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17 de Março de 2020 às 19:00

O vírus que se tornou viral

Com a desaceleração forçada que a crise acarreta, é bom parar e reservar um tempo para refletir não apenas nos negócios e na estratégia, mas também reavaliar o próprio modelo de negócio e a eficiência com que a empresa trabalha.

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Com o surto global de coronavírus a propagar-se exponencialmente, cresce também a incerteza e a ansiedade. Muitos estaremos em casa, em modo pandemia, esperando, ativamente, o passar do tempo, como quem trabalha no dia-a-dia, mas espera pelo suceder das estações do ano.

 

Com mais tempo para aprofundar e refletir, algo que, provavelmente, todos já concluímos é como o mundo está, realmente, todo conectado, mas frágil.  Outra conclusão, sobretudo para os líderes empresariais, é a importância de ter as empresas preparadas para que possam gerir situações críticas como a presente. Desta vez, a crise é devida a um vírus, mas também podem ocorrer desastres naturais, conflitos laborais ou mesmo cenários de guerra. Todas estas situações têm especificidades próprias, mas todas podem ser igualmente danosas para as empresas, para as famílias e para a sociedade. Por isso, cada vez se torna mais crítico garantir que cada empresa construa camadas de resiliência para poder enfrentar choques como este, quando ocorrem.

 

Desde o início da contaminação, em Wuhan, que as cadeias de abastecimento se ressentiram e muitas empresas começaram a sentir as consequências, desde logo. No entanto, algumas medidas que poderiam mitigar este efeito como ter um stock de segurança suficiente ou fontes alternativas de abastecimento para o caso de interrupção (contrárias à lógica da economia global), ainda não são muito comuns na maioria das empresas.

 

A realidade é que a construção da resiliência na empresa exige estratégia, exige pensamento sistémico e pode exigir um investimento significativo. Daí que só com uma liderança forte ao nível do governo da empresa seja possível fortalecê-la o suficiente para amortecer o impacto de choques significativos e tomar, em tempo, as medidas adequadas quando já se está em plena crise. Uma história interessante, passou-se com o furacão Michael no ano passado. A maioria das casas em Mexico Beach, na Flórida, foram destruídas, mas não o Sand Palace, uma casa que o proprietário teve um cuidado extra ao projetar e selecionar os materiais de construção. A imagem que correu os jornais mostrava tudo destruído em volta, exceto o Sand Palace.

 

Mas os líderes empresariais responsáveis têm um papel importante a desempenhar não apenas na construção da resiliência, mas também na navegação segura e eficaz, em tempos complicados e incertos. Resumo três conselhos abordados numa sessão on-line no IESE Business School, escola irmã da AESE, reunindo o especialista em Health Security, Axel Lambert e os professores do IESE, Pedro Videla, Mike Rosenberg, Yago de la Cierva, Alberto Ribera e Weiming Zhu.

 

Selecionar e limitar as fontes de informação cuidadosamente é o primeiro conselho. Saber o que está acontecendo é claramente importante. Mas nem todas as fontes são iguais. Além disso, a inundação de notícias não é útil: aumenta a ansiedade e o nervosismo, dá origem ao pânico e em nada melhora a qualidade das decisões. Identificar uma ou duas fontes com autoridade, como a OMS ou a DGS e cumprir rigorosamente as orientações é o aconselhável.

 

Em segundo lugar, cuidar as pessoas. Em situações de crise, as pessoas querem ajudar e ainda bem que assim é. Envolver na solução para mitigar o contágio, para reorganizar o trabalho de forma a que a empresa se mantenha ativa, para manter a colaboração e proximidade, mesmo distantes, é um bom ponto de partida para que cada um entenda que tem um papel a desempenhar e contribua positivamente. Criar um ambiente seguro, preferencialmente providenciando ferramentas para que possam trabalhar em casa, evitando deslocações e contacto, bem como comunicar com empatia e clareza são igualmente importantes. O silêncio nunca serve. A transparência é o único elemento que funciona. E não há que ter medo de dizer "eu não sei".

 

Em terceiro lugar, com a desaceleração forçada que a crise acarreta, é bom parar e reservar um tempo para refletir não apenas nos negócios e na estratégia, mas também reavaliar o próprio modelo de negócio e a eficiência com que a empresa trabalha, o que pode ser melhorado e onde se pode inovar. Vale a pena pensar além do curto prazo e tentar coisas novas. Vale a pena, inclusive, prepararmo-nos para a próxima crise enquanto gerimos a atual.

 

Neste momento, relembro também a minha mãe que, citando São Josemaria, recomendava como estratégia de combate às "crises" que com ela partilhávamos: "afogar o mal em abundância de bem". Também hoje comprovo isso mesmo: os efeitos serão menores quanto mais cuidadosos e atentos formos pensando não apenas em nós, mas nos outros também. A jovem que em Turim se ofereceu para fazer as compras do prédio e assim evitar que as pessoas idosas, suas vizinhas, tivessem de sair, fê-lo anonimamente e gerou, sem sequer o imaginar ou arquitetar, uma onda de proximidade solidária gigante. Tornou-se viral. E isto sim é um vírus bom!

 

Este é apenas um exemplo sem nome, mas outros exemplos existem. Muitos mesmo. Esta solidariedade que se revela de forma heroica nestes momentos, torna-nos mais humanos e mais próximos. Não deixa de ser curioso que muito do que antes dissemos em relação à revolução tecnológica e ao futuro, nomeadamente do futuro do trabalho, se aplica, afinal, já hoje. A revolução a que nos obriga esta pandemia e que não escolhemos nem planeámos irá alterar, certamente, a maneira de vivermos, de trabalharmos e de nos relacionarmos.

 

E em breve, talvez não nos apercebamos, mas começará a primavera. Ainda não conhecemos o futuro, mas agora já sabemos que a resposta deve ser integrada e abrangente, envolvendo todos os atores e todas as geografias.

 

AESE

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