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Gerir o quê per capita em 2021?

Claro que o que queremos é maximizar o numerador do PIB per capita e de muitas outras variáveis per capita. Mas, neste momento, temos de cuidar ainda mais do denominador. Se isso implicar fechar escolas e universidades durante algumas semanas, que seja.

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Achámos todos que tínhamos tido um 2020 difícil e passámos de ano cheios de esperança na nova vacina e na capacidade de encerrarmos a pandemia em 2021. Todos queríamos voltar às antigas preocupações de taxas de crescimento relativamente baixinhas do nosso PIB per capita e da dívida. Todos começámos a viver mentalmente, por antecipação, a retoma de todas as atividades económicas com o apoio adicional do plano de recuperação e resiliência. Voltámos a pensar na economia como sempre foi. Só que a realidade mostra-nos que ainda não pode ser. Antes da recuperação vai ser preciso sermos mais resilientes ainda.

Como se vê, é humano agarrarmo-nos a uma esperança (às vezes até é só fé) e ajustarmos comportamentos de acordo com isso. Houve um aligeirar de cuidados pessoais e um acréscimo de socialização de muitos de nós. E não apenas por causa do Natal. Porque foi possível, porque estávamos saturados de estar fechados ou sozinhos e porque não convivemos diretamente com casos graves à nossa porta.

O raciocínio por trás destes comportamentos mais permissivos do final de 2020 até agora não está completamente errado: espera-se que venha a vacina e diz-se que é eficaz e cada um acha que é forte e vai conseguir evitar ser infetado ou passar pela covid de forma assintomática. Na verdade, enquadrados na teoria económica e da gestão, também encontramos muitos exemplos de comportamentos que refletem uma estimativa exagerada de cada um quanto às suas capacidades relativas, em particular em perfis mais autoconfiantes ou bem-sucedidos na vida. Exemplo simples: quem não é um condutor “acima da média”? Ou, na gestão, que “top manager” não sofre de “húbris”*?

Feito este enquadramento, chegámos à situação atual. A pandemia continua a galopar a bom ritmo pelo mundo e em Portugal atinge atualmente números dramáticos. Relatos que nos chegam das autoridades e de profissionais de saúde que indicam que se estão a atingir limites de capacidade de resposta a quem adoece – com covid ou outras patologias. Para além de limites físicos de recursos como metros quadrados e equipamento médico, também há os limites humanos dos profissionais do setor, que vão acumulando desgaste e saturação.

A produção, a distribuição e, consequentemente, a administração de vacinas estão a progredir a uma taxa muito menos veloz do que a pandemia. E, enquanto isso acontece, a pandemia progride. E, com ela, perdem-se vidas. Muitas vidas. Hoje, mais 218 registadas. Claro que há a economia e termos de ser capazes de “pagar isto tudo”. Mas – diz a minha intuição económica – enquanto não formos capazes de travar a pandemia a fundo, não vamos ser capazes de vacinar tranquila e generalizadamente toda a população. Até isso acontecer não seremos capazes de fazer uma recuperação económica sólida e com verdadeira estratégia.

Podemos estar, na verdade, a atrasar a possibilidade de virmos a ter uma recuperação a sério quando achamos que estamos a deixar a economia ir funcionando aos soluços. Aliás, números galopantes da pandemia podem prejudicar a atratividade futura do nosso país em setores como o turismo ou mesmo a educação, por exemplo; nunca me esquecerei do número impressionante de candidatos italianos aos mestrados do ISEG na primavera de 2020. Em busca de um “porto seguro”.

Sou profundamente solidária com quem tem de tomar decisões difíceis nestes tempos. Acho, porém, que também tenho o dever de trazer uma opinião equilibrada e de manifestar preocupação com a perda atual de vidas. Elas têm valor. Claro que o que queremos é maximizar o numerador do PIB per capita e de muitas outras variáveis per capita. Mas, neste momento, temos de cuidar ainda mais do denominador. Se isso implicar fechar escolas e universidades durante algumas semanas, que seja. Isso traz problemas de gestão de tempo e saturação a quem tem filhos pequenos e está em teletrabalho. Prejudica a escolaridade, é certo. Mas também vamos tendo tantas situações de isolamentos profiláticos e infeções, que acabamos por ter um ano inevitavelmente perturbado.

Sem vontade alguma de me confinar (para além de que o ISEG está em exames presenciais), tal como qualquer português, aceitá-lo-ei se assim for instruída. Levarei à risca. Diz-me a experiência pessoal e profissional que resolver situações complexas, em que a coordenação entre muitas pessoas é essencial, só funciona com regras simples – de compreensão e de implementação. Em especial num regime democrático como é, felizmente, o nosso.

E, por falar nisso, é essencial ir votar nas Presidenciais. Com máscara, com um abundante frasco de gel desinfetante no bolso, sem conversas com ninguém, com o recato que o momento exige. Já agora, votando em alguém que não nos envergonhe, se preocupe connosco e com o país, respeite a Constituição e nos represente com nível em qualquer parte do mundo. Cuidemos uns dos outros. Todos.

P.S. – Já no ISEG, estamos cheios de novidades! Tudo em andamento e em modo futuro! Stay tuned... é já para a semana...

*De forma algo simplista, "Húbris" em gestão refere-se, tipicamente, a comportamentos induzidos por excesso de confiança, que podem acabar por levar à queda de "heróis".



Dean do ISEG - Lisbon School of Economics & Management

Universidade de Lisboa



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