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14 de Março de 2006 às 13:59

A União Europeia na encruzilhada

Qualquer economista digno desse nome sabe que a estabilidade macroeconómica, a integração na economia mundial e a confiança nas forças do mercado são condições básicas de funcionamento de uma economia desenvolvida.

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«Depois do duplo não, francês e holandês, à Constituição Europeia, a Europa política entrou em panne, por um período indeterminado. Enquanto esperamos que ela volte a arrancar, ou melhor, para facilitar esse arranque, temos de contar com a Europa económica.»
Christian de Boissieu, Janeiro 2006

Começam a desenhar-se estratégias para a recuperação do texto constitucional europeu ao encaminharmo-nos para 2007, ano em que haverá eleições na França e na Holanda e em que a Alemanha deterá a presidência da UE durante o primeiro semestre, cabendo essa tarefa a Portugal na segunda metade do ano. Esse é um objectivo tanto mais premente quanto se torna cada vez mais clara a inoperância do Tratado de Nice, que permanecerá em vigor enquanto não for substituído, por um texto constitucional ou por um novo tratado.

A necessidade de retomar o tema da Constituição é consensual. Muito menos consensual é, porém, o caminho a seguir para resolver o imbróglio e há sinais sinais perturbadores de que os parceiros europeus se preparem para, de novo, se remeterem às tácticas políticas e minimizarem um facto que resultou claro do debate que se seguiu às reprovações francesa e holandesa: o de que, muito mais que ao texto constitucional em si mesmo, estas se deveram ao descontentamento gerado pela incapacidade da economia europeia (em especial das principais economias da Zona Euro) para crescer, gerar emprego e lidar de forma eficaz com a globalização e diversificação da economia mundial. A insegurança que daí decorre e que é acentuada pela discussão, frequentemente em tom intimidatório, do «modelo social», levam à rejeição de um sistema político que naturalmente os cidadãos associam a estes resultados.

Algo que a decepcionante evolução económica na Europa tem tornado muito claro é que uma das suas raízes fundamentais é o próprio modelo de política económica adoptado. A ele devemos, em boa medida, não só o fraco crescimento económico, mas também a incapacidade de levar a cabo a desejada consolidação orçamental nas principais economias que integram a Zona Euro, para já não falar da permanência de uma taxa de inflação que, entre 2000 e 2005, excedeu sempre o tecto de 2%, ao mesmo tempo que este era cumprido, quase sem excepção, no Reino Unido e na Suécia, fora da alçada do BCE, mas capazes de um desempenho económico, orçamental e laboral claramente mais favorável.

A análise destes problemas e das suas raízes precisa de ser feita em termos rigorosos e abstraindo dos tabus e das ideias feitas que até agora levaram a que os efeitos desse modelo de política não tenham sido avaliados. Numas ocasiões, anuncia-se que a retoma está a chegar, perspectiva que assenta naquilo que a OCDE designa for indicadores «soft», ou seja, os baseados em inquéritos ao sentimento dos agentes económicos. Quando chegam os indicadores «duros», o malogro das expectativas é atribuído, ora ao enquadramento internacional, ora à incapacidade dos governos nacionais para fazerem as reformas necessárias.

O momento actual é especialmente característico: por um lado, os indicadores «soft» para a Alemanha apontam para a retoma; por outro, o aumento de confiança na sequência das eleições nesse país, o interregno na retórica das reformas estruturais e a realização do campeonato mundial de futebol podem levar a que ela se concretize a curto prazo, embora não seja claro qual o grau que atingirá nem qual a sua sustentabilidade. O que é claro - e a OCDE sublinha-o - é que o crescimento económico na Zona Euro permanece abaixo do potencial e as tensões inflacionistas continuam controladas, apenas ameaçadas - como tem sucedido até aqui - pelos aumentos de impostos que resultam dos condicionalismos do modelo de política económica adoptado e que de novo se farão sentir com o aumento do IVA na Alemanha, no início de 2007. Tudo isto não inibiu, porém, o BCE de iniciar uma guerra preventiva à inflação, arriscando-se mais uma vez a impedir a retoma e a pôr em causa os objectivos que todos prosseguimos.

O texto, de cujo prefácio, da autoria de Christian de Boissieu, foram extraídas as citações que encimam este artigo, será publicado nas próximas semanas pelo Conseil d’Analyse Économique francês1. Os seus autores (Philippe Aghion, Élie Cohen e Jean Pisani-Ferry) analisam sistematicamente o modelo de política económica europeu e fazem propostas com vista à sua alteração. Nestas críticas, tal como noutras que lhe têm sido feitas por economistas competentes, nunca estão em causa, nem a estabilidade monetária ou orçamental, nem a abertura da economia. Qualquer economista digno desse nome sabe que a estabilidade macroeconómica, a integração na economia mundial e a confiança nas forças do mercado são condições básicas de funcionamento de uma economia desenvolvida. A forma de as enquadrar num modelo eficiente de política económica é que tem de ser discutida. Conviria, por isso, que os governos, as instituições e os economistas e políticos europeus seguissem o exemplo daqueles autores e tomassem consciência de que procurar fazer aprovar um texto com a importância e a rigidez da Constituição, integrando nele todos os elementos de um modelo de política económica que já mostrou a sua ineficácia, é o caminho mais rápido para destruir aquilo que se pretende reforçar: a união e solidariedade europeias, sem as quais a UE não irá longe.

1 - »Politique économique et croissance en Europe», Analyses Economiques, nº 1, 2006, Conseil d’Analyse Économique, http://www.cae.gouv.fr/

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