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Adeus, 16 anos depois

É preciso sairmos no momento certo e esta é a altura para deixar de escrever sobre Bolsa.

É com muita emoção que vos escrevo. Ao fim de 24 anos a escrever sobre Bolsa e de 16 anos a escrever ininterruptamente aqui no Jornal de Negócios, decidi que era tempo de terminar e fechar um ciclo da minha vida. Acabou. Este é o meu último artigo.

A Bolsa foi a minha vida e vocês, leitores, foram a minha casa. Acolheram-me, acarinharam-me, elogiaram-me, criticaram-me, agarraram as minhas palavras e, por isso, sinto que nunca as escrevi em vão. Em alguns momentos elas ganhavam vida própria, voavam até vocês como se nada pudesse fazer para as impedir. E, nas ocasiões mais loucas dos mercados (lembram-se quando os futuros do crude negociaram abaixo de zero?) elas acotovelavam-se para chegarem a vocês num ritmo frenético.

Quando se deixa uma casa há sempre nostalgia. Deixamos memórias, saudades e levamos connosco sentimentos. Como vos escrevi acima, ao longo destes anos vocês foram a minha casa. Nunca é uma decisão fácil. Sinto um vazio de vos deixar de ter aí, mas sinto alegria e orgulho no que criei ao longo de todo este tempo.

Tentei, desde 1999, mostrar que escrever ou falar sobre Bolsa pode ser leve e que os mercados são muito mais do que um amontoado de números. São as pessoas que os fazem e são os sentimentos que os movem. Tentei desconstruir os lugares-comuns que por aí abundam sobre os mercados e, quando não havia explicação para os movimentos, não tive nunca problema em o dizer. Os mercados não são uma ciência e quem, todos os dias, explica o porquê dos movimentos dos mercados ou engana os outros ou ainda conhece muito pouco deste bicho indomável que é a Bolsa.

Quero agradecer ao Jornal de Negócios por estes 16 anos. Nunca fui condicionado, senti-me sempre livre para escrever sobre o que quis e da forma que melhor entendia. Não sendo possível agradecer a todos com os quais trabalhei, quero deixar um agradecimento especial ao Pedro Santos Guerreiro que me convidou a escrever no Negócios e a juntar o Caldeirão de Bolsa ao maior jornal económico português. Se os leitores foram a minha casa, o Negócios foi o meu lar e sempre me senti cómodo, confortável e sem medo de arriscar dizer o que achava, algo extremamente difícil nos dias que correm em que o politicamente correcto se tornou uma força de bloqueio.

Juntos recordámos tempos idos da nossa Bolsa e histórias que ficarão para a história. O Urso Misha e o Touro Bil foram criados para tornar mais leve os assuntos dos mercados para, com humor, apresentasse argumentos optimistas e pessimistas mas, sobretudo, para que não nos levemos tão a sério, seja a falar sobre mercados seja noutra coisa qualquer. Várias foram as vezes em que fugi ao dia-a-dia dos mercados e reflecti sobre a nossa postura em relação a eles.

Sem que se apercebessem, durante mais de 20 anos, foram uma peça chave no meu equilíbrio emocional que é sempre tantas vezes testada por esse ser sem sentimentos que se chama mercado. Desabafei algumas vezes sobre o dia-a-dia de um "trader" e como, tantas vezes, as luzes verdes e vermelhas a piscar à nossa frente incessantemente nos fazem menos humanos, fazem-nos esquecer as tragédias do mundo real e só quando a Bolsa fecha e saímos à rua é que percebemos que naquele dia choveu.


Não vos posso dizer que hoje é um dia feliz. Mentiria. Já tenho saudades deste espaço, de vocês e das palavras que sempre voaram com facilidade na vossa direcção. Mas sei que é preciso sairmos no momento certo e esta é a altura para deixar de escrever sobre Bolsa.

Obrigado pela companhia e carinho durante os últimos 16 anos. Que tempos felizes que vivemos aqui.


Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
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