Opinião
A Rússia pisou o risco
Nos últimos anos e semanas, dissemos que a Rússia estava a levar a cabo uma política de mudança de regime em relação à Geórgia e ao seu presidente democraticamente eleito e pró-Ocidente, Mikheil Saakashvili. Previmos que, sem um envolvimento diplomático ocidental forte e unido, a guerra havia de acontecer.
Nos últimos anos e semanas, dissemos que a Rússia estava a levar a cabo uma política de mudança de regime em relação à Geórgia e ao seu presidente democraticamente eleito e pró-Ocidente, Mikheil Saakashvili. Previmos que, sem um envolvimento diplomático ocidental forte e unido, a guerra havia de acontecer.
Agora, tragicamente, uma escalada de violência na Ossétia do Sul culminou numa invasão integral da Geórgia. O Ocidente - em especial os Estados Unidos - poderia ter evitado esta guerra. Estamos num momento decisivo em termos de relações do Ocidente com a Rússia no pós-Guerra Fria.
Não está bem claro o que é que aconteceu exactamente na Ossétia do Sul na semana passada. Cada um dos lados defende a sua própria versão. Mas sabemos, sem margem para dúvidas, que a Geórgia respondeu a repetidos ataques provocatórios por parte dos separatistas da Ossétia do Sul, controlados e financiados pelo Kremlin. Esta não é uma guerra que a Geórgia quis; crê-se que foi ganhando lentamente terreno na Ossétia do Sul, por meio de uma estratégia de poder suave.
Quaisquer que sejam os erros que o governo georgiano possa ter cometido, nenhum deles pode justificar as acções da Rússia. O Kremlin invadiu um país vizinho, um acto ilegal de agressão que viola a Carta das Nações Unidas e os princípios fundamentais da cooperação e da segurança na Europa.
O início de uma guerra bem planeada (incluindo uma ciber-guerra) durante a abertura dos Jogos Olímpicos viola a velha tradição de tréguas nos conflitos durante o evento. A disposição da Rússia para criar uma zona de guerra a 40 quilómetros da cidade de Sochi, no Mar Negro, onde irão decorrer os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, dificilmente demonstra o seu apego aos ideais olímpicos.
Em contraste, o "timing" da Rússia sugere que Vladimir Putin pretende derrubar Saakashvili muito antes das eleições norte-americanas, evitando assim o encetar de relações com o próximo presidente dos EUA num ambiente confrontador evidente.
O objectivo da Rússia não é simplesmente, como alega, restaurar o "status quo" na Ossétia do Sul. A Rússia quer uma mudança de regime na Geórgia. Abriu uma segunda frente no outro território georgiano em disputa, a Abcázia, a Sul de Sochi. Mas o seu grande objectivo é substituir Saakashvili - um homem que Putin despreza - por um presidente mais sujeito à influência do Kremlin.
Conforme o ministro sueco dos Negócios Estrangeiros salientou no sábado passado, o fundamento lógico de Moscovo para esta invasão tem paralelos com os mais negros capítulos da história da Europa. Por ter emitido passaportes a dezenas de milhares de abcázios e ossetas do sul, Moscovo argumenta agora que deve intervir para os proteger - táctica que faz lembrar uma outra utilizada pela Alemanha nazi no início da Segunda Guerra Mundial.
A Rússia procura repelir os progressos democráticos nas suas fronteiras, de forma a destruir qualquer hipótese de novos alargamentos da NATO ou da UE e para reestabelecer uma esfera de hegemonia sobre os seus vizinhos. Ao tentar destruir uma Geórgia democrática e pró-Ocidente, Moscovo está a dizer que, na sua região do mundo, estar próximo da América ou do Ocidente não compensa.
Este momento poderia muito bem marcar o fim de uma era na Europa em que a "real politik" e as esferas de influência seriam supostamente substituídas por normas cooperativas e pelo direito dos países a escolherem os seus próprios caminhos.
A esperança de uma Rússia mais liberal sob a presidência de Dmitry Medvedev terá de ser reavaliada. A sua justificação para esta invasão assemelha-se mais a Brezhnev do que a Gorbachev. Se bem que ninguém deseje um regresso ao tempo dos confrontos da Guerra Fria, o comportamento da Rússia desafia directamente a ordem europeia e internacional.
O que pode o Ocidente fazer? Em primeiro lugar, a Geórgia merece a solidariedade e o apoio do Ocidente. O mundo ocidental deve conseguir travar os combates e preservar a integridade territorial da Geórgia na sua actual fronteira internacional. Assim que terminem as hostilidades, deve ser posto em marcha um esforço transatlântico coordenado para ajudar à reconstrução e restabelecimento de Tbilisi.
Em segundo lugar, não devemos fingir que a Rússia é uma força neutral da paz quando estão em causa conflitos nas suas fronteiras. A Rússia é parte do problema, não a solução. Durante demasiado tempo, Moscovo tem recorrido aos decretos internacionais existentes para levar a cabo políticas neo-imperiais. O Ocidente deve repudiar esses decretos e insistir em forças internacionais verdadeiramente neutrais, sob a vigilância das Nações Unidas, para monitorizarem um futuro cessar--fogo e para mediarem o conflito.
Em terceiro lugar, o Ocidente tem de travar a pressão russa sobre os seus vizinhos, em especial a Ucrânia - que é, muito provavelmente, o próximo alvo de Moscovo na tentativa de criar uma nova esfera de hegemonia. Os Estados Unidos e a União Europeia devem certificar-se que a Ucrânia e a Geórgia não estarão condenadas a ser uma espécie de zona cinzenta.
Por último, os Estados Unidos e a União Europeia devem tornar claro que este tipo de agressão afectará as relações e o posicionamento da Rússia no Ocidente. Apesar de estar fora de questão uma intervenção militar do Ocidente na Geórgia - e ninguém quer uma versão de século XXI da Guerra Fria - as acções da Rússia não podem ser ignoradas.
Existe um vasto leque de áreas, incluindo a política e económica, em que o papel e o posicionamento da Rússia precisam de ser reavaliados. O Kremlin deve ser alertado, também, para o facto de o seu próprio projecto de prestígio - os Jogos Olímpicos de Sochi - ser afectado pelo seu comportamento.
A pouca força da diplomacia ocidental e a ausência de unidade transatlântica fizeram com que não fosse possível impedir uma guerra inevitável. Só uma forte unidade transatlântica pode travar esta guerra e dar início à reparação dos imensos estragos que já provocou. Caso contrário, podemos acrescentar mais um tema à crescente lista de fracassos da política externa da Administração Bush.
Agora, tragicamente, uma escalada de violência na Ossétia do Sul culminou numa invasão integral da Geórgia. O Ocidente - em especial os Estados Unidos - poderia ter evitado esta guerra. Estamos num momento decisivo em termos de relações do Ocidente com a Rússia no pós-Guerra Fria.
Quaisquer que sejam os erros que o governo georgiano possa ter cometido, nenhum deles pode justificar as acções da Rússia. O Kremlin invadiu um país vizinho, um acto ilegal de agressão que viola a Carta das Nações Unidas e os princípios fundamentais da cooperação e da segurança na Europa.
O início de uma guerra bem planeada (incluindo uma ciber-guerra) durante a abertura dos Jogos Olímpicos viola a velha tradição de tréguas nos conflitos durante o evento. A disposição da Rússia para criar uma zona de guerra a 40 quilómetros da cidade de Sochi, no Mar Negro, onde irão decorrer os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, dificilmente demonstra o seu apego aos ideais olímpicos.
Em contraste, o "timing" da Rússia sugere que Vladimir Putin pretende derrubar Saakashvili muito antes das eleições norte-americanas, evitando assim o encetar de relações com o próximo presidente dos EUA num ambiente confrontador evidente.
O objectivo da Rússia não é simplesmente, como alega, restaurar o "status quo" na Ossétia do Sul. A Rússia quer uma mudança de regime na Geórgia. Abriu uma segunda frente no outro território georgiano em disputa, a Abcázia, a Sul de Sochi. Mas o seu grande objectivo é substituir Saakashvili - um homem que Putin despreza - por um presidente mais sujeito à influência do Kremlin.
Conforme o ministro sueco dos Negócios Estrangeiros salientou no sábado passado, o fundamento lógico de Moscovo para esta invasão tem paralelos com os mais negros capítulos da história da Europa. Por ter emitido passaportes a dezenas de milhares de abcázios e ossetas do sul, Moscovo argumenta agora que deve intervir para os proteger - táctica que faz lembrar uma outra utilizada pela Alemanha nazi no início da Segunda Guerra Mundial.
A Rússia procura repelir os progressos democráticos nas suas fronteiras, de forma a destruir qualquer hipótese de novos alargamentos da NATO ou da UE e para reestabelecer uma esfera de hegemonia sobre os seus vizinhos. Ao tentar destruir uma Geórgia democrática e pró-Ocidente, Moscovo está a dizer que, na sua região do mundo, estar próximo da América ou do Ocidente não compensa.
Este momento poderia muito bem marcar o fim de uma era na Europa em que a "real politik" e as esferas de influência seriam supostamente substituídas por normas cooperativas e pelo direito dos países a escolherem os seus próprios caminhos.
A esperança de uma Rússia mais liberal sob a presidência de Dmitry Medvedev terá de ser reavaliada. A sua justificação para esta invasão assemelha-se mais a Brezhnev do que a Gorbachev. Se bem que ninguém deseje um regresso ao tempo dos confrontos da Guerra Fria, o comportamento da Rússia desafia directamente a ordem europeia e internacional.
O que pode o Ocidente fazer? Em primeiro lugar, a Geórgia merece a solidariedade e o apoio do Ocidente. O mundo ocidental deve conseguir travar os combates e preservar a integridade territorial da Geórgia na sua actual fronteira internacional. Assim que terminem as hostilidades, deve ser posto em marcha um esforço transatlântico coordenado para ajudar à reconstrução e restabelecimento de Tbilisi.
Em segundo lugar, não devemos fingir que a Rússia é uma força neutral da paz quando estão em causa conflitos nas suas fronteiras. A Rússia é parte do problema, não a solução. Durante demasiado tempo, Moscovo tem recorrido aos decretos internacionais existentes para levar a cabo políticas neo-imperiais. O Ocidente deve repudiar esses decretos e insistir em forças internacionais verdadeiramente neutrais, sob a vigilância das Nações Unidas, para monitorizarem um futuro cessar--fogo e para mediarem o conflito.
Em terceiro lugar, o Ocidente tem de travar a pressão russa sobre os seus vizinhos, em especial a Ucrânia - que é, muito provavelmente, o próximo alvo de Moscovo na tentativa de criar uma nova esfera de hegemonia. Os Estados Unidos e a União Europeia devem certificar-se que a Ucrânia e a Geórgia não estarão condenadas a ser uma espécie de zona cinzenta.
Por último, os Estados Unidos e a União Europeia devem tornar claro que este tipo de agressão afectará as relações e o posicionamento da Rússia no Ocidente. Apesar de estar fora de questão uma intervenção militar do Ocidente na Geórgia - e ninguém quer uma versão de século XXI da Guerra Fria - as acções da Rússia não podem ser ignoradas.
Existe um vasto leque de áreas, incluindo a política e económica, em que o papel e o posicionamento da Rússia precisam de ser reavaliados. O Kremlin deve ser alertado, também, para o facto de o seu próprio projecto de prestígio - os Jogos Olímpicos de Sochi - ser afectado pelo seu comportamento.
A pouca força da diplomacia ocidental e a ausência de unidade transatlântica fizeram com que não fosse possível impedir uma guerra inevitável. Só uma forte unidade transatlântica pode travar esta guerra e dar início à reparação dos imensos estragos que já provocou. Caso contrário, podemos acrescentar mais um tema à crescente lista de fracassos da política externa da Administração Bush.
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14.08.2008