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01 de Setembro de 2019 às 21:05

Liberdade, para que te quero?

A construção da harmonia entre as liberdades só pode ser encontrada naquilo que é comum a todos, ou seja, na dignidade e natureza da pessoa humana que nos define como iguais e na convivência em sociedade.

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Agosto brindou-nos com um turbilhão de acontecimentos. Economicamente, os sinais de uma recessão mundial continuam a avolumar-se e os dados mais recentes dão conta de um abrandamento generalizado nas principais economias mundiais, entre as quais se incluem o Reino Unido e a Alemanha. As perspetivas são especialmente incertas neste momento, devendo-se, sobretudo, a fatores como o Brexit e as guerras comerciais a nível global, com destaque para as relações EUA-China.

 

Ainda, no âmbito político e social, os incêndios na Amazónia, os violentos protestos em Hong-Kong, a questão dos migrantes e refugiados, em Itália e, a nível nacional, a contestação dos motoristas de matérias perigosas vieram corroborar o contexto de imprevisibilidade e vulnerabilidade no qual já nos habituámos a viver e conviver.

 

Estes temas e a dinâmica como cada um deles tem vindo a evoluir têm um denominador comum: os direitos e a sua defesa, sejam os direitos adquiridos por lei ou contratualizados ou os direitos que tenho, simplesmente, por ser um ser humano e, como tal, ter direito à vida, à liberdade, às minhas próprias ideias e escolhas, a expressá-las e defendê-las, a não ser atacado injustamente. Detenho-me na liberdade e destaco três ideias: a liberdade é pessoal, mas compartilhada e exige responsabilidade.

 

Como muitos dos direitos, também a liberdade é pessoal, é uma exigência humana. Não é dada, nem retirada por ninguém nem nenhuma entidade, exceto através de atos injustos e violentos, dando um sentido profundo ao compromisso pessoal. Sendo um ato de liberdade, é, porém, bem sabido como o compromisso é difícil, seja com propósitos pessoais, com prioridades, objetivos e prazos, com a equipa com que trabalhamos, com os amigos, com a família e cada um dos membros que a constitui, com a empresa ou instituição onde trabalhamos, com atitudes alinhadas com ideais em que acreditamos, etc.

 

Por ser (sempre foi) difícil, instala-se na sociedade uma cultura do provisório, do relativo, do transitório, com o argumento de que o importante é "viver o momento", que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, muito menos "para sempre", uma vez que não se sabe o que o amanhã reserva. Este paradigma social é ainda legitimado pelo mundo volátil, incerto, ambíguo e complexo (para utilizar os quatro adjetivos usuais) e tem repercussões que atravessam toda a sociedade. Tendencialmente, esquecido fica o futuro, o sonho, algumas oportunidades, a confiança, as relações, tudo o que necessita de pensamento e de estratégia a longo prazo, de tempo para germinar, de espera. Tudo o que afinal constitui o próprio fascínio do compromisso.

 

Cabe aqui recordar que existem valores, como a vida e a própria liberdade, que não dependem de consensos ou maiorias, nem de leis, nem de ideologias que, pelo contrário, na grande maioria das situações, inibem a própria liberdade. Neste âmbito, vale a pena refletir sobre a ideologia do género e a recente intervenção governamental, impondo, em nome da liberdade, orientações e, consequentemente, padrões de comportamento.

 

Um segundo aspeto sobre a liberdade é que, embora pessoal, é sempre uma liberdade compartilhada com os outros. E a construção da harmonia entre as liberdades só pode ser encontrada naquilo que é comum a todos, ou seja, na dignidade e natureza da pessoa humana que nos define como iguais e na convivência em sociedade, em concreto na criação das condições que permitem a cada um desenvolver-se e realizar-se livremente como pessoa.

 

É esta corresponsabilização que dá beleza à oportunidade de viver participando livre e ativamente nos campos económico, político, ecológico e social como uma exigência do respeito pela liberdade pessoal e a de todos os outros. Os movimentos cívicos, como no caso dos refugiados, de Hong Kong e da Amazónia, são expressão disto mesmo, embora com diferentes dimensões, formas e, nalguns casos, de uma forma violenta que os enfraquece.

  

Pelas considerações acima, é claro que o exercício da liberdade requer responsabilidade. Luis Cabral, grande amigo e professor da AESE e da NYU, distingue dois conceitos: liberdade extrínseca e intrínseca. Diz ele que normalmente pensamos em liberdade como ausência de constrangimentos exteriores (por exemplo, liberdade política ou liberdade de expressão), o que está na base da cultura ocidental e permite o desenvolvimento daqueles movimentos cívicos. 

 

No entanto, igualmente importante é o que podemos chamar liberdade intrínseca: a facilidade com que uma pessoa faz aquilo que considera que tem de fazer. Ora numa era de liberdade como nunca visto na história, justamente porque a liberdade extrínseca é tão vasta, a liberdade intrínseca assume um valor particularmente importante. E, citando Daniel Akst, acrescenta "com mais possibilidades para o prazer e menos regras e constrangimentos do que antes, os felizes serão os poucos que se saibam controlar a si próprios". 

 

É verdade que a educação para a liberdade em família tem aqui um papel incontornável e imprescindível, porém, não é menos verdade que na medida em que o impacto das nossas decisões, em nós próprios e nos que nos rodeiam, aumenta, é imprescindível a formação continuada no sentido de tomarmos boas decisões, esclarecidas e eticamente corretas.

 

AESE

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