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A surpreendente América

Assim como a América nos deu um dos mais reaccionários presidentes de sempre, na pessoa de George Bush, agora anima o planeta com a possibilidade de vir a eleger uma mulher ou um negro. O facto que todos achariam uma fantasia subversiva há poucos anos apr

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E o caso não é para menos. Para quem conhece a sociedade americana, muito avançada nas tecnologias e bastante atrasada no moralismo, ver um negro na Casa Branca, ou seja, na casa que sempre pertenceu ao homem branco, não pode ser mais revolucionário. E no entanto são cada vez mais os apoiantes de um tal cenário. Num leque que excede a esquerda para atingir também parte da direita, embora estes conceitos na América sejam de relativa eficácia. Dito de outro modo, surpreendentemente Obama consegue também apoios junto de sectores conservadores. Em particular nas elites económicas, o que não deixa de ser no mínimo curioso.

Isto deve-se em parte à depressão provocada pela inépcia de Bush, que não resolveu um único problema do país e do mundo e os agravou praticamente todos, e que para além de guerras perdidas e descrédito generalizado, ainda conseguiu lançar a América numa recessão económica. Coisa que mais do que tudo o resto toca fundo na vida americana. A sensação de que o país está em profunda crise e de que começa a ser ultrapassado pela China e até pela Europa, está presente em muitas conversas com americanos cultos. A maioria dos quais até já tem inveja do euro e olha para o sacrossanto dólar, em tempos a régua e o compasso do universo, com desânimo. E de facto ir a um bom restaurante em Nova Iorque, por exemplo ao Balthazar, um dos meus favoritos, já custa tanto como aqui em Lisboa um sítio mediano.

Quanto aos outros, os que trabalham arduamente, têm acima de tudo medo. Muito medo. Do desemprego, da doença, dos terroristas, da polícia e até das abelhas assassinas, num panorama em que os media se transformaram em verdadeiras máquinas de meter medo, às crianças mas sobretudo aos adultos. Talvez por isso surjam como naturais as actuais candidaturas de uma mulher, um negro e um velho. E também, nesse mesmo sentido, se destaque o caso de Obama, na medida em que Hillary e McCain representam cada um a seu modo a continuidade e o sistema.

Quanto ao que importa ao mundo é evidente que a eleição de uma mulher para presidente dos Estados Unidos teria um enorme impacto. Apesar da presença crescente das mulheres na vida social e pública, na vasta maioria dos países do mundo a perseguição, discriminação e brutalidade contra o sexo feminino mantém-se inalterável e até se tem agravado nos últimos anos. Em particular os vários fundamentalismos alimentam um ódio muito particular contra as mulheres de que as medievais burkas são o símbolo mais eloquente. Mas mesmo no Ocidente, mais livre e democrático, é sabido como as igrejas e tantos grupos de interesse, sociais e económicos, se assanham para oprimir e segregar as mulheres. Esquecidas que estão as correntes feministas e os movimentos de libertação das mulheres, temos assistido ao regresso em força da exploração sexual das mulheres, por toda a parte na publicidade, na pornografia soft da moda e no espectáculo, ou mais violenta nos fenómenos de escravatura sexual, tráfico de mulheres e uma prostituição que não tem parado de crescer e é hoje um dos maiores negócios do planeta.

Por isso a eleição de uma mulher para presidente dos Estados Unidos teria certamente um significativo impacto global. Mas não tanto como se possa imaginar. Apesar do descrito o mundo tem assistido pontualmente à projecção de mulheres a cargos muito importantes sem que isso implique mudanças radicais neste domínio. Basta referir os casos de Indira Gandhi (Índia), Golda Meïr (Israel), Margaret Thatcher (Reino Unido), Mary Robinson (Irlanda), Angela Merkel, (Alemanha), Gloria Arroyo (Filipinas) ou Chandrika Kumaratunga (Sri Lanka) só para citar alguns nomes que me vêm à memória. Ou o caso da malograda Benazir Bhutto que presente no poder em várias ocasiões e com enorme influência na sociedade paquistanesa, como se viu nas recentes eleições que venceu mesmo morta, nunca conseguiu contribuir significativamente para a melhoria das condições de vida das mulheres numa área do globo e numa religião em que elas são particularmente seviciadas.

Outro impacto teria a eleição de Obama. O orgulho negro e de todas as minorias perseguidas devido à cor da pele, faria mais sentido. Seria um forte estímulo libertador e uma mudança de paradigma. E depois atente-se no nome. Depois do John, do Bill e do George suceder um presidente Barack Hussein Obama representaria uma verdadeira pedrada mental e simbólica que mais parece saída de um thriller de Hollywood. Pessoalmente julgo pouco provável que tal possa vir a acontecer. As forças muito conservadoras têm imenso poder, político, económico e até de violência. O tiro ao presidente ou ao candidato a presidente é aliás um desporto local como se sabe. Mas que tal esteja a ser seriamente considerado por tanta gente demonstra como esta sociedade, bastante selvagem nas suas premissas capitalistas, tem por sua vez uma capacidade de regeneração absolutamente notável.

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