Opinião
Água para todos
Quantas pessoas nas vilas e cidades de todo o mundo podem beber a água que sai das suas torneiras sem colocarem em risco a sua vida? A resposta é, talvez, impossível de determinar. De facto, as Nações Unidas usam o termo fontes de água "melhoradas" para descrever a oferta de muitas áreas urbanas por todo o mundo. Infelizmente, "melhoradas" nem sempre significa "limpa" ou "segura".
Quantas pessoas nas vilas e cidades de todo o mundo podem beber a água que sai das suas torneiras sem colocarem em risco a sua vida? A resposta é, talvez, impossível de determinar. De facto, as Nações Unidas usam o termo fontes de água "melhoradas" para descrever a oferta de muitas áreas urbanas por todo o mundo. Infelizmente, "melhoradas" nem sempre significa "limpa" ou "segura".
A actualização de 2012 do relatório Progressos na Água Potável e Saneamento da Organização Mundial de Saúde estima que 96% da população urbana de economias emergentes, como a China, Índia, Tailândia e México, tem acesso a fontes de água melhoradas. Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia Asiático concluiu que menos de 3% dos residentes de Banguecoque bebem água directamente da torneira por não confiarem na sua qualidade.
Visitem qualquer grande cidade de uma economia emergente, da cidade do México a Mumbai, e irão perceber que é difícil encontrar alguém que acredite que a água que chega a sua casa é adequada para beber. As estimativas feitas pelo Third World Center for Water Management indicam que mais de dois mil milhões de pessoas não confiam na qualidade da água a que têm acesso.
Não precisa de ser assim. Na capital do Camboja, Phnom Penh, um funcionário público conseguiu mostrar que a boa gestão deste bem precioso pode fazer a diferença. Quando Ek Sonn Chan assumiu o cargo de director-geral da Autoridade de Fornecimento de Água de Phnom Penh há cerca de 20 anos a cidade tinha um sistema de fornecimento de água pouco eficiente, em que 83% da água se perdia em fugas ou ligações não autorizadas.
Com um estilo de gestão discreto mas firme, Chan começou a mudar as coisas. Melhorou as competências da empresa, formando e recompensando os seus colaboradores mais eficientes e recusando qualquer tipo de tolerância à corrupção. Apenas um anos após Chan ter assumido o cargo, os indicadores técnicos e de desempenho começaram a melhorar. 15 anos passado, produção anual de água aumentou em mais 400%, a rede de distribuição de água cresceu em mais de 450% e a base de clientes aumentou em mais de 650%
Actualmente, a empresa garante que não existem ligações não autorizadas em Phnom Penh. As perdas do sistema de água são de apenas 5%, semelhantes às de Singapura ou Tóquio, dois dos melhores sistemas de fornecimento de água do mundo. Em 20102, a empresa britânica Thames Water registou perdas cinco vezes superiores. De acordo com os indicadores de desempenho, a Phnom Penh tem, actualmente, sistemas de fornecimento de águas melhores que os de Londres e Washington, DC.
Talvez o mais notável seja o facto do modelo de gestão de fornecimento de água de Phnom Penh funcionar. Todos os consumidores estão registados e tanto os ricos como os pobres pagam pela água que consomem, que custa 60% a 80% menos do que custava quando as pessoas compravam água não tratada a vendedores privados. Actualmente, os lares mais pobres da cidade recebem água potável.
A empresa recupera todos os custos operacionais através de tarifas. Mais de 94% da água fornecida é cobrada e a taxa de recolha é de quase 100% há mais de dez anos. A empresa consegue mostrar que a boa gestão dos recursos de água urbanos não só é financeiramente viável nas economias emergentes, como também beneficia toda a população.
Todas as pessoas têm direito a ter acesso a água para beber, cozinhar e limpar. E ainda assim, continuam a existir líderes políticos e empresariais que inventam desculpas para a falta de água potável e segura nas nossas vilas e cidades.
Os argumentos são conhecidos: escassez de água, falta de fundos para investimento, impossibilidade dos mais pobres para pagarem pela água que consomem, e desigualdade no acesso à tecnologia. Mas, para nós, estes argumentos são meras tentativas de esconder os verdadeiros problemas. Uma governação pobre não é desculpa. Tal como não é a falta de vontade política para cobrar às pessoas a água que consomem.
O Camboja já mostrou que é possível alcançar bons resultados no espaço de uma década. Se Phnom Penh – com todos os seus desafios financeiros, técnicos e institucionais – pode fazê-lo, por que não outros centros urbanos de outros países emergentes?
Peter Brabeck-Letmathe é presidente da Nestlé, e president da Parceria Público-Privada 2030 Water Resources Group (WRG). Asit K. Biswas é fundador e presidente da Third World Center for Water Management no México e professor convidade na Lee Kuan Yew School for Public Policy em Singapura e no Indian Institute of Technology, Bhubaneswar, Índia.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
A actualização de 2012 do relatório Progressos na Água Potável e Saneamento da Organização Mundial de Saúde estima que 96% da população urbana de economias emergentes, como a China, Índia, Tailândia e México, tem acesso a fontes de água melhoradas. Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia Asiático concluiu que menos de 3% dos residentes de Banguecoque bebem água directamente da torneira por não confiarem na sua qualidade.
Visitem qualquer grande cidade de uma economia emergente, da cidade do México a Mumbai, e irão perceber que é difícil encontrar alguém que acredite que a água que chega a sua casa é adequada para beber. As estimativas feitas pelo Third World Center for Water Management indicam que mais de dois mil milhões de pessoas não confiam na qualidade da água a que têm acesso.
Não precisa de ser assim. Na capital do Camboja, Phnom Penh, um funcionário público conseguiu mostrar que a boa gestão deste bem precioso pode fazer a diferença. Quando Ek Sonn Chan assumiu o cargo de director-geral da Autoridade de Fornecimento de Água de Phnom Penh há cerca de 20 anos a cidade tinha um sistema de fornecimento de água pouco eficiente, em que 83% da água se perdia em fugas ou ligações não autorizadas.
Com um estilo de gestão discreto mas firme, Chan começou a mudar as coisas. Melhorou as competências da empresa, formando e recompensando os seus colaboradores mais eficientes e recusando qualquer tipo de tolerância à corrupção. Apenas um anos após Chan ter assumido o cargo, os indicadores técnicos e de desempenho começaram a melhorar. 15 anos passado, produção anual de água aumentou em mais 400%, a rede de distribuição de água cresceu em mais de 450% e a base de clientes aumentou em mais de 650%
Talvez o mais notável seja o facto do modelo de gestão de fornecimento de água de Phnom Penh funcionar. Todos os consumidores estão registados e tanto os ricos como os pobres pagam pela água que consomem, que custa 60% a 80% menos do que custava quando as pessoas compravam água não tratada a vendedores privados. Actualmente, os lares mais pobres da cidade recebem água potável.
A empresa recupera todos os custos operacionais através de tarifas. Mais de 94% da água fornecida é cobrada e a taxa de recolha é de quase 100% há mais de dez anos. A empresa consegue mostrar que a boa gestão dos recursos de água urbanos não só é financeiramente viável nas economias emergentes, como também beneficia toda a população.
Todas as pessoas têm direito a ter acesso a água para beber, cozinhar e limpar. E ainda assim, continuam a existir líderes políticos e empresariais que inventam desculpas para a falta de água potável e segura nas nossas vilas e cidades.
Os argumentos são conhecidos: escassez de água, falta de fundos para investimento, impossibilidade dos mais pobres para pagarem pela água que consomem, e desigualdade no acesso à tecnologia. Mas, para nós, estes argumentos são meras tentativas de esconder os verdadeiros problemas. Uma governação pobre não é desculpa. Tal como não é a falta de vontade política para cobrar às pessoas a água que consomem.
O Camboja já mostrou que é possível alcançar bons resultados no espaço de uma década. Se Phnom Penh – com todos os seus desafios financeiros, técnicos e institucionais – pode fazê-lo, por que não outros centros urbanos de outros países emergentes?
Peter Brabeck-Letmathe é presidente da Nestlé, e president da Parceria Público-Privada 2030 Water Resources Group (WRG). Asit K. Biswas é fundador e presidente da Third World Center for Water Management no México e professor convidade na Lee Kuan Yew School for Public Policy em Singapura e no Indian Institute of Technology, Bhubaneswar, Índia.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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