Opinião
A tragédia grega, acto II
Uma tragédia grega é tipicamente composta por três actos. O primeiro acto conta a história. Mas apenas no segundo acto é que a história atinge o seu clímax. Nos dias de hoje, na Grécia, a imposição dos credores privados assumirem perdas "voluntárias" representa apenas o fim do primeiro acto. A verdadeira tragédia ainda não começou.
Uma tragédia grega é tipicamente composta por três actos. O primeiro acto conta a história. Mas apenas no segundo acto é que a história atinge o seu clímax. Nos dias de hoje, na Grécia, a imposição dos credores privados assumirem perdas "voluntárias" representa apenas o fim do primeiro acto. A verdadeira tragédia ainda não começou.
À primeira vista, o acordo "voluntário" com os credores pode parecer que foi um grande sucesso. O volume da dívida externa da Grécia foi reduzido em mais de 100 mil milhões de euros. Os parceiros europeus da Grécia providenciaram 130 mil milhões de euros em novos empréstimos. Em resultado disso, a Grécia evitou uma falência generalizada dos bancos e conseguiu continuar a pagar aos funcionários públicos.
Mas apesar destes resultados, a realidade é bastante mais dura. Mesmo com o último acordo, o rácio de dívida da Grécia continua nos 120% do PIB do ano passado. Com as estimativas a apontarem para uma queda de 7% do PIB este ano e um défice persistente, o rácio da dívida deverá exceder os 130% antes de estabilizar nos 120% em 2020.
Mas mesmo este nível reduzido não é sustentável. Com a população em declínio na ordem dos 0,5% ao ano, durante os próximos 30 anos, mesmo que o rendimento per capita na Grécia aumente ao nível da Alemanha, isto é, a uma taxa de 1,5% ao ano, vai ser difícil cumprir o serviço de dívida. Assumindo que a Grécia podia pedir emprestado a uma taxa de juro de apenas 3% (o nível actual é de 17%), o governo iria precisar de ter um excedente orçamental primário de 2,6% do PIB (um orçamento equilibrado sem os custos do serviço de dívida) durante os próximos 30 anos apenas para manter os custos com a dívida estáveis.
Para colocar esta hipótese em perspectiva é preciso ter em mente que nos últimos 25 anos a Grécia teve um défice primário, em média, de 2% por ano. Para reduzir o rácio da dívida face ao PIB para 70%, a Grécia terá de manter um excedente primário, em média de 4% durante os próximos 30 anos, um nível que atingiu temporariamente, isto é, em quatro dos últimos 25 anos.
Se a situação é tão dramática, porque é que a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estão a comemorar o acordo recente? Colocando a questão de uma forma simples, o objectivo primário destas instituições era minimizar as repercussões que um incumprimento da Grécia iria ter no sistema financeiro internacional. A Grécia, honestamente, não era a prioridade.
Dada a reacção dos mercados financeiros, eles foram bem-sucedidos. O atraso em alcançar um acordo permitiu que muitos credores privados escapassem às consequências dos seus empréstimos irresponsáveis à Grécia. Cerca de metade da dívida externa da Grécia migrou do sector privado para instituições públicas.
Mas, o grupo de credores que a UE e o FMI quis ajudar mais – os bancos – reduziu apenas em parte a sua exposição. Entre Maio de 2010 e Setembro de 2011, o valor da dívida soberana helénica detida por bancos franceses teve uma queda de 4,6 mil milhões de euros (39%), enquanto os bancos germânicos sofreram uma redução de 2,9 mil milhões de euros (31%) e, no caso dos bancos italianos, esta teve uma queda de 530 milhões de euros (30%). Em parte, esta diminuição reflecte uma redução no valor de mercado das responsabilidades existentes. Assim, em média, os bancos venderam muito pouco.
Mas, a que preço foram minimizadas as perdas do sector privado? Se a Grécia tivesse entrado em incumprimento em 2010, impondo o mesmo haircut aos credores privados que impôs agora, teria reduzido assim o seu rácio de dívida face ao PIB para os 80%, o que seria mais fácil de gerir. Isto teria sido penoso, mas poderia ter poupado os gregos de uma descida do PIB de 7% e um aumento do desemprego para os 22% (incluindo um aumento no desemprego jovem para uns elevadíssimos 48%).
E mais importante, um incumprimento em 2010 teria dado espaço para alguns ajustamentos. Segundo o programa actual, não há nenhum: se a economia não der a volta rapidamente, a Grécia vai precisar de mais ajuda. Mas para onde se pode voltar para conseguir essa ajuda? Grande parte da dívida soberana está agora nas mãos no sector público que não permite qualquer haircut. O remanescente da dívida foi emitido novamente sob a lei inglesa e não grega, o que a coloca fora do controlo do Governo helénico e da sua nova cláusula de acção colectiva, o que facilita incumprimentos parciais.
Por outras palavras, a Grécia esgotou a sua capacidade para partilhar parte do fardo com o sector privado. Da próxima vez, serão os contribuintes europeus que estarão em causa.
No segundo acto da tragédia grega, os gregos desesperados vão estar contra os outros europeus desencantados e irritados. Apenas no clímax vamos saber se os esforços em atrasar o inevitável contribuiu para abalar a ideia de Europa para a actual geração.
Luigi Zingales é professor de empreendedorismo e finanças na Universidade de Chicago e autor do livro, que está prestes a ser lançado, "A Capitalism for the People".
Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
À primeira vista, o acordo "voluntário" com os credores pode parecer que foi um grande sucesso. O volume da dívida externa da Grécia foi reduzido em mais de 100 mil milhões de euros. Os parceiros europeus da Grécia providenciaram 130 mil milhões de euros em novos empréstimos. Em resultado disso, a Grécia evitou uma falência generalizada dos bancos e conseguiu continuar a pagar aos funcionários públicos.
Mas mesmo este nível reduzido não é sustentável. Com a população em declínio na ordem dos 0,5% ao ano, durante os próximos 30 anos, mesmo que o rendimento per capita na Grécia aumente ao nível da Alemanha, isto é, a uma taxa de 1,5% ao ano, vai ser difícil cumprir o serviço de dívida. Assumindo que a Grécia podia pedir emprestado a uma taxa de juro de apenas 3% (o nível actual é de 17%), o governo iria precisar de ter um excedente orçamental primário de 2,6% do PIB (um orçamento equilibrado sem os custos do serviço de dívida) durante os próximos 30 anos apenas para manter os custos com a dívida estáveis.
Para colocar esta hipótese em perspectiva é preciso ter em mente que nos últimos 25 anos a Grécia teve um défice primário, em média, de 2% por ano. Para reduzir o rácio da dívida face ao PIB para 70%, a Grécia terá de manter um excedente primário, em média de 4% durante os próximos 30 anos, um nível que atingiu temporariamente, isto é, em quatro dos últimos 25 anos.
Se a situação é tão dramática, porque é que a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) estão a comemorar o acordo recente? Colocando a questão de uma forma simples, o objectivo primário destas instituições era minimizar as repercussões que um incumprimento da Grécia iria ter no sistema financeiro internacional. A Grécia, honestamente, não era a prioridade.
Dada a reacção dos mercados financeiros, eles foram bem-sucedidos. O atraso em alcançar um acordo permitiu que muitos credores privados escapassem às consequências dos seus empréstimos irresponsáveis à Grécia. Cerca de metade da dívida externa da Grécia migrou do sector privado para instituições públicas.
Mas, o grupo de credores que a UE e o FMI quis ajudar mais – os bancos – reduziu apenas em parte a sua exposição. Entre Maio de 2010 e Setembro de 2011, o valor da dívida soberana helénica detida por bancos franceses teve uma queda de 4,6 mil milhões de euros (39%), enquanto os bancos germânicos sofreram uma redução de 2,9 mil milhões de euros (31%) e, no caso dos bancos italianos, esta teve uma queda de 530 milhões de euros (30%). Em parte, esta diminuição reflecte uma redução no valor de mercado das responsabilidades existentes. Assim, em média, os bancos venderam muito pouco.
Mas, a que preço foram minimizadas as perdas do sector privado? Se a Grécia tivesse entrado em incumprimento em 2010, impondo o mesmo haircut aos credores privados que impôs agora, teria reduzido assim o seu rácio de dívida face ao PIB para os 80%, o que seria mais fácil de gerir. Isto teria sido penoso, mas poderia ter poupado os gregos de uma descida do PIB de 7% e um aumento do desemprego para os 22% (incluindo um aumento no desemprego jovem para uns elevadíssimos 48%).
E mais importante, um incumprimento em 2010 teria dado espaço para alguns ajustamentos. Segundo o programa actual, não há nenhum: se a economia não der a volta rapidamente, a Grécia vai precisar de mais ajuda. Mas para onde se pode voltar para conseguir essa ajuda? Grande parte da dívida soberana está agora nas mãos no sector público que não permite qualquer haircut. O remanescente da dívida foi emitido novamente sob a lei inglesa e não grega, o que a coloca fora do controlo do Governo helénico e da sua nova cláusula de acção colectiva, o que facilita incumprimentos parciais.
Por outras palavras, a Grécia esgotou a sua capacidade para partilhar parte do fardo com o sector privado. Da próxima vez, serão os contribuintes europeus que estarão em causa.
No segundo acto da tragédia grega, os gregos desesperados vão estar contra os outros europeus desencantados e irritados. Apenas no clímax vamos saber se os esforços em atrasar o inevitável contribuiu para abalar a ideia de Europa para a actual geração.
Luigi Zingales é professor de empreendedorismo e finanças na Universidade de Chicago e autor do livro, que está prestes a ser lançado, "A Capitalism for the People".
Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
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