Opinião
[112.] Vinho Verde, Campo da Vinha
Se o vinho verde tem características que o singularizam, o slogan da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes está certo: «Não há outro assim.» Neste anúncio tudo é verde: as letras, a relva, os olhos e o vestido da menina que sonha na relva, a
Para este anunciante, há mal nos sonhos cor-de-rosa? Há, mas não explica. Temos de interpretar. Rosa é a cor do vinho rosé. Esta campanha faz do verde uma alternativa ao rosé enquanto vinho de Verão, refrescante (a garrafa do anúncio acabou de sair do frigorífico). Portanto: o rosé é «banal» enquanto «não há outro» como o verde.
Pode ser que a oposição verde-rosé resulte de estudo de mercado mostrando que um é alternativa ao outro para os consumidores, mas nesta mensagem essa oposição não é óbvia, em especial num «outdoor», que só tem um ou dois segundos para se impor ao observador num ambiente cheio de ruído comunicacional como as ruas e avenidas. Para quem nunca bebe rosé, o anúncio torna-se absurdo.
A falsa sofisticação deste reclame está totalmente ausente do anúncio do vinho verde Campo da Vinha, que usa uma linguagem básica para chegar a uma mensagem profunda. Diz ele, em letras garrafais (o que convém para uma mensagem que mete uma garrafa): «Óptimo para comemorar o despedimento do chefe.»
Ei-la, bem grande, a garrafa de Campo da Vinha, verde branco, fresca como a do outro anúncio. A garrafa está ainda por abrir, mas ao lado está um copo já cheio, também ele com as gotas que revelam frescura. «O despedimento do chefe», diz o texto. «Ora aí está um com motivo para abrir uma garrafa de Campo da Vinha.» Mas «todas as razões são boas» para abrir este vinho, mesmo que «o chefe» não merecesse ser despedido.
Com este volte-face na narrativa, esta dúvida acerca da justeza do despedimento do chefe, o anúncio procura salvar a sua eficácia junto dos chefes, os quais são demograficamente uma caterva de gente e uma caterva de bebedores também. A frase sobre o despedimento serviu apenas como chamada de atenção. A relação entre essa ficçãozinha e o «slogan» do Campo da Vinha acaba por demasiado ténue: «E se o chefe merecia ou não ser despedido, isso, tal como Campo da Vinha é outra história.»
O slogan «Campo da Vinha é outra história» pretende sugerir de forma subliminar que este vinho verde é pouco vinho verde. «É outra história» quer dizer: é outra coisa. E por essa razão, para que este verde seja o menos verde possível, este anúncio surpreende por ser totalmente azul. O fundo é azul, os rótulos são azuis, o próprio líquido, naquele ambiente fotográfico, fica cinza ou azulado, sem sinal de verde.
Todavia, o anúncio não fala em cores, ao contrário do reclame da Comissão de Viticultura do verde. O Campo da Vinha é verde por denominação de origem controlada, mas foge da sua origem, da sua raça, como a cor da pele de Michael Jackson. Daí que tenha de desviar o tema da mensagem para a tolice do «despedimento do chefe». Quanto mais tolo for o tema, menos o observador associará este vinho do anúncio azul ao vinho verde.
Estes dois anúncios seguem caminhos só aparentemente opostos (um todo verde, outro todo azul), mas falam ambos do mesmo. Eles indicam que o vinho verde tem dificuldade em estabelecer-se enquanto marca. O vinho verde está com problemas de identidade. Está a precisar de fazer terapia, está a precisar de um Dr. Freud: quem sabe se não foi por isso que ao anúncio da Comissão de Viticultura lhe deu para falar e interpretar sonhos, como o médico de Viena.