Opinião
[298.] RTP, Antena 1
O anúncio da RTP à principal rádio do Estado, a Antena 1, tinha uma mensagem claramente política, sendo absolutamente evidente o seu ponto de partida contra manifestações antigoverno.
O anúncio da RTP à principal rádio do Estado, a Antena 1, tinha uma mensagem claramente política, sendo absolutamente evidente o seu ponto de partida contra manifestações antigoverno. Está tudo tão errado neste caso que é difícil resumir todos os erros. O horror começa na agência publicitária BBDO.
Para criar um anúncio de promoção da rádio de “proximidade”, inventou um diálogo entre um imaginário ouvinte, o “Rui”, com uma nada imaginária Eduarda (Maio), subdirectora de Informação da Antena 1 e uma das principais vozes desta estação do Estado na qualidade de “jornalista”. O anúncio é político. O “Rui” está no carro, no meio do trânsito; Maio diz que a emissão passará dentro em pouco para o debate da tarde no parlamento.
A cena passa-se às 11h23, o que torna o anúncio errado em termos da sua própria realidade (não tem havido manifestações de manhã). Maio dirige-se ao “Rui” dizendo-lhe para não seguir por certa rua, cortada por causa duma manifestação. O “Rui” não sabia. Subentenda-se: ele é o cidadão que não liga a “politiquices”, só quer ir trabalhar (enfim, às 11 e meia da manhã), é para quem o governo trabalha, enquanto a manifestação está “contra” o Rui, contra quem trabalha. O “Rui” pergunta: “E desta vez é contra quê?” Nota-se no texto um a priori contrário a manifestações de oposição ao poder instalado, pois não sendo obrigatório que as manifestações sejam “contra”, o texto posto na boca do “Rui” e de Maio aponta para aí.
Isto é, autores e intérpretes assumem uma posição contra as manifestações e, por arrasto, a favor do governo, o alvo das manifestações “contra”. Mais grave é a resposta de Maio: “pelos vistos é contra si”. Acrescentando depois: “contra quem quer chegar a horas”. Isto é, a jornalista Eduarda Maio, subdirectora de Informação da Antena 1, declara que manifestações contra o governo são contra os cidadãos. O texto em off também é incrível, dado que, depois deste diálogo opinativo, fala dele como indicador de que a Antena 1 dá a “actualidade” informativa. A gravidade deste anúncio é enorme, residindo em especial no facto de o anunciante ser uma estação pública, paga pelos contribuintes e dependendo do governo. O anúncio é não só anticonstitucional no seu teor contra as manifestações, como disseram os provedores da rádio e TV da RTP, como, pior ainda, é a favor do governo.
O anúncio é protagonizado por uma jornalista que é, para cúmulo, uma das responsáveis da estação. É gravíssimo que Eduarda Maio tenha dado voz a este anúncio, aceitando o seu teor. A sua desculpa posterior (limitou-se “à leitura em estúdio de alguns textos”!) é vergonhosa. O anúncio é eticamente inaceitável para qualquer jornalista e, em especial, duma estação pública. O reclame foi visto e aprovado pelos responsáveis da rádio e da TV, ninguém levantou qualquer problema ao conteúdo do anúncio, pelo contrário, todos aprovaram um anúncio claramente político, contra manifestações e de tom favorável ao governo.
É inacreditável e inaceitável o comportamento da BBDO, de Eduarda Maio, da direcção de Informação, da direcção de Programas da RDP, da RTP no conjunto. Marina Ramos, ex-jornalista e agora porta-voz da RTP, limitou-se a dizer que o anúncio promovia um género de programas e que foi aprovado. Parece que estamos numa ditadura, em que as pessoas fingem que não pensam, engolem, e apresentam-se como não responsáveis pelos seus actos. Só depois de os provedores, Paquete de Oliveira e Adelino Gomes, proferirem um comentário devastador para o anúncio, a Administração da RTP o mandou retirar de antena. Segundo li, Eduarda Maio ainda veio acusar o Público de “manipulação” (!) por ter ilustrado uma notícia sobre o caso com uma foto do lançamento do seu livro panegírico de inesquecível título, “O Menino de Ouro do PS”.
Como se fosse possível dissociar a Eduarda Maio que é responsável numa estação do Estado (e do Governo) da Eduarda Maio que faz um anúncio contra os adversários do governo e da Eduarda Maio que fez um livro de pura propaganda do chefe do governo. O mais grave de tudo? Isto ter sido possível num regime democrático e ter como protagonistas jornalistas, ex-jornalistas, publicitários que deveriam ser cuidadosos e dirigentes empresariais que costumam ter cuidado com as matérias políticas.
E foi possível devido ao ambiente de sufoco das liberdades, de acção continuada e extensíssima de uma central de propaganda do governo, e à cumplicidade, anestesia, medo ou complacência da classe jornalística nos media dos Estado. Só após quatro anos de um governo inimigo da imprensa livre e fautor da mais massiva propaganda do pós 25 de Abril, um anúncio destes pôde chegar à TV do Estado. Uma coisa assim não acontecia desde 1975.
É uma lição sobre o ponto a que pode chegar, numa democracia, a propaganda e a “engenharia das almas” do tipo fascista.
Para criar um anúncio de promoção da rádio de “proximidade”, inventou um diálogo entre um imaginário ouvinte, o “Rui”, com uma nada imaginária Eduarda (Maio), subdirectora de Informação da Antena 1 e uma das principais vozes desta estação do Estado na qualidade de “jornalista”. O anúncio é político. O “Rui” está no carro, no meio do trânsito; Maio diz que a emissão passará dentro em pouco para o debate da tarde no parlamento.
Isto é, autores e intérpretes assumem uma posição contra as manifestações e, por arrasto, a favor do governo, o alvo das manifestações “contra”. Mais grave é a resposta de Maio: “pelos vistos é contra si”. Acrescentando depois: “contra quem quer chegar a horas”. Isto é, a jornalista Eduarda Maio, subdirectora de Informação da Antena 1, declara que manifestações contra o governo são contra os cidadãos. O texto em off também é incrível, dado que, depois deste diálogo opinativo, fala dele como indicador de que a Antena 1 dá a “actualidade” informativa. A gravidade deste anúncio é enorme, residindo em especial no facto de o anunciante ser uma estação pública, paga pelos contribuintes e dependendo do governo. O anúncio é não só anticonstitucional no seu teor contra as manifestações, como disseram os provedores da rádio e TV da RTP, como, pior ainda, é a favor do governo.
O anúncio é protagonizado por uma jornalista que é, para cúmulo, uma das responsáveis da estação. É gravíssimo que Eduarda Maio tenha dado voz a este anúncio, aceitando o seu teor. A sua desculpa posterior (limitou-se “à leitura em estúdio de alguns textos”!) é vergonhosa. O anúncio é eticamente inaceitável para qualquer jornalista e, em especial, duma estação pública. O reclame foi visto e aprovado pelos responsáveis da rádio e da TV, ninguém levantou qualquer problema ao conteúdo do anúncio, pelo contrário, todos aprovaram um anúncio claramente político, contra manifestações e de tom favorável ao governo.
É inacreditável e inaceitável o comportamento da BBDO, de Eduarda Maio, da direcção de Informação, da direcção de Programas da RDP, da RTP no conjunto. Marina Ramos, ex-jornalista e agora porta-voz da RTP, limitou-se a dizer que o anúncio promovia um género de programas e que foi aprovado. Parece que estamos numa ditadura, em que as pessoas fingem que não pensam, engolem, e apresentam-se como não responsáveis pelos seus actos. Só depois de os provedores, Paquete de Oliveira e Adelino Gomes, proferirem um comentário devastador para o anúncio, a Administração da RTP o mandou retirar de antena. Segundo li, Eduarda Maio ainda veio acusar o Público de “manipulação” (!) por ter ilustrado uma notícia sobre o caso com uma foto do lançamento do seu livro panegírico de inesquecível título, “O Menino de Ouro do PS”.
Como se fosse possível dissociar a Eduarda Maio que é responsável numa estação do Estado (e do Governo) da Eduarda Maio que faz um anúncio contra os adversários do governo e da Eduarda Maio que fez um livro de pura propaganda do chefe do governo. O mais grave de tudo? Isto ter sido possível num regime democrático e ter como protagonistas jornalistas, ex-jornalistas, publicitários que deveriam ser cuidadosos e dirigentes empresariais que costumam ter cuidado com as matérias políticas.
E foi possível devido ao ambiente de sufoco das liberdades, de acção continuada e extensíssima de uma central de propaganda do governo, e à cumplicidade, anestesia, medo ou complacência da classe jornalística nos media dos Estado. Só após quatro anos de um governo inimigo da imprensa livre e fautor da mais massiva propaganda do pós 25 de Abril, um anúncio destes pôde chegar à TV do Estado. Uma coisa assim não acontecia desde 1975.
É uma lição sobre o ponto a que pode chegar, numa democracia, a propaganda e a “engenharia das almas” do tipo fascista.
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