Opinião
A Europa e a Lua
A eleição de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia reveste-se de um significado diferente: trata-se da primeira mulher a assumir este que é o cargo executivo de maior poder na União Europeia.
A História da Humanidade está repleta de decisões, acontecimentos e memórias que refletem a própria natureza humana na sua determinação, grandeza e profunda convicção em causas e ideais grandes e inspiradores. Reiteradamente, nas mais variadas circunstâncias, muitas delas violentas, adversas e delicadas de gerir, emergem estratégias de liderança que abrem novos caminhos para o desenvolvimento humano e prosperidade.
A História não nos ensina porque não se repete exatamente, mas com ela podemos aprender. Com ela podemos aprender, por exemplo, a contextualizar e ponderar as situações, a considerar efeitos de longo prazo, a entender a relevância das ideias. Sobretudo, podemos aprender a acreditar que o futuro, sendo mais ou menos previsível, não está fechado e se constrói a partir da liberdade humana.
Nesta última quinzena, vivemos dois factos que, nada tendo a ver com o dramatismo de outras conjunturas históricas são exemplos, pela positiva, do desbravar de caminhos inovadores em contextos de mudança tecnológica, política, económica e social. Refiro-me à eleição de Ursula von der Leyen para presidente Comissão Europeia, a 16 de Julho, e a celebração dos 50 anos da chegada do Homem da Lua, a 20 de Julho.
Há cinquenta anos, dois astronautas da NASA, Neil Armstrong e Buzz Aldrin, pousavam na Lua, concretizando um objetivo emblemático na estratégia espacial. Sobre este feito ressalto apenas 3 notas: em primeiro lugar, o sucesso deste projeto é um sucesso coletivo, deveu-se a uma vasta equipa multidisciplinar com um forte sentido de missão; em segundo lugar, o legado desta iniciativa é propriedade e responsabilidade de toda a humanidade; em terceiro lugar, o desembarque na Lua coloca a ciência e a tecnologia num patamar diferente, introduzindo possibilidades inimagináveis até então.
A eleição de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia reveste-se de um significado diferente: trata-se da primeira mulher a assumir este que é o cargo executivo de maior poder na União Europeia. Curiosamente foi criado no mesmo ano em que Ursula nascia. Foram necessários 60 anos para que uma mulher viesse a ser eleita pelos seus pares e, mesmo assim, não foi a candidata natural do seu partido. Esta mulher, médica, casada e mãe de sete filhos, política por educação e vocação, líder crente na Europa e comprometida com a busca de soluções para os desafios sociais que hoje se colocam, nomeadamente o (des)emprego, a juventude, a conciliação entre a vida familiar e profissional e a ascensão das mulheres a cargos executivos, é mais um exemplo de um novo paradigma de liderança e convivência executiva que se vai afirmando seja no mundo político seja no mundo empresarial.
Embora diferentes, estes dois eventos têm em comum o facto de serem pioneiros e impactantes no seu âmbito e à sua maneira. E cada um, à sua maneira também, abre um horizonte vasto e desafiante para o futuro, que exige inteligência e diálogo.
Na realidade, o desenvolvimento tecnológico permitiu resolver inúmeros problemas até há poucos anos inultrapassáveis e proporcionou valiosas contribuições para melhorar a nossa qualidade de vida, mas, paradoxalmente, pode exercer também um certo encantamento perigoso. O "poder fazer" aliena por vezes o "quem" faz, o "para quê" e o "para quem" se faz. A razão humana desumaniza-se, transformada numa racionalidade que se reduz à ação em si mesma, esquecida do seu contexto, da intenção e das suas consequências.
A recente crise financeira e algum tipo de discurso sobre a revolução digital e a inteligência artificial são aliás exemplos de uma reduzida autoconsciência dos limites que não se devem ultrapassar, dos riscos que não se devem correr. A verdade é que as decisões estratégicas são (devem ser) essencialmente decisões políticas e não técnicas, visando o bem-comum, a sustentabilidade e o desenvolvimento integral de todos. E é verdade para todas as organizações humanas, desde a União Europeia às empresas ou instituições onde trabalhamos. Os critérios de governo, antes de tudo, são políticos e éticos, mais além dos critérios técnicos ou de gestão.
Mas no campo da política, o inebriamento também se dá, normalmente por se considerar a liderança - tal como o poder - como um fim em si mesmo e não um meio. Ora, citando o prof. Pedro Ferro da AESE, "Mais do que distintivo de excelência pessoal do líder, a liderança existe para servir um projeto nobre e maior do que o líder. Legitima-se pelo sentido e valores que imprime no rumo dos acontecimentos e nas ações dos que o seguem". Neste sentido, razão tinha o poeta, também professor, António Gedeão, quando afirmava que, hoje e sempre, é o sonho que faz o mundo pular e avançar.
AESE