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20 anos é muito tempo. Dê-me três minutos da sua atenção

Quase todos os alunos que este ano entraram na Universidade não tinham ainda nascido quando o Jornal de Negócios apareceu.

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Estávamos em 1997, o ano do Meia Culpa, da ovelha Dolly, da morte de Diana de Gales e de Madre Teresa de Calcutá, lembram-se? Desde essa altura, e nestes últimos 20 anos, a Internet modificou de tal forma as nossas vidas que os nossos filhos já não conseguem sequer imaginar o que seria viver sem ela.

 

Contar que a Internet quase parou no dia 11 de Setembro de 1998 quando o relatório de Kenneth Starr sobre o caso Clinton-Lewinsky foi colocado directamente na Web, sem passar pelo filtro dos jornalistas, parecerá uma anedota para a geração YouTube, habituada a descarregar gigas de informação de um lugar que antes soluçava com uma simples fotografia.

 

Nesses dias, A Capital ainda tinha uma circulação de 26 mil jornais diários e O Independente vendia mais de 48 mil exemplares todas as sextas-feiras. A soma do share dos telejornais da noite dos três principais canais era de mais de 95 por cento (hoje é de cerca de 55 por cento). Em 1997, a Internet só era acessível a 6,3 por cento dos portugueses maiores de 15 anos, contra os 67 por cento que hoje a utilizam.

 

Nas duas décadas que separam a criação da página Web do Negócios e o dia de hoje, as transformações profundas na forma como chegamos até às notícias vieram condicionar o próprio negócio do jornalismo. A comunicação de um para muitos, modelo que durante séculos deu aos jornalistas o poder de mediadores supremos entre fontes e público, foi substituída por uma comunicação de todos para todos.

 

A audiência, ou as pessoas que antes chamávamos audiência (na feliz expressão de Jay Rosen), ganhou vontade própria e forma de facilmente publicar os seus próprios conteúdos em 1999, com a criação do Blogger. Desde aí, uma quantidade imensa de plataformas, que vão do YouTube ao Instagram, do Facebook ao Twitter, permitem a qualquer pessoa ou instituição produzir informação (ou apenas porcaria) e espalhá-la de imediato pelos quatros cantos do mundo.

 

Esta informação, muitas vezes não verificada, muitas vezes de enorme qualidade, compete directamente com os tradicionais órgãos de comunicação social e ocupa o mais precioso dos bens, pelo qual todos os media lutam desde sempre: a atenção das pessoas. A informação disponível multiplicou-se milhares de vezes, o tempo que temos para a consumir continua igual ao que tínhamos em 1997.

 

É por causa desta mudança radical de paradigma que todos os media têm vindo a sofrer uma crise de audiências que parece não ter fim, alimentada por um círculo vicioso de menos leitores / despedimentos / pior jornalismo. A necessidade de se adaptarem rapidamente às mutações da Web obriga a uma constante inovação e correcção de estratégias, muitas vezes superior à própria velocidade das organizações.

 

Exemplo destas mudanças é o facto de uma grande percentagem de utilizadores já não consultar directamente os sites dos órgãos de comunicação e esperar que os conteúdos lhe apareçam directamente na sua página de Facebook, recomendados por amigos ou amigos de amigos. O algoritmo do Facebook é hoje o mais potente gatekeeper mundial, retirando mais uma vez o protagonismo aos jornalistas e ao seu trabalho.

 

Outra mudança radical, claramente visível nos relatórios de acessos ao site do próprio Jornal de Negócios, é que a maioria dos utilizadores consulta notícias através do seu telemóvel e deixa para um segundo plano o computador de secretária ou o portátil. Esta alteração, possível com pacotes de dados cada vez mais generosos, faz com que a competição por ser o primeiro ultrapasse muitas vezes a vontade de ser o mais correcto.

 

O perigo da fixação nas breaking news, o endeusamento do imediato e a produção em série de notícias sem sair da redacção são, neste momento, as maiores ameaças que pairam sobre o jornalismo e sobre o seu papel fundamental numa sociedade democrática. A receita para ganhar audiências não é fácil, mas atrevo-me a sugerir aquela que a jornalista Amy Goodman deu num dos seus discursos de aceitação de um importante prémio de jornalismo nos Estados Unidos: "Go where the silence is and say something" ["Vai para onde está o silêncio e diz alguma coisa"].

António Grando é professor de Jornalismo na Universidade Nova de Lisboa

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