Opinião
A economia da trafulhice
O poder da notoriedade – isto é, da mera circunstância de se ser conhecido – não pode deixar de espantar. As pessoas tendem, ao que parece, a confiar mais em algo ou alguém pelo simples facto de a conhecerem ou julgarem conhecer.
O agressivo ataque do historiador Niall Ferguson a Barack Obama nas páginas da Newsweek – intitulado "Hit the Road, Barack", ou seja, "Põe-te a andar, Barack" – desencadeou nos últimos dias uma acesa polémica nos EUA. Mais do que na substância do argumento, porém, o debate centrou-se na falsificação ou truncagem de factos e fontes a que o autor recorreu para sustentá-lo.
Muito justamente, algumas pessoas perguntaram como foi possível que Ferguson não tivesse tido o cuidado de evitar erros tão grosseiros. Acaso não teme prejudicar a sua reputação nos meios académicos e jornalísticos?
Num comentário publicado no blogue de cultura da "Esquire", Stephen Marche propõe uma inquietante explicação para o aparente enigma. Segundo ele, Niall Ferguson é em primeiro lugar um "entertainer", e só secundariamente um académico e um jornalista. Cada uma das suas apresentações públicas custa a quem o contrata entre 50 a 75 mil dólares e a presente controvérsia aumenta, em vez de diminuir, a procura dos seus serviços pelos sectores republicanos mais extremistas.
Ferguson não tem, portanto, que ser respeitado pelos seus pares universitários; tampouco tem que ser admirado por quem se esforça por manter padrões elevados nos media. Basta-lhe ser idolatrado por aquela parte da opinião pública que prefere o pugilato ideológico ao debate de ideias. Acima de tudo, ele sabe que episódios como este contribuem para reforçar ainda mais o seu estatuto de celebridade e que isso, só por si, vale muito dinheiro.
Ora, não só o problema identificado por Marche não é exclusivo dos EUA, como ainda é lá e num punhado de outros países mais civilizados que subsistem instituições jornalísticas suficientemente fortes para conseguirem resistir à maré alta da degradação dos padrões do debate público. O comentário publicado entre nós oferece múltiplos exemplos de académicos e figuras ilustres de diversos meios profissionais que não hesitam em sacrificar a seriedade da argumentação ao protagonismo mediático.
O poder da notoriedade – isto é, da mera circunstância de se ser conhecido – não pode deixar de espantar. As pessoas tendem, ao que parece, a confiar mais em algo ou alguém pelo simples facto de a conhecerem ou julgarem conhecer. Notoriedade gera familiaridade e familiaridade gera, por sua vez, confiança. Descontando aquelas situações extremas em que a celebridade se encontra patentemente associada a traços repulsivos do sujeito em causa, a fama compensa na medida em que cria uma predisposição genérica favorável e facilita o acesso a gente influente e poderosa. Como afirmou Woody Allen, "80 por cento do sucesso consiste em simplesmente aparecer". É inquestionável o valor económico da notoriedade.
O impacto da presença repetida sobre a simpatia radica provavelmente em factores biológicos. Segundo o psicólogo Robert Zajonc, a exposição repetida "permite a um organismo distinguir os objectos e os habitats seguros dos que o não são, fornecendo a base primitiva para os elos sociais. Constituem, por isso, a base da organização e da coesão social." O problema é que o instinto pode enganar-nos, colocando-nos sob a influência de quem deveria antes suscitar-nos repulsa.
Seja como for, parece óbvio que os incentivos económicos descritos conduzem à desvalorização da importância da reputação ao mesmo tempo que favorecem a disseminação da trafulhice nos media. Haverá algum antídoto capaz de contrariar o perverso resultado desta análise custo-benefício?
Primeiro, as más notícias. Dan Ariely, o conhecido economista comportamental, acredita que a mera menção de incentivos monetários pode degradar a predisposição das pessoas para cooperarem umas com as outras com base em normas de boa conduta geralmente aceites. Por conseguinte, ambientes que estimulam ou meramente desculpabilizam a ambição pessoal levam os indivíduos a adoptarem uma atitude mais relaxada em relação à defesa da sua reputação de seriedade.
Por outro lado, o mesmo Ariely e mais dois investigadores conceberam uma experiência em que, imediatamente antes de os participantes terem a oportunidade de fazer batota sem serem detectados, foram confrontados com uma declaração recordando-lhes a importância do comportamento ético. O resultado foi a total ausência de comportamentos desonestos.
O que isto sugere é que a definição e divulgação de padrões de conduta apropriados e a intenção declarada de fazê-los aplicar podem ser suficientes para reduzir drasticamente os comportamentos desviantes. Os juramentos, as regras deontológicas e os códigos de ética e conduta empresariais talvez não sejam afinal tão ineficazes como por vezes se crê, na condição de que os seus princípios sejam largamente divulgados e frequentemente invocados pelos responsáveis das organizações.
Director-Geral da Ology e docente universitário
Muito justamente, algumas pessoas perguntaram como foi possível que Ferguson não tivesse tido o cuidado de evitar erros tão grosseiros. Acaso não teme prejudicar a sua reputação nos meios académicos e jornalísticos?
Ferguson não tem, portanto, que ser respeitado pelos seus pares universitários; tampouco tem que ser admirado por quem se esforça por manter padrões elevados nos media. Basta-lhe ser idolatrado por aquela parte da opinião pública que prefere o pugilato ideológico ao debate de ideias. Acima de tudo, ele sabe que episódios como este contribuem para reforçar ainda mais o seu estatuto de celebridade e que isso, só por si, vale muito dinheiro.
Ora, não só o problema identificado por Marche não é exclusivo dos EUA, como ainda é lá e num punhado de outros países mais civilizados que subsistem instituições jornalísticas suficientemente fortes para conseguirem resistir à maré alta da degradação dos padrões do debate público. O comentário publicado entre nós oferece múltiplos exemplos de académicos e figuras ilustres de diversos meios profissionais que não hesitam em sacrificar a seriedade da argumentação ao protagonismo mediático.
O poder da notoriedade – isto é, da mera circunstância de se ser conhecido – não pode deixar de espantar. As pessoas tendem, ao que parece, a confiar mais em algo ou alguém pelo simples facto de a conhecerem ou julgarem conhecer. Notoriedade gera familiaridade e familiaridade gera, por sua vez, confiança. Descontando aquelas situações extremas em que a celebridade se encontra patentemente associada a traços repulsivos do sujeito em causa, a fama compensa na medida em que cria uma predisposição genérica favorável e facilita o acesso a gente influente e poderosa. Como afirmou Woody Allen, "80 por cento do sucesso consiste em simplesmente aparecer". É inquestionável o valor económico da notoriedade.
O impacto da presença repetida sobre a simpatia radica provavelmente em factores biológicos. Segundo o psicólogo Robert Zajonc, a exposição repetida "permite a um organismo distinguir os objectos e os habitats seguros dos que o não são, fornecendo a base primitiva para os elos sociais. Constituem, por isso, a base da organização e da coesão social." O problema é que o instinto pode enganar-nos, colocando-nos sob a influência de quem deveria antes suscitar-nos repulsa.
Seja como for, parece óbvio que os incentivos económicos descritos conduzem à desvalorização da importância da reputação ao mesmo tempo que favorecem a disseminação da trafulhice nos media. Haverá algum antídoto capaz de contrariar o perverso resultado desta análise custo-benefício?
Primeiro, as más notícias. Dan Ariely, o conhecido economista comportamental, acredita que a mera menção de incentivos monetários pode degradar a predisposição das pessoas para cooperarem umas com as outras com base em normas de boa conduta geralmente aceites. Por conseguinte, ambientes que estimulam ou meramente desculpabilizam a ambição pessoal levam os indivíduos a adoptarem uma atitude mais relaxada em relação à defesa da sua reputação de seriedade.
Por outro lado, o mesmo Ariely e mais dois investigadores conceberam uma experiência em que, imediatamente antes de os participantes terem a oportunidade de fazer batota sem serem detectados, foram confrontados com uma declaração recordando-lhes a importância do comportamento ético. O resultado foi a total ausência de comportamentos desonestos.
O que isto sugere é que a definição e divulgação de padrões de conduta apropriados e a intenção declarada de fazê-los aplicar podem ser suficientes para reduzir drasticamente os comportamentos desviantes. Os juramentos, as regras deontológicas e os códigos de ética e conduta empresariais talvez não sejam afinal tão ineficazes como por vezes se crê, na condição de que os seus princípios sejam largamente divulgados e frequentemente invocados pelos responsáveis das organizações.
Director-Geral da Ology e docente universitário
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