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20 de Junho de 2008 às 14:00

A experiência que faz a diferença

No Sábado último um recém-nascido foi raptado do hospital de Penafiel. Sexta-feira última um homem de 39 anos morreu num acidente de moto em Constância ao, sem sucesso, tentar desviar-se de um cão vadio.

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O que torna estes dois eventos semelhantes é o facto de ambos não fazerem parte de um país dito “desenvolvido”, exigindo, assim, que medidas sejam tomadas para que notícias destas, a acontecer, nos cheguem apenas através da secção “internacional” do jornal.

Semelhanças à parte, estes dois eventos diferenciam-se pela urgência das medidas a tomar. Não estou, no entanto, a querer comparar o valor da vida humana e a dor dos familiares e amigos em ambas as situações. Como argumento uso o facto da população reagir de forma diferenciada num e noutro caso (o que em muito contribui a diferença na cobertura mediática de ambos) e as consequências que advêm dessas reacções.

É certo e sabido a dificuldade que (quase) todos temos em visualizar quer grandes, quer pequenos números. Em geral, a ocorrência de eventos improváveis é sobrestimada. Um dos exemplos mais comuns é o receio de acidentes de avião. De tempos a tempos, somos informados sobre a queda de um avião do qual resultou um elevado número de mortes. Como se não bastasse a notícia dos números, em geral, esta vem acompanhada de imagens e entrevistas a familiares pesarosos. O impacto emocional, leva a que muitos mostrem medo e relutância em viajar de avião, preferindo trocar os céus pelas estradas. Excluindo aqueles cujo o medo de voar resulta apenas da sensação desagradável de se estar nas alturas e não necessariamente do medo de morrer, muitos de nós tem medo de voar apenas porque sobrestima a probabilidade de ocorrência de um acidente.

A razão pela qual esta sobrestimação ocorre prende-se com o facto de compararmos os acidentes de que somos informados (que são todos) com as aterragens seguras de que temos conhecimento ou consciência, que são apenas aquelas que experienciamos directamente ou através dos que nos são mais próximos. Sendo assim, o medo de voar poderá ser reduzido através de um conhecimento mais acurado e constante sobre as muitas aterragens seguras.

Não é então difícil perceber as semelhanças entre o rapto de um bebé de uma maternidade e um acidente aéreo. Ambos são alvo de uma cobertura mediática enorme e de um apelo as emoções humanas. Ambos geram receios na população devido a uma sobrestimação da probabilidade de ocorrência. Assim como negligenciamos o elevado número de aterragens seguras também o elevado número de bebés que nascem e deixam as maternidades sãos e salvos é negligenciado, focando-nos apenas no reduzido número de partos que cada um de nós espera de forma directa ou indirecta participar.

O receio de um rapto conduz a medos que têm consequências relevantes para os indivíduos e para o sistema de saúde público. O receio de dar a luz num hospital público com pouca segurança leva a um acréscimo na procura de seguros de saúde que incluem a maternidade, a um aumento do preço dos mesmos e a uma segregação entre o sistema de saúde público procurado por classes mais desfavorecidas e um sistema de saúde privado procurado por aqueles que podem pagar para diminuir um medo que é, no entanto, pouco racional.

A grande diferença entre o rapto de um recém-nascido e a morte na estrada causada por um cão vadio não está na probabilidade de ocorrência, que é, em ambos os casos, baixa, mas na capacidade dos indivíduos inferirem de uma forma mais correcta a probabilidade de ocorrência do segundo evento. O facto de usarmos diariamente meios de transporte terrestre e chegarmos, a quase totalidade das vezes, sãos e salvos ao destino, faz com que não tenhamos reacções desmesuradas aquando este evento ocorre dado que nos apercebemos facilmente da sua raridade. Sendo assim, mesmo que num futuro próximo alguns cães vadios ainda circulem pelas estradas de Portugal espera-se que se tomem medidas no imediato para que mais nenhum recém-nascido seja raptado de uma maternidade.

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