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[228.] Henry Cotton’s, Rolex, BMW-Banif

A campanha da marca de moda Henry Cotton’s surpreendeu pela dimensão nos media e por usar os lugares públicos. Não é vulgar exibir-se o luxo em Portugal. O primeiro anúncio surgido na imprensa mostra uma bela mulher jovem que nos olha nos olhos por detrás

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O preto e branco da foto acrescenta a ideia de classe alta, de clássico, de chique. A mulher é mostrada em grande plano. Onde está ela, com quem? Compete à imaginação do observador preencher o mistério da imagem.

Não há mistério para os observadores ricos, porém, e para os que conhecem a marca e as suas linhas especiais de hipismo e golfe. A marca, duma empresa italiana de Pádua, herda o nome de um campeão inglês de golfe que terminou os dias no Algarve nos anos 60, onde desenhou um campo no Alvor.

A estranheza da campanha está em especial no uso do espaço público em mupis e outdoors. Como vivemos ainda em Portugal numa sociedade muito hierarquizada, raramente se usam imagens de moda em mupis que criem uma forte impressão classista, do afastamento entre quem pode viver no mundo dos cavalos e golfe e quem passa na rua com os sacos do supermercado. Para o mundo fechado dos ricos portugueses não há mistério na rede na cara da rapariga, é apenas um acessório de moda, não uma falsa burka de meninas ricas. Mas para quem desconhece esse mundo, a imagem é estranha. E é possível em 2007 desconhecer-se esse mundo dos ricos? Em Portugal é. Ao contrário do que sucede por exemplo na Grã-Bretanha, a riqueza portuguesa esconde-se dos pobres, quer nos lugares públicos quer privados. Para muitos portugueses, a imagem dos seus ricos poderá ser a de «José Castelo Branco» e outros monstros mediáticos bizarros e patéticos, porque são esses que aparecem nas «revistas». Os ricos portugueses não se exibem nas «revistas». As festas dos ricos fazem-se sem câmaras fotográficas. Os ricos britânicos mostram-se naturalmente. Os ricos portugueses iludem e escondem a sua riqueza. Os portugueses nunca vêem os seus ricos paramentados como os modelos de Henry Cotton’s. Essa é a única razão porque os anúncios da marca se apresentam com uma aura misteriosa. O luxo não faz parte do horizonte de expectativas de quem vê noticiários, a imprensa, enfim, de quem vê o espelho da «realidade real» do país.

Assim, muitos anúncios mostram bens de consumo luxuosos que as pessoas com dinheiro para as comprar normalmente não têm ocasião nem coragem de usar em múltiplas situações públicas e privadas, pelo que o investimento acaba por ser ou excessivo ou desnecessário. Daí que seja preciso assumir o luxo. É o que faz um anúncio do relógio Rolex Oyster Perpetual em ouro branco e com pedras preciosas. Uma imagem magnífica mostra uma mulher-sereia à porta de uma gruta marítima, mostrando-se a quem está dentro, o observador do reclame. No braço esquerdo ela exibe um Rolex. O slogan é lapidar: «Sem medo do luxo». A Rolex, como outras marcas, como Henry Cottons, precisa de exibir o luxo para que os endinheirados deixem de ter medo dele e passem a mostrar os sinais exteriores da sua riqueza.

O anúncio conjunto BMW-Banif promete um carro de gama média ou alta da BMW a quem não tem dinheiro para o comprar a pronto. Para isso, inverte os termos da questão presente nos anúncios anteriores: ter este carro não é um luxo, ou melhor, apresenta-se como não sendo um luxo, porque ele é acessível por uma renda mensal baixa. A frase destrói, pela ironia, o conceito de luxo: «Luxo é o preço. Desde120€/mês». Não há luxo, pois nem o preço o é. Rolex, Henry Cotton’s e tantas outras terão de ocupar muito mais o espaço público até conseguirem, se conseguirem, normalizar a imagem pública do luxo junto de ricos e pobres portugueses.

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