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05 de Novembro de 2010 às 12:15

A hora das grandes opções

A abstenção do PSD na votação do Orçamento foi salvadora para quem e para quê?

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Com rigor não consigo descortinar. O documento é muito mau, diz quem o leu e entendeu. Se assim é, e tudo indica que é pior do que se conhece, o PSD permitiu a sua aprovação para salvar a pátria da bancarrota. Não é nada disso. O Orçamento passou porque interessa aos que exigiram a despersonalização do poder, que passasse. As forças que estão por detrás de todo este imbróglio, são as mesmas que provocaram e determinaram a crise financeira. Jerome Kasnher perguntava: "A crise financeira prejudicou quem?" Kasnher, professor de economia e antigo conselheiro de Kennedy, esclarecia que o capital não está interessado na emancipação das nações e dos povos, e que o enfraquecimento da esperança e da credibilidade favorecia os que, na sombra e no silêncio da intriga, contrariavam a legalidade racional da própria economia.

Se o PSD, apesar dos inimigos internos de Passos Coelho, perdeu a face, o PS perdeu toda e qualquer dignidade. Perguntamo-nos, com enfastiada apreensão, se o Partido Socialista merece sobreviver como tal e enquanto tal. Guterres havia transportado consigo a água benta das suas íntimas convicções. Nada tinha a ver com socialismo. José Sócrates procedia da Juventude Social-Democrata. Ficou sempre com o sotaque. Os anos de confronto com as forças mais vivas e produtivas do País marcaram a sua condição de "homem sem qualidades." Reinjectou, no quotidiano, as teses mais violentas da Direita, tripudiou sobre o próprio conceito de socialismo e calou aqueles, poucos, recalcitrantes que, no partido, ainda murmuravam as suas objurgatórias. O PS não existe. E é bom que tomemos bem nota desta evidência.

Passos, por alta responsabilidade de Sócrates, via ascender ao poder. E não assim por muito tempo. Quanto a Sócrates, pessoalmente aguardo a notícia das funções que vai desempenhar, logo-assim que seja despedido. Pedro Passos Coelho, simpático e bem-educado, não é solução política para coisa nenhuma. Ao deixar seguir o Orçamento, somente abriu o processo de continuar a acção predadora, e desculpar-se aos contemporâneos: "A culpa foi do outro."

Vamos sobrevivendo neste absurdo universo de compromissos muito pouco morais. O dr. Cavaco, sempre ele!, enviou uma mensagem lacónica e triste, criticando a linguagem utilizada no Parlamento. O dr. Cavaco estava um pouco sobressaltado e, até, levemente ruborizado. Fui ver. Afinal, os termos de que os parlamentares se serviram era vivo mas não indecoroso; era categórico mas não obsceno. O tipo de expressões que se usa em todos os parlamentos do mundo. Que raio de homem é este que nos coube em lotaria!

Na sua habitual crónica no "Diário Económico", em que o sarcasmo habita com uma melancólica sabedoria, João Paulo Guerra, grande jornalista, escreveu: "O PS vai conseguir dar à Direita o que Sá Carneiro não conseguiu: uma maioria, um governo, um presidente." José Sócrates obteve esta façanha, que configura uma grave traição: colocou o PS a pão e laranjas (metafórica e literalmente), e pôs o País de pantanas. Não sei o que os socialistas (ainda há alguns no PS, poucos, mas há-os, amiúde disfarçados) pensam deste abandono político e desta descrença emocional. Já nada pode salvar o PS da desabada. O senhor que se segue não é para graças. E, com respeito a obstinação, entre Sócrates e Passos venha o diabo e escolha.

Estamos, pois, metidos numa camisa de onze varas. Propõem-nos, sem remissão, que não há escolha, e que as coisas, historicamente, são o que são. Não é assim. Não estamos condenados a aceitar este rotativismo doentio, esta alternância sem grandeza nem decência. O que se nos apresenta, com a fatalidade do inevitável, é a servidão, mascarada de democracia. Não vivemos em democracia plena. Vivemos numa mascarada de democracia ou, se desejarmos amenizar, numa democracia de superfície - como tenho escrito e repetido. Estaremos definitivamente condenados à submissão, e a julgarmo-nos senhores dos nossos destinos, apenas porque, periodicamente, votamos? Votamos em quem? Nesta gente poluída, indigna?, que pretende fazer de nós o que bem entender. Deixo-lhes a pergunta.

APOSTILA - A propósito destas embrulhadas e destas inquietações, ilumina-nos o espírito o belíssimo livro, "Mutualismo com Jornalistas Dentro", de Mário Branco, um dos nossos mais honrados e probos profissionais de Imprensa, que tem consagrado a parte mais estelar da sua vida à causa sagrada da solidariedade e do associativismo. O volume, editado pela União das Mutualidades Portuguesas, defende, com ardor e paixão, a causa de que Mário Branco é paladino, ao mesmo tempo que historia o mutualismo e recorda alguns daqueles que ao mutualismo se dedicaram. Uma leitura séria e apaixonante e um texto escrito num idioma límpido e rigoroso.


b.bastos@netcabo.pt




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