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Ars longa

É sabido como hoje a imagem é tudo. O quanto governos, empresas e personalidades se empenham em ter uma boa imagem, tantas vezes mais do que a realizar qualquer coisa de concreto e positivo.

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A lógica da coisa é esmagadora. Quem não aparece não existe. E ter uma boa imagem abre portas, facilita contactos, dá crédito, vende produtos. Por isso tantos se afadigam no exercício. Os mais modestos recorrem à sua própria esperteza e sentido de oportunidade, os que podem contratam agências e especialistas, numa actividade que não tem parado de crescer. Hoje a gravata do primeiro-ministro é escolhida por uma multidão de assessores que analisam cores e impactos junto da opinião pública. Nas grandes empresas, estratégias fundamentais são determinadas, não mais pelo conselho de administração, mas por excitados jovens das agências de publicidade. Criam-se produtos sem qualquer utilidade ou efectiva diferença só para promover uma determinada imagem. A marca vale mais do que a mercadoria. Aliás, em muitas actividades a marca é a mercadoria.

Nesta sociedade de imagens, aparências e encenações, nada é o que realmente parece. Basta pensar, por exemplo, porque precisa um conhecido milionário de fazer um anúncio a um cartão de crédito? Ou porque precisa o governo de Sócrates, tão poupadinho, de gastar dinheiro numa revista internacional a dizer que por cá tudo vai muito bem. A resposta é simples: é a imagem, estúpido! Porque todos sabem que dinheiro, notoriedade, fama e credibilidade pouco valem sem constante circulação mediática e respectivo reconhecimento público.

Acontece contudo que a imagem é perversa. E um dia ela é muito boa e deixa toda a gente contente, mas no dia seguinte ela pode tornar-se num monstro horrendo.

Esta semana a má imagem, pior do que a má moeda citada em tempos por Cavaco Silva, atingiu um dos principais bancos portugueses. O BES, que aliás tem tido muito azar neste departamento, viu ruir em breves cinco minutos de telejornal todo o esforço de dezenas de gestores de imagem e de muitos milhões gastos em publicidade. Tão-só porque a sua sede na Calle Serrano foi escolhida como perfeito enquadramento para mais um caso de branqueamento de capitais. De um minuto para o outro, toda uma elaborada construção de imagem séria e responsável paga a peso de ouro, desabou de forma irremediável. Recuperar vai custar muitos mais milhões e talvez mesmo nova mudança de colorido.

Algo similar aconteceu recentemente com Marques Mendes. Líder de uma difícil oposição tem assumido, e bem, uma postura séria, responsável como convém a uma direita de alternância, rigorosa nos seus compromissos. Mas bastou uma pequena cedência, chamada Alberto João jardim, para deitar tudo por água abaixo. Ao apoiar o disparatado vice-rei da Madeira Mendes perdeu, num ápice, a imagem de credibilidade que tão penosamente tem vindo a construir. Afinal, se Mendes se verga já hoje perante o arrebatado Jardim, como acreditar que se um dia fosse primeiro-ministro resistiria a interesses instalados, regionalismos, poderosas corporações e sindicatos obsoletos?

Nunca é pois demais repetir que quem vive pela imagem se arrisca também a morrer por ela. E o quanto seria melhor que governos, empresas e pessoas em geral se dedicassem ao concreto. Fazer, realizar, concretizar, inovar têm sempre muito mais poder do que a fugacidade de uma aparência. O que fica feito já ninguém nos tira. E uma vez desvanecida a ficção momentânea só as obras perduram. É por isso que os artistas sobrevivem à sua morte e da vastíssima maioria daqueles que hoje tanto se afadigam para ficar na fotografia não restará a mais leve memória.

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