Opinião
As medidas excepcionais no arrendamento não habitacional
À qualificação da situação actual de emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19 seguiu-se a implementação do Estado de Emergência por Decreto do Presidente da República e inúmeras iniciativas legislativas como resposta à pandemia. Chegou, então, a vez do arrendamento!
As sucessivas alterações à lei do arrendamento (pelo menos, cinco desde o ano de 2006) causaram sempre muitas dificuldades de interpretação e as medidas excepcionais e temporárias publicadas no passado dia 6 de Abril não fogem à regra. Contudo, a urgência em legislar tornou-se evidente e, por isso, há que tentar encontrar o melhor sentido das novas regras.
As novas medidas abrangem acções judiciais, o fim dos contratos e o pagamento das rendas.
As acções de despejo e outros procedimentos destinados a desocupar imóveis encontram-se suspensos e, neste momento, ainda que possam ser iniciadas novas acções, estas ficarão sem qualquer andamento porque se aplica o regime das férias judiciais. Este regime tem como consequência a não tramitação de qualquer acção judicial, com excepção dos processos urgentes, mas os despejos não foram incluídos nesta categoria.
Desde o dia 13 de Março que a produção de efeitos de qualquer forma de cessação dos contratos de arrendamento pelo senhorio (denúncia ou oposição à renovação), fica suspensa e assim se manterá até 60 dias após a cessação do Estado de Emergência. Depois deste período outros conflitos surgiram quanto à aplicação dos prazos para terminar os contratos e qual a antecedência que o senhorio deverá respeitar para o fazer. Se a forma de fazer cessar o contrato tiver de ser feita obrigatoriamente pela via judicial, como poderá o senhorio fazê-la agora se os tribunais apenas estão a tramitar processos urgentes? É certo que neste momento a prioridade é contribuir para a estabilidade das pessoas nos locais arrendados, mas subjazem razões económicas ao arrendamento não habitacional que exigiam medidas melhor adaptadas e que atenuassem as consequências nefastas que todos sabemos que não podem deixar de vir a ocorrer.
Mas as maiores dúvidas surgem na interpretação das normais relativas à moratória no pagamento das rendas. Salienta-se que se trata apenas de uma moratória e não perdão de rendas porque o legislador entendeu que os contratos não ficam suspensos, ao contrário do que foi legislado noutros países da Europa.
A Lei nº 4-C/2020 de 6 de Abril veio consagrar um diferimento no pagamento das rendas que se vencem durante o Estado de Emergência e no mês subsequente, para o fim do mesmo e a pagar em duodécimos no prazo de 12 meses. Apesar desta regra, aceita-se que senhorio e inquilino possam estipular o montante das prestações tendo em conta as actividades que estejam em causa e porque – salienta-se – as rendas que se vencerem durante esse ano devem continuar a ser pagas mensalmente.
O artigo 7º desta Lei prescreve na sua epígrafe "Quebra de rendimentos dos arrendatários não habitacionais", mas não prevê qual a percentagem dessa quebra nem exige a prova da mesma, apenas ficou previsto que a quebra é devida à doença COVID-19.
As dificuldades de interpretação aumentam quando se tenta apurar a quem se aplica a moratória. A primeira ideia subjacente à nova regra é a do encerramento, mas fica por saber se este inclui os estabelecimentos e instalações encerrados pelos Decretos nº 2-A e 2-B ou se também abrange outros casos aí não contemplados.
Dúvidas também surgem quanto às actividades que podem lançar mão da moratória, porque se a primeira ideia é a de que inclui as actividades que foram suspensas pelos referidos Decretos, da análise da Lei nº 4-C parece resultar que também se aplica às actividades não suspensas, tais como a prestação de serviços à distância ou através de plataforma electrónica, comércio electrónico e estabelecimentos de restauração e similares que mantenham actividade para consumo fora do estabelecimento ou entrega ao domicílio.
A Lei nº 4-C visa estabelecer medidas que atenuem o impacto económico dos encerramentos e suspensão de actividades, mas a remissão para os referidos Decretos não foi uma boa opção porque uma e outros visam realidades diferentes. Aquela visa quem teve quebra de rendimentos e estes visam o cumprimento das orientações da Organização Mundial de Saúde quanto ao distanciamento social necessário para evitar a propagação da doença COVID-19.
Certo é que se as novas regras visam os arrendamentos não habitacionais com quebra de rendimentos, não é menos certo que existam estabelecimentos e actividades não incluídas na Lei nº 4-C, pelo que, só o recurso a outras figuras do Direito poderá acautelar as dificuldades financeiras causadas pela actual situação.
No caso do arrendamento habitacional foi previsto um dever de informação que recai sobre o inquilino no que respeita à sua pretensão de beneficiar da moratória, devendo informar o senhorio no prazo de 5 dias antes do vencimento da renda que pretende diferir o respectivo pagamento (não aplicável à renda do mês de Abril). Estranhamente, não foi previsto igual dever para o arrendamento não habitacional, o que certamente aconteceu pela premência de legislar as medidas excepcionais. Contudo, a boa-fé que deve estar presente em todos os contratos, e em especial no arrendamento, impõe que o inquilino cumpra este dever para que o senhorio não venha a exigir qualquer indemnização pelo atraso no pagamento da renda, indemnização essa que só poderá ser pedida pelo senhorio se o inquilino não invocar o benefício da moratória.
Perante as dúvidas e porque desta vez – provavelmente a única – senhorios e inquilinos "estão no mesmo barco", a melhor medida "excepcional" será a aproximação entre as partes e o alcance de um acordo equilibrado para o presente e para o futuro que virá.