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21 de Novembro de 2003 às 13:13

A outra guerra de Bush

O proteccionismo económico não é de direita nem de esquerda. É simplesmente estúpido. E deixa-nos entregues à agenda política pessoal de quem tem poder para pôr e dispor à escala global.

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Não foi apenas das ruas de Londres que ontem vieram as vaias para George Bush. Há outra guerra que o presidente americano está a travar por estes dias. Menos ruidosa, sem perda de vidas humanas e com pouca atenção dos media, mas que é mais do mesmo: o unilateralismo musculado.

A guerra comercial que Washington está a abrir com a Europa (a propósito do aço) e com a China (têxteis) mereceram ontem fortes avisos de Alan Greenspan, de dois presidentes de bancos centrais estaduais americanos e do FMI.

Todos, em coro, vieram alertar para o perigo que o regresso ao proteccionismo representa para o equilíbrio económico dos Estados Unidos e para a retoma global.

O aumento das tarifas aduaneiras sobre o aço europeu e os têxteis chineses pode satisfazer alguns dos poderosos lobbies sectoriais que ajudaram a colocar Bush na Casa Branca. Pode criar ou proteger, no imediato, alguns milhares de empregos naquelas indústrias americanas, que se vêem livres de uma boa parte da concorrência internacional.

Mas, como Greenspan deixou a pairar num discurso efectuado ontem, são um jogo altamente perigoso numa altura em que os Estados Unidos acumulam um défice externo historicamente elevado.

As retaliações comerciais que a União Europeia e Pequim se preparam para activar, acompanhadas dos títulos do tesouro americano que as autoridades chinesas ameaçam despejar no sistema financeiro global podem ser o detonador para um ajustamento brusco do défice americano. E este carrega atrás de si um potencial forte abrandamento da economia americana... destruindo empregos, provavelmente muitos mais do que aqueles que a Casa Branca quer agora ajudar a criar.

Aparentemente, Bush está a jogar com o calendário político norte-americano. Com sorte, as eleições presidenciais que se realizam daqui a menos de um ano ficam encaixadas entre a dopagem proteccionista e o rombo económico que a ressaca há-de provocar.

A “brincadeira”, perversa e altamente arriscada, volta a obrigar-nos a pensar na necessidade extrema de se criar um mecanismo regulatório do comércio internacional com poderes e verdadeiramente eficaz. Coisa que a Organização Mundial do Comércio está longe de ser, depois do fracasso da ronda de Cancun em Setembro.

O proteccionismo económico, está visto, não é de direita nem de esquerda. É simplesmente estúpido, na larga maioria dos casos.

Prejudica os consumidores dos países ricos que o utilizam e condena à indigência largas populações dos países pobres. Aumenta o desequilíbrio entre o braço financeiro demasiado forte e o braço económico raquítico, que é uma marca actual da globalização. E deixa-nos a todos entregues à agenda política pessoal de quem tem poder para pôr e dispor à escala global e não é particularmente dotado de escrúpulos. É demasiado mau para que não seja combatido.

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