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07 de Janeiro de 2020 às 09:20

Plágio e o combate ao “pensamento por alto”

Plagiar é enganar os outros, porque significa apresentar como nosso algo que não é, tratando-se por isso de um embuste e da transmissão de uma falsa imagem de nós e das nossas capacidades, simulando uma criatividade, um empenho e um esforço que não tivemos

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Em 9 de dezembro, no Dia Internacional contra a Corrupção, foi-me dado o encargo (desafiante e gostoso) de - na Escola Secundária Padre Alberto Neto, Queluz, numa organização do Conselho de Prevenção da Corrupção e do Comité Olímpico - fazer uma apresentação sobre plágio, para uma plateia constituída maioritariamente por alunos daquela escola (crianças e adolescentes, portanto). Aliás, dias antes, e uma vez mais por causa da minha pertença àquele Conselho, fui brindado com uma pequena atenção pública, desta feita por parte de uma cronista que, no seu espaço intitulado "Pensar alto", fez eco, telegráfico, de algo que, suponho, terá lido ou ouvido - e, se não leu ou ouviu, acertou no conteúdo e no tom - de uma outra pessoa que, de vez em quando, vaza nas redes sociais a mesma opinião (e que é também, sobre mim e não só, um processo de intenções). Ora, tal atenção é uma distinção que não mereço (mais a mais de quem não me conhece), e a que, salvo o devido respeito, não dou atenção e muito menos importância, e não sou de responder a este tipo de coisas, creio aliás que é a primeira vez que o menciono publicamente. Cada qual diz o que pensa, livremente, e cada qual pensa o que quer, sabendo ou não do que fala. E não sou de me ofender, não só porque só ofende quem pode, mas também porque, como diria o outro, quem não suporta o calor não deve estar na cozinha. Só o menciono hoje aqui, porque essa pequena atenção me ajudou na preparação do que diria nesse evento. Fica a referência, e o agradecimento. Dividi a apresentação ("plágio: crime, erro, engano e preguiça") em quatro partes, e foi à última que dei mais ênfase, sendo que foi nessa que a tal atenção pública mais me inspirou.

 

Procurei dizer à plateia, sobretudo aos jovens que me ouviam, que o plágio (nas suas diversas formas, desde o integral ao conceptual, passando pelo plágio mosaico) constitui crime na nossa ordem jurídica, embora com outra designação (contrafação), e também que, do ponto de vista ético e da sã convivência social, usar sem autorização ou sem essa menção clara as palavras ou outras criações de terceiros é tão errado, e nefasto, quanto a apropriação do telemóvel, do lanche, da mochila ou de qualquer outro bem material dos colegas, por exemplo, constituindo, pois, uma forma de tirar a cada um o que é seu. Partes um e dois da apresentação, portanto. As mais simples, e evidentes. Mas procurei transmitir-lhes duas outras coisas, pelo menos tão importantes quanto aquelas, ainda que talvez não tão óbvias numa primeira abordagem da questão (mas as primeiras abordagens muitas vezes não são suficientes e levam-nos por maus caminhos, não é?).

 

Uma, plagiar é enganar os outros, porque significa apresentar como nosso algo que não é, tratando-se por isso de um embuste e da transmissão de uma falsa imagem de nós e das nossas capacidades, simulando uma criatividade, um empenho e um esforço que não tivemos, e de que porventura não somos capazes ou que, pelo menos, não procurámos. Ora, isto pode passar "muito bem" numa sociedade de aparências e de ideias rápidas e sedutoras, mas está muito mal se, como devemos, privilegiarmos a autenticidade, o aprofundamento, a problematização. Outra, plagiar é o cultivo, e o elogio, da preguiça, que embota o desenvolvimento pessoal, porque, em vez de se trabalhar, estudar, ponderar, ser curioso e cuidadoso, se segue o caminho mais fácil, neste caso o de fazer nosso o que é de outros. O plágio é, sobretudo numa sociedade como a atual - muitas vezes dominada pela superficialidade, pela facilidade e pela precipitação, e marcada pelo gosto do ruído e das sensações, e também pela escassez de análise -, algo que deve ser repudiado com firmeza, em especial na educação dos jovens, tanto mais quanto ele é tão fácil com as ferramentas da modernidade. Para mim, este é talvez o aspeto que mais se deve enfatizar, e diz-me muito, não só porque não tenho dívidas para com ninguém e tudo devo ao esforço, ao estudo e ao trabalho de uma vida, mas também porque se há coisa que na sociedade atual me entristece e preocupa é o "pensamento por alto" (mesmo quando, ou sobretudo, ele soa bem). E para isso o plágio dá, entre outras causas, um contributo muito frutífero; mas é fruta envenenada, cujos efeitos, mais tarde ou mais cedo, se farão sentir.

 

Advogado

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