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Quanto tempo demoram os mercados a curar os vírus?

O padrão comum das epidemias neste século é uma queda forte no início, rapidamente superada um ano depois.

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(Comente aqui o artigo de Ulisses Pereira)

Finalmente os mercados cederam ao coronavírus. As quedas violentas assolaram as bolsas mundiais que viveram a pior semana desde a crise do "subprime" em 2008. As emoções estão à flor da pele e o acompanhamento ao minuto do fenómeno de propagação da epidemia ajuda a fazer subir o clima de medo na sociedade e nos mercados.

Perdoem-me o tom desapaixonado deste artigo. Não significa que esteja menos solidário com as vítimas ou menos preocupado com a saúde pública. Mas, em momentos de pânico, para um analista de mercados é importante fazer uma análise fria sobre a situação, olhando para os números. Deixarei para o final, a análise técnica e os efeitos do terramoto da semana passada nos gráficos. Por agora, creio que é interessante perceber o que aconteceu aos mercados depois de anteriores epidemias e dediquei-me ao estudo dos seus efeitos.

É inegável que o coronavírus vai ter um impacto no crescimento económico, difícil ainda de quantificar, mas esse não é o propósito deste artigo que pretende deixar pistas para o que pode ser a evolução dos mercados acionistas. No século XXI, assistimos ao aparecimento de algumas epidemias de grande escala. Dengue, ébola, zika, cólera são alguns dos mais tristes exemplos. O padrão do mercado na esmagadora maioria desses casos foi semelhante, mas vou aqui apenas apresentar os números das epidemias que considero terem mais semelhanças com o coronavírus - o SARS (síndrome aguda respiratória grave) e o H1N1 de 2009 (uma vez que há diversas versões do vírus que ainda hoje continua a matar pessoas).

Depois de o SARS ter sido conhecido, o S&P perdeu cerca de 12% em três meses, enquanto o PSI perdeu cerca de 8%. Um ano depois do início da epidemia, o S&P apresentou ganhos de cerca 15% e o PSI cerca de 9%. E um investidor que tenha entrado no fim da epidemia teria ganhos de cerca de 20% no S&P e 22% no PSI-20!

No que toca ao H1N1 de 2009, o S&P perdeu cerca de 10% nos primeiros três meses após a epidemia se ter tornado pública, enquanto o PSI conseguiu perder apenas 3%. Um ano após a epidemia, o S&P ganhava cerca de 20% e o PSI cerca de 30%. E aqueles que esperaram pelo final da epidemia para entrarem no mercado, no S&P teriam ganho cerca de 36% após um ano e no PSI cerca de 34% no mesmo período.

Analisei para todas as outras epidemias que referi e a tendência é a mesma. Será legítimo compararmos, por exemplo, o SARS e o H1N1 de 2009 com o coronavírus? O SARS era claramente o mais letal mas a sua transmissibilidade era muito mais difícil, enquanto o H1N1 de 2009, apesar de ter matado muitas pessoas era menos letal e a transmissibilidade bem mais baixa do que o coronavírus. A grande questão é saber até onde irá evoluir o coronavírus e essa, obviamente, é a resposta que todos gostariam de saber. Mas vai a caminho de ultrapassar em grande escala os exemplos citados.

Outro aspeto importante tem a ver com o momento do mercado. Quer em 2002/2003 quer em 2009, o mercado vinha de dois anos de violentos "bear markets" (o crash das "dotcoms" e a crise do "subprime"). Atualmente, as principais bolsas mundiais vivem um dos mais longos "bull markets" de que há memória, pelo que a noção do "barato" não se torna tão óbvia. Será que a recuperação será tão rápida e forte como nessas ocasiões? Apesar destas questões, o padrão comum nestas epidemias neste século é uma queda forte no início, rapidamente superada um ano depois. Esse é o padrão de quase uma dezena de epidemias neste século, mas não sabemos ainda a escala que o coronavírus poderá tomar nem conhecemos a reação de um mercado há tantos anos em "bull market" a um fenómeno destes.

Como sempre friso, são os gráficos que marcam as minhas posições sobre o mercado. As quedas violentas do início da semana passada fizeram quebrar, logo na segunda-feira, a linha de tendência ascendente que vinha suportando as subidas do PSI, dando o primeiro grande sinal de fraqueza do mercado nos últimos meses. Na quarta-feira, o índice quebrou o suporte horizontal dos 5.050 pontos, dando o segundo sinal consecutivo de fraqueza e deitando por terra o domínio dos touros dos últimos meses.

Os mercados vão continuar a cair enquanto o coronavírus se mantiver ativo? Não, pois o vírus não se exterminará tão cedo, sendo muito provável que durante largos meses ele continue por aqui a fazer estragos. Mas a reação do mercado ao mesmo é que poderá mudar. Nesta altura, qualquer notícia sobre um novo país com infeções, sobre mais casos num determinado país, faz o medo aparecer e os mercados afundarem. Um dia (daqui a semanas ou meses, é impossível quantificar), os mercados já olharão para essas notícias com uma cruel e fria normalidade e já nem reagirão a isso.

É assim que os mercados funcionam e, quando os mercados começarem a ignorar as más notícias quanto ao coronavírus, será o sinal que já terão incorporado completamente o vírus nas suas cotações. Não falo de subidas esporádicas, até porque acredito que esta semana tem elevadas probabilidades de subidas como normal ressalto à queda forte da última semana. Perceberemos quando o mercado começar a ignorar as más notícias, quando as subidas forem sustentadas.

A história dos mercados está cheia de vírus. O coronavírus prepara-se para se tornar o vírus que mais impacto teve nos mercados financeiros. Resta saber se a história se repetirá. Tem a palavra o mercado.


Artigo escrito em 28/02/20 às 12h00
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
www.nyse.com


Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui, onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
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