais que estipularam quem é que pode ser designado liquidatário de uma empresa, bem como a natureza e o montante das indemnizações que se lhe podem pagar. Até agora, cerca de 2.520 agências e 388 indivíduos foram incluídos na lista de liquidatários.

Mas os problemas persistem. A título de exemplo, os liquidatários recebem muito pouco dinheiro quando os activos são escassos; além disso, a nomeação aleatória e indiscriminada dos liquidatários faz com que, por vezes, se atribua a alguns casos um número excessivo de pessoas, enquanto outros ficam com um número insuficiente. Consequentemente, a missão do liquidatário, embora implique responsabilidade absoluta, é extremamente arriscada em termos de recompensa. Se não for encontrada uma solução viável, nenhuma agência ou indivíduo quererá desempenhar o papel de liquidatário em casos comuns de falência.

Uma outra importante inovação é a adopção de procedimentos de reestruturação baseados nas experiências de outros países. A possibilidade de reestruturação equilibra os interesses das partes interessadas e usa as protecções jurídicas para ajudar as empresas potencialmente arriscadas a prevenir ou a evitar a falência no caso se ser possível ou valer a pena uma operação de resgate.

No entanto, para que os planos de reestruturação sejam aprovados pelos tribunais, é preciso estabelecer normais mais rígidas e mais razoáveis. A título de exemplo, se a exigida maioria de accionistas adoptar um plano dessa natureza, o tribunal deve proteger os direitos da minoria de credores que poderão ter-se oposto a esse plano. E se a taxa de liquidação para as acções colectivas dos credores for definida como não inferior à existente na época em que a proposta do plano de reestruturação foi submetida à aprovação, deverá ser considerada uma indemnização no caso do pagamento se atrasar.

Além disso, a Lei de Falências, a Lei das Empresas e a Lei de Valores Mobiliários devem estar bem coordenadas entre si e devem reforçar-se mutuamente. Como é que uma empresa que está a ser reestruturada pode, digamos, encontrar uma forma de emitir títulos para financiar essa mesma reestruturação se não conseguir satisfazer normas convencionais, como as que dizem respeito à rentabilidade e ao valor líquido dos activos, conforme exigido pela Lei das Empresas e pela Lei de Valores Mobiliários? A legislação deve conter cláusulas específicas sobre estas questões, para que se possa assegurar um bem sucedido registo em bolsa das empresas que estão em processo de reestruturação.

De modo a evitar fraudes, que foi um grave problema no passado, a nova lei estabeleceu um "direito de anulação", mediante o qual o liquidatário pode solicitar que o tribunal anule qualquer acção intentada por um devedor que envolva fraude, evasão ou liquidação desonesta, dentro do período estipulado, antes de o pedido de falência ser aceite e os activos serem recuperados. Desta forma, o sistema detém agora a chave para uma liquidação justa. Além disso, a Lei Penal da República Popular da China prevê agora as fraudes nos processos de falências.

A implementação bem sucedida da nova versão da Lei de Falências da China depende do seu eficaz cumprimento e do abandono das mentalidades e práticas nascidas durante a vigência da versão antiga, especialmente na época das falências baseadas nas políticas públicas. Apesar das dificuldades que ainda subsistem, a legislação de falências da China está cada vez mais adaptada à economia de mercado; a tendência é irreversível.


Wang Xinxin é professor de Direito na Renmin (Peoples) University of China e director do Centro de Investigação da Lei de Falências dessa universidade.


© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro





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