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Eduardo Moura emoura@mediafin.pt 01 de Junho de 2006 às 13:59

A falsa hipótese de Belmiro

A proposta de Belmiro de Azevedo é um mau negócio, tem o mérito de agravar o problema no curto e médio prazos e, em consequência, a questão da Constituição não é relevante para a solução. A questão central é que reduzir o número de funcionários públicos t

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Argumentando que é indispensável alterar a Constituição para permitir os despedimentos na Função Pública, e assim viabilizar o equilíbrio das contas públicas, o engenheiro Belmiro de Azevedo mostrou-se menos engenhoso que o habitual. Já que, ao abordar o problema desta forma, está a pedir mais défice público e mais conflito social.

Mas aceitemos a hipótese de Belmiro e imaginemos, por instantes, que a Constituição já permite que todo e qualquer funcionário público possa ser despedido sem justa causa, ao critério e sabor dos governos e da situação das Finanças Públicas.

Se assim fosse, então os governos passariam a elaborar um plano anual de rescisões. Por exemplo, estipulando o despedimento de 50 mil funcionários de uma assentada.

Vejamos, portanto, as seis consequências negativas associadas à decisão:

1 – Forte aumento instantâneo da despesa pública causado pelo montante de indemnizações a pagar (regra de um mês de salário por cada ano de serviço).

2 – Aumento automático da despesa em subsídios de desemprego, perdurável por vários anos, que consumirá grande parte da redução da despesa em remunerações.

3 – Quebra das receitas de IRS, de IVA, de ADSE provocada pela diminuição do rendimento disponível das famílias dos funcionários despedidos.

4 – Redução do consumo com impacto negativo nas vendas das empresas e consequente geração de mais desemprego, menores receitas de impostos e aumento de despesa em assistência social.

5 – Provável perturbação do funcionamento de serviços pela redução de funcionários e, simultaneamente, aumento da conflitualidade social.

6 – Provável permanência de ex-funcionários públicos no desemprego, além do período de cobertura do subsídio.

Face as estes impactos, a única vantagem real dos despedimentos será a diminuição real da despesa pública a partir do quinto ano após a decisão. Quinto ano? Sim, porque além dos subsídios de desemprego irem cobrir, quase sempre, períodos de três anos, há ainda que adicionar o valor das indemnizações que facilmente andarão por volta dos 24 meses.

Quer isto dizer que a hipótese de Belmiro terá efeito positivo daqui a demasiado tempo e comporta custos financeiros, políticos e sociais imediatos que são indesejáveis.

Em especial, ninguém garante que o mercado das empresas privadas tenha, entretanto, criado emprego não só para os 50 mil desempregados da Função Pública como para os desempregados originados pelo mercado empresarial. O Estado chutou o problema para o canto mas não o resolveu.

Portanto, a proposta de Belmiro de Azevedo é um mau negócio, tem o mérito de agravar o problema no curto e médio prazos e, em consequência, a questão da Constituição não é relevante para a solução.

O desafio que se coloca ao País não é portanto apenas de natureza financeira ou contabilística. Muito menos se resume a um problema do Governo. Empresários e sindicatos, Governo e Presidência da República, economistas e gestores têm a obrigação de descobrir uma solução global.

De facto, a questão central é que reduzir o número de funcionários públicos terá de passar por garantir que o sector privado os venha a absorver de forma mais ou menos imediata. Ou seja, o Estado despede e o sector privado da economia contrata.

Esta é que é a questão de fundo e a solução que encontrarmos para ela revelará a nossa superioridade ou mediocridade enquanto nação.

Para que o princípio da absorção dos ex-funcionários públicos pelas empresas privadas se concretize, é necessário que, além da transferência de funcionários, o Estado transfira também serviços para a iniciativa privada, mantendo-se como financiador desses serviços mas a um preço inferior ao que actualmente despende.

Ou seja, em linguagem vulgar, é necessário que o Estado trespasse actividades para a iniciativa privada. Com o trespasse, transferem--se a função, os funcionários, as instalações e os equipamentos. E, ponto decisivo, transferem-se os clientes.

Dir-se-á que, na maior parte dos casos, os clientes se resumem apenas a um: o próprio Estado. É verdade mas não é um obstáculo efectivo, já que o Estado pode manter-se como cliente e, nessa verdadeira qualidade, negociar preços garantindo uma redução face aos custos actuais.

Nesta perspectiva, a maneira mais interessante de resolver o problema das Finanças Públicas e nesse acto não gerar conflitos sociais e não degradar a situação económica, contribuindo aliás de forma multiplicadora para a dinamização do investimento, para a modernização, para o aumento da produtividade, é a redefinição das funções do Estado.

Este, sim, é o «ovo de Colombo» de que Portugal precisa e sobre o qual se esperaria que Belmiro de Azevedo, Marques Mendes, José Sócrates, empresários, economistas e gestores defendessem, já que, sem dúvida, é o modelo que deu francos resultados em todos os países que o aplicaram e que Portugal, digamos assim, inveja.

De resto, Belmiro de Azevedo tem razão quando argumenta que o País beneficia actualmente de um equilíbrio político raro que permite medidas únicas. A maioria socialista não encontrará oposição por parte do PSD na redefinição das funções do Estado e contará com o apoio dinâmico do Presidente da República.

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