Opinião
A tributação autónoma de certas despesas e o imposto sobre o rendimento
Embora não o explicite, parece-nos clara a intenção do legislador em tributar de modo indirecto, na esfera jurídica da empresa, despesas sob suspeita de consubstanciarem rendimento de pessoas físicas estranhas ou não às empresas.
É possível que este pequeno apontamento não passe de uma daquelas lucubrações estivais próprias da silly season mas, ainda assim, permitia-me propor ao meu caro leitor esta proposta de reflexão sobre o modo como se vem contabilizando as designadas tributações autónomas de certos tipos de despesas (gastos) conforme regime previsto no art.º 88 do Código do Imposto sobre a Pessoas Colectivas (CIRC). Tributação incidente sobre, entre outros, as "despesas não documentadas", "encargos com viaturas ligeiras de passageiros (…)", "despesas de representação", "ajudas de custo", "compensação por utilização de viatura própria do trabalhador ao serviço da empresa" e, mais recentemente, com carácter alegadamente temporário (…), "gastos e encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis dos membros dos gestores, administradores e gerentes". Arrumando de forma simples e grosseira:
(i) despesas cuja natureza e beneficiários as empresas estão fiscalmente dispensadas de identificar e por isso se designando de "não documentadas", (ii) despesas que, pese embora documentadas, sobre as mesmas recai o ónus da suspeita de que possam servir de remuneração directa ou indirecta a pessoas físicas não identificadas, como é o caso das "despesas com viaturas ligeiras" e "despesas de representação", (iii) despesas com beneficiário identificado, no caso das "ajudas de custo" e "compensação pelo uso de viatura própria e, (iv) finalmente, confirmando a suspeita do propósito de tributação indirecta das pessoas físicas, o legislador acabou por incluir pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/4, na senda das medidas extraordinárias justificadas pelo há muito anunciado "estado de necessidade" das finanças públicas, a tributação autónoma de tais bónus e remunerações variáveis dos gestores, administradores e gerentes. Neste particular, face à tese da tributação indirecta dos beneficiários de tais rendimentos, os accionistas são indirectamente chamados a complementar com 35% a carga fiscal total de 81,5% visada sobre tais rendimentos, se tivermos em conta taxa marginal de IRS de 46,5% que atingirá uma parte significativa daqueles beneficiários.
Em termos muito sumários a onerosidade de tal tributação autónoma, vai da taxa de 70% das "despesas não documentadas" efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos (…) a 5% dos "encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes".
Não sendo tal o propósito destas breves notas nem o espaço de redacção suficiente para isso, poupar-nos-emos à resenha histórica do processo legislativo que passou pelo regime do acréscimo ao resultado fiscal e conduziu à actual redacção do referido artigo. Basicamente, por compreensíveis razões de simplicidade e eficácia na arrecadação de receita fiscal, o legislador optou por onerar equitativamente todos os contribuintes que incorreram em certos tipos de despesas, obviando à análise da sua maior ou menor necessidade para gerar o redito de cada uma. Embora não o explicite, parece-nos clara a intenção do legislador em tributar de modo indirecto, na esfera jurídica da empresa, despesas sob suspeita de consubstanciarem rendimento de pessoas físicas estranhas ou não às empresas, obviando assim ao sinuoso caminho de perseguir a tributação na esfera pessoal daquelas. Tributando todas as empresas por igual como se todas usassem tal expediente remuneratório na mesma medida. Necessariamente injusto mas claramente simples e eficaz. A taxas diferenciadas (de 5% a 70%) em função do juízo implícito de valoração também diferenciada sobre a intensidade remuneratória potencial de cada um daqueles tipos de despesas.
Tendo em conta que se trata de taxas sobre gastos (i) nominativos no caso dos bónus, ajudas de custo e "kms", (ii) não nominativos mas com natureza definida como é caso das despesas com veículos ligeiros de passageiros e ainda que (iii) de natureza não definida e "confidencial" não documentadas, afigura-se-nos muito mais adequado não incluir tal gasto de imposto na rubrica de "Imposto sobre o rendimento"(conta 812 do plano de contas do SNC), antes reconhecendo o seu gasto, seja como encargo adicional da correspondente rubrica de gasto ou, no caso das não documentadas, numa sub-rúbrica adequada da conta 68- Impostos.
Se atentarmos na redacção do parágrafo 2 da NCRF 25 - Imposto sobre o Rendimento onde «consideram-se impostos sobre o rendimento todos os impostos no país e impostos estrangeiros que sejam baseados em lucros tributáveis (…)» cremos não ser de integrar aqui, o gasto de imposto da tributação autónoma daquelas despesas. Não relevando na nossa modesta opinião, em nada, a circunstância, meramente formal, de tal tributação autónoma integrar o nosso código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Até pode parecer que o tema não tem grande relevância uma vez que em situações de lucro, tal tributação autónoma acaba por ficar dissimulada na rubrica de imposto sobre o mesmo. É naturalmente nas situações de prejuízo fiscal, ou nas imediações do mesmo, que o modo de contabilização daquela mais impacta nas demonstrações financeiras. Apenas uma nota final sobre o modo como o investidor estrangeiro percepciona tal regime e a sua estranha forma de contabilização: an exotic tax. Acontece que o exótico vende muito mais na terminologia do lazer e dos roteiros turísticos que propriamente na dos negócios…
(i) despesas cuja natureza e beneficiários as empresas estão fiscalmente dispensadas de identificar e por isso se designando de "não documentadas", (ii) despesas que, pese embora documentadas, sobre as mesmas recai o ónus da suspeita de que possam servir de remuneração directa ou indirecta a pessoas físicas não identificadas, como é o caso das "despesas com viaturas ligeiras" e "despesas de representação", (iii) despesas com beneficiário identificado, no caso das "ajudas de custo" e "compensação pelo uso de viatura própria e, (iv) finalmente, confirmando a suspeita do propósito de tributação indirecta das pessoas físicas, o legislador acabou por incluir pela Lei n.º 3-B/2010, de 28/4, na senda das medidas extraordinárias justificadas pelo há muito anunciado "estado de necessidade" das finanças públicas, a tributação autónoma de tais bónus e remunerações variáveis dos gestores, administradores e gerentes. Neste particular, face à tese da tributação indirecta dos beneficiários de tais rendimentos, os accionistas são indirectamente chamados a complementar com 35% a carga fiscal total de 81,5% visada sobre tais rendimentos, se tivermos em conta taxa marginal de IRS de 46,5% que atingirá uma parte significativa daqueles beneficiários.
Em termos muito sumários a onerosidade de tal tributação autónoma, vai da taxa de 70% das "despesas não documentadas" efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos (…) a 5% dos "encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes".
Tendo em conta que se trata de taxas sobre gastos (i) nominativos no caso dos bónus, ajudas de custo e "kms", (ii) não nominativos mas com natureza definida como é caso das despesas com veículos ligeiros de passageiros e ainda que (iii) de natureza não definida e "confidencial" não documentadas, afigura-se-nos muito mais adequado não incluir tal gasto de imposto na rubrica de "Imposto sobre o rendimento"(conta 812 do plano de contas do SNC), antes reconhecendo o seu gasto, seja como encargo adicional da correspondente rubrica de gasto ou, no caso das não documentadas, numa sub-rúbrica adequada da conta 68- Impostos.
Se atentarmos na redacção do parágrafo 2 da NCRF 25 - Imposto sobre o Rendimento onde «consideram-se impostos sobre o rendimento todos os impostos no país e impostos estrangeiros que sejam baseados em lucros tributáveis (…)» cremos não ser de integrar aqui, o gasto de imposto da tributação autónoma daquelas despesas. Não relevando na nossa modesta opinião, em nada, a circunstância, meramente formal, de tal tributação autónoma integrar o nosso código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Até pode parecer que o tema não tem grande relevância uma vez que em situações de lucro, tal tributação autónoma acaba por ficar dissimulada na rubrica de imposto sobre o mesmo. É naturalmente nas situações de prejuízo fiscal, ou nas imediações do mesmo, que o modo de contabilização daquela mais impacta nas demonstrações financeiras. Apenas uma nota final sobre o modo como o investidor estrangeiro percepciona tal regime e a sua estranha forma de contabilização: an exotic tax. Acontece que o exótico vende muito mais na terminologia do lazer e dos roteiros turísticos que propriamente na dos negócios…
* fernando.santos@pt.pwc.com