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A lei da negociação - em defesa da contratação coletiva

A forte diminuição de cobertura e de dinamismo da negociação coletiva nos últimos anos é uma das preocupações centrais de todos quantos, como o Governo, se batem por uma regulação equilibrada e eficaz do mercado de trabalho.

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1. A forte diminuição de cobertura e de dinamismo da negociação coletiva nos últimos anos é uma das preocupações centrais de todos quantos, como o Governo, se batem por uma regulação equilibrada e eficaz do mercado de trabalho. 


Mas para resolver os bloqueios atuais, que nem são de solução simples nem ocorrem exclusivamente em Portugal, é fundamental perceber o trajeto que nos trouxe até aqui. E desmistificar algumas assunções simplistas que não ajudam ao debate.

2. Tendo florescido após o 25 de Abril, a contratação coletiva teve durante um longo período elevada estabilidade e cobertura, mas níveis escassos de dinamismo e inovação, carregando naturais marcas da época da sua expansão.

A criação do primeiro Código do Trabalho em 2003, na sequência de negociações não conclusivas na concertação, veio introduzir diversas mudanças, das quais se destaca o normativo que prevê a denúncia unilateral e a consequente caducidade dos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT).

A justificação desta mudança baseou-se na necessidade de renovar e estimular a negociação, ainda que a sua consequência tenha sido a oposta: um bloqueio histórico dos níveis de contratação. Ao contrário do proclamado, viveu-se a maior retração negocial da nossa democracia até então.

Só após os acordos de concertação de 2005/2006, que visou estimular a negociação sem revogar o princípio da caducidade, se voltou a atingir níveis elevados de cobertura pelos IRCT.
No entanto, a crise económica e financeira e as políticas do período da Troika vieram de novo colocar a contratação coletiva em mínimos históricos.

3. A negociação coletiva sofreu um significativo declínio. Todavia, os factos desmentem uma ligação simples e direta entre a natureza das alterações legislativas e a diminuição dos trabalhadores abrangidos por IRCT novos ou renovados, como se pode ver no gráfico.
Na verdade, embora tenha quebrado fortemente logo em 2004, a negociação recrudesceu em 2005 e em 2008 veio mesmo a atingir um máximo histórico. Depois de 2011, deu-se uma quebra abrupta para valores abaixo do meio milhão de trabalhadores, regressando a tal fasquia apenas em 2015 – mesmo assim, muito abaixo dos níveis pré-crise.

4. As leis são importantes para balizar a negociação coletiva. Mas para que possam produzir efeitos precisam de estabilidade e previsibilidade.

Nos últimos anos, sucessivas mudanças nas leis laborais, várias com impactos negativos sobre a contratação coletiva, num quadro de forte instabilidade a partir da crise e da intervenção externa, fizeram com que não tivesse existido nem um quadro normativo estável, nem um ambiente propício a que todos os parceiros tivessem motivação para a negociação. Ora, a predisposição dos parceiros é essencial.

Há hoje condições novas para que possa ser feito um debate sério sobre estas matérias, em circunstâncias económicas, sociais e políticas, incluindo em torno da regulação do mercado de trabalho, muito distintas e mais favoráveis. Depois da experiência da última década, e na posse do quadro global do Livro Verde das Relações Laborais, é na concertação que este debate está a ser feito. E é nele que devemos concentrar esforços antes de partir, de imediato, para (novas) alterações legislativas.

Numa matéria que depende tanto da lei como do comportamento dos agentes, a vertigem da mudança legislativa pode ser má conselheira.

É entendimento do Governo que a melhor maneira de acautelar o futuro da contratação coletiva passa necessariamente por dar voz e oportunidade aos parceiros. E encontrar, junto deles, elementos que ajudem a fortalecer a negociação onde ela se fortalece de facto – nas mesas de negociação e no interesse que todas as partes têm de ter para que nelas se sentem de modo construtivo e com benefícios mútuos.

5. As mudanças legislativas são necessárias e a sua legitimidade radica no facto de elas resultarem da normal expressão da autoridade democrática.

A vantagem de estas decisões se poderem conjugar com um amplo exercício do diálogo e da concertação reside precisamente no facto de uma boa parte do normativo em matéria laboral poder ser fruto da negociação coletiva.

Não são produtivas polémicas sobre contradições entre a legitimidade da concertação face ao império da lei.

Mas não se deve, em simultâneo, elogiar a centralidade da negociação coletiva e desvalorizar a concertação de natureza global. Nem se pode reivindicar a centralidade da concertação e insistir na desvalorização efetiva da negociação coletiva.

Os principais desequilíbrios que persistem no quadro das relações laborais, como a excessiva individualização das relações de trabalho ou os níveis de precariedade existentes, não serão superados sem uma forte retoma da negociação coletiva.

E, se essa retoma aconselha um quadro legislativo que a estimule, ela não pode ser imposta por decreto. Tem de ser fruto da vontade dos parceiros a todos os níveis e da sua compreensão das vantagens mútuas da regulação negociada.

Sou dos que ainda acredita na possibilidade de tal desígnio se transformar em realidade. 

 

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