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Pense primeiro, clique depois

Há cerca de 20 anos atrás, já era um apaixonado pela Bolsa. Mas, ao contrário de hoje, não havia Internet (pelo menos para o comum dos portugueses) nem a possibilidade de, à distância de um clique

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Há cerca de 20 anos atrás, já era um apaixonado pela Bolsa. Mas, ao contrário de hoje, não havia Internet (pelo menos para o comum dos portugueses) nem a possibilidade de, à distância de um clique, acompanharmos a evolução das cotações. A maior parte dos portugueses interessados pelos mercados ouvia as cotações na TSF 2 ou 3 vezes por dia ou ligava para o seu Banco para saber como estavam as cotações se quisesse comprar ou vender.


Eu seguia boa parte das sessões no Banif, em Aveiro, que disponibilizava uma sala com uns ecrãs onde passavam as cotações. Éramos cerca de 10 pessoas que, habitualmente, ali estávamos, de pé, a ver os números passar, comentando o que ia acontecendo ou, simplesmente, a falar de outra coisa qualquer. Recordo-me que, sempre que alguém dizia que ia comprar uma acção, gerava-se um burburinho e discutia-se o acerto de tal decisão.


Quando estudava na Faculdade de Economia do Porto, descobri que havia um terminal da Reuters na faculdade onde meia dúzia de apaixonados conseguia ter acesso a tudo o que à Bolsa dizia respeito: Cotações, notícias e gráficos. E até as cotações dos futuros conseguíamos ver, algo que na época parecia um feito do outro mundo. No início, visitava o terminal no intervalo das aulas, mas passados 2 anos de faculdade, as aulas apenas eram visitadas depois da Bolsa fechar. As minhas notas sofreram muito e a minha paixão pela Bolsa virou amor eterno (sim, mesmo nos dias em que a Bolsa me faz sofrer, encaro sempre como quando as coisas correm mal no amor: faz parte).


Esta introdução ao artigo de hoje prolongou-se bem mais do que eu pretendia, mas a nostalgia aguça a vontade de escrever, contar, narrar aquilo que passei e que me trouxe até aqui. Na verdade, o que queria sublinhar é que era muito escassa a informação em tempo real sobre os mercados.


O mundo mudou e hoje todos os investidores têm acesso, em tempo real, às cotações, gráficos e notícias através da Internet. A negociação on-line fez com que as pessoas perdessem a noção de que há um intermediário financeiro que realiza as operações. Antes do aparecimento da Internet, as ordens eram dadas de viva voz (junto do corretor, presencialmente ou através do telefone). Agora, a presença humana parece ter desaparecido, pois basta um clique para a ordem ser dada.


O aspecto da presença humana parece um pequeno pormenor, mas eu considero-o de fulcral importância. No passado, o investidor antes de dar uma ordem sabia que do lado de lá iria ser ouvido por uma pessoa e que lhe tinha de dizer "Compra X". A hipótese de estar a tomar uma decisão disparatada, levava sempre o investidor a repensar se aquela seria a melhor decisão. Hoje em dia, esse medo de estar a cair no ridículo desapareceu e muitas vezes as ordens são dadas sem a necessária reflexão.


Por outro lado, há softwares tão eficientes que a ordem é executada quase instantaneamente a partir do momento em que se carrega no botão, sem sequer o investidor ser obrigado a confirmar a ordem. É por isso que, em tom de brincadeira, costumo dizer a algumas pessoas que o "software" que uso para negociar quase não tem defeitos e, por mais paradoxal que possa parecer, o único defeito que encontro é ser eficiente demais.


Tudo parece fácil, eficaz e convida os investidores a negociarem constantemente. É por isso que considero que, nos dias de hoje, a disciplina do investidor assume um papel ainda mais decisivo no seu sucesso nos mercados. Há que ser disciplinado na escolha dos mercados a negociar e no cumprimento dos planos previamente definidos, não negociando ao sabor dos seus instintos.


Esta revolução on-line foi um enorme passo em frente para os pequenos investidores, dando-lhes armas que estavam apenas ao alcance dos institucionais. Mas, na minha opinião, ao perderem o tempo para pensar, muitos investidores foram engolidos no ritmo frenético do dedo a clicar no botão.


Há que parar para pensar. Resistir à tentação de navegar ao sabor do "feeling", da tentação do botão do rato ou de ir atrás daquele gráfico que parece subir até ao céu. A tecnologia é uma arma ao serviço do Homem, mas há que a saber usar e, sobretudo, não podemos deixar de pensar. Reflectir e planear cada "trade" é hoje, mais do que nunca, decisivo. Sob pena de sermos arrastados pela vertigem do ritmo dos dias de hoje.


Um mundo de oportunidades se abriu com o aparecimento da "rede", mas há que não esquecer os perigos e armadilhas que em si encerra. Hoje, confesso que teria muitas dificuldades em negociar sem ser através da Internet. Mas não nos podemos esquecer de pensar. Conte até 50 antes de carregar no botão. Ou então, consulte as notas que escreveu na véspera sobre o seu plano para a sessão de hoje. Mas, por favor, não deixe que o seu dedo indicador seja mais forte que o próprio cérebro. Porque Lucky Luke - que disparava mais rápido que a sua própria sombra - só há um. E vive no mundo da banda desenhada.

 

Nem Ulisses Pereira, nem os seus clientes, nem a DIF Brokers detêm posição sobre os activos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui

Analista Dif Brokers
ulisses.pereira@difbroker.com

 

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