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15 de Dezembro de 2009 às 11:51

A falta de planos dos líderes da Europa

A escolha de Herman van Rompuy para presidente do conselho de ministros da União Europeia (UE), e de Lady Catherine Ashton como responsável da UE para a política externa, mostra bem até que ponto é que os Estados-membros comandam a UE...

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A escolha de Herman van Rompuy para presidente do conselho de ministros da União Europeia (UE), e de Lady Catherine Ashton como responsável da UE para a política externa, mostra bem até que ponto é que os Estados-membros comandam a UE. Eles gerem as suas instituições no seu próprio interesse. A União Europeia não é um super-Estado que avança corajosamente para uma nova era.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, não terá de competir com os todo-poderosos de Bruxelas para se manter na mira dos holofotes. A Alemanha não será desafiada a sair da sua crescente introversão, pois já não é obrigada a demonstrar o seu espírito democrático do pós-guerra, abraçando a causa europeia a todo o momento. O Reino Unido pode ficar descansado quanto ao seu papel no palco internacional, pois continuará a ser o ambicioso servente da Casa Branca.
Na melhor das hipóteses, a nomeação dos dois novos discretos líderes da Europa resultará numa melhor e mais coerente gestão dos assuntos da União Europeia. Van Rompuy beneficiará de uma maior margem de manobra do que a oferecida pela presidência nacional de seis meses. Quanto a Lady Ashton, poderá combinar a política e os recursos no âmbito dos assuntos externos da Europa.

Contudo, independentemente do que diz o Tratado de Lisboa, ainda não está totalmente clarificado se Ashton terá o total controlo do orçamento externo da União Europeia ou se poderá ocupar-se das nomeações para o novo serviço diplomático. A sua posição é delicada e Ashton poderá contar com a regular pressão do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, o grande vencedor da concepção destes novos postos. No entanto, os ministros dos Negócios Estrangeiros ficarão cada vez mais de pé atrás se acharem que a Comissão Europeia está a intrometer-se no seu domínio.

A experiência do passado mostra-nos que existem cinco orientações a seguir se quiseremos ter uma presença europeia mais eficaz no palco internacional sempre que as políticas externa e de segurança estejam na ordem do dia.

Em primeiro lugar, deveríamos ousar acreditar que aquilo que mais convém aos interesses da Europa poderá ser também o melhor para as nossas relações com os nossos aliados mais próximos: os Estados Unidos. Deveríamos, por exemplo, querer impedir a militarização da energia nuclear no Irão, mas precisamente porque isso é do nosso interesse como europeus, e não por sermos aliados dos Estados Unidos.

Em segundo lugar, o nosso discurso sobre o papel que desempenhamos na qualidade de parceiros internacionais dos Estados Unidos na promoção da paz não deveria afastar-se demasiado da realidade. É certo que actualmente tendemos a alinhar-nos mais com Vénus do que com Marte, algo que deveria fazer com que o resto do mundo se sentisse profundamente grato. Mas exageramos um pouco neste papel.

Não é que a Europa não gaste dinheiro suficiente em poder coercivo, mas o que acontece é que o montante despendido - cerca de 200 mil milhões de euros - tem sido mal empregue. A União Europeia precisa de um sistema de defesa comum para adquirir helicópteros, aviões cargueiros, equipamento de comunicações no terreno e aviões teleguiados de vigilância, que se tornaram extremamente necessários para as operações do século XXI.

Por razões que se prendem com a História, a moralidade e a segurança, África deveria ser encarada como uma das primeiras responsabilidades da Europa. Deveríamos garantir assistência, diplomacia e capacidades de manutenção da paz com vista a apoiar o desenvolvimento sustentável, uma boa "governance" e a colaboração regional naquele continente.

Em terceiro lugar, se a política interna da Europa for séria, mais fácil será delinear uma política externa mais séria. O melhor exemplo, a este propósito, tem a ver com a política energética e com a Rússia, que pretende estender a sua esfera de influência para lá das suas fronteiras.

O maior fracasso no estabelecimento de uma política europeia externa tem sido, seguramente, o estado das nossas negociações com a Rússia. Para formular essa política externa, a Europa tem de definir uma política energética única. Lady Ashton terá de ser firme a lidar com a Rússia e com os Estados-membros que submetem a Europa aos interesses comerciais das suas empresas energéticas nacionais.

Em quarto lugar, quanto mais próxima está de "casa", mais eficaz é a política externa europeia. Actuamos melhor - mas também pior - no nosso próprio ambiente. O maior sucesso da política externa da UE é o seu alargamento. Com efeito, o alargamento da União Europeia permitiu promover e consolidar uma mudança de regime sem o recurso às armas, o que estabilizou o continente europeu.

Mas o trabalho ainda não terminou. A perspectiva da adesão à UE está no centro da política da União Europeia nos países dos Balcãs ocidentais, onde estamos a começar a mostrar-nos (na Bósnia-Herzegovina, por exemplo) cada vez mais reticentes - o que é perigoso - em aplicar condicionalismos rigorosos. Estamos empenhados em reconhecer a "vocação europeia" da Ucrânia, mas não a sua adesão à UE. Descubra a diferença!

Há mais de quatro décadas, começámos a negociar a adesão da Turquia, que seria concretizada quando aquele país fosse completamente democrático, com uma economia aberta e respeito pelos direitos humanos e pelo cumprimento da lei. Para a Europa, recusar a adesão da Turquia seria, assim, o mesmo que nos excluirmos de qualquer cenário sério no palco internacional.

Estaríamos a rejeitar um país que é uma poderosa potência regional, um importante membro da NATO e um centro crucial de actividades. Seríamos acusados de destruir as nossas hipóteses, em vez de as construírmos, de criar um laço com o mundo islâmico. Lamentavelmente, van Rompuy, que é escritor e poeta, pronunciou-se contra a adesão da Turquia em termos bastante mais crús do que aqueles que esperaríamos ouvir de um discreto criador de haicais [NT: poemas de origem japonesa, compostos por 17 sílabas, distribuídas em 3 versos (5-7-5), sem rima. É um poema conciso e popular, pelo que se usam palavras quotidianas e de fácil compreensão.].

A minha última directriz na matéria é que a Europa não é, e não virá a ser, uma superpotência ou um super Estado. Ao contrário dos Estados Unidos, a nossa importância não é crucial em todo o mundo. Não temos necessidade de ter uma política para todos os assuntos, em todos os lugares do planeta. Mas quando um problema se faz sentir com mais acuidade, numa região perto de nós, deveríamos ter uma política que não consistisse apenas em concordar com o que quer que a América decida. Isto diz respeito, nomeadamente, ao Médio Oriente. A actual acalmia de "nem guerra, nem paz" naquela região não é sustentável. E a solução de um Estado único já não é possível nem desejável.

Assim sendo, como podemos nós fazer avançar as coisas numa região onde os Estados Unidos têm um papel activo, mas onde não são respeitados, e onde a Europa não tem uma coisa nem outra? No mínimo, poderíamos definir a nossa própria política, a começar por nos esforçarmos por pôr termo à fragmentação da Palestina e à dispersão do seu povo pela Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Leste. Importa se a Europa e os Estados Unidos não partilharem a mesma largura de banda? Muito sinceramente, não.

No mês passado, quando Obama teve de escolher entre a cimeira da ASEAN e as celebrações em Berlim do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim, ele escolheu ir à Ásia. Conseguirá a Europa fazê-lo mudar de ideias da próxima vez que ele tiver que fazer uma escolha do género? No actual estado das coisas, corremos o risco de transformar a Europa num região politicamente irrelevante, numa bem sucedida união aduaneira com uma política externa à moda da Suíça e um grupo de líderes desordenados e sem planos.


Chris Patten, que foi o último governador britânico de Hong Kong e que ocupou o cargo de comissário europeu para as Relações Externas, é reitor da Universidade de Oxford.


© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Carla Pedro
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