Opinião
PS: o problema final
E enquanto a mediania Passista se legitima a si própria na sua autoritária defesa da austeridade, os caminhos de Mário Centeno não têm casamento possível com o que os seus potenciais parceiros defendem.
Há um problema deliberadamente escamoteado para explicar o impossível - como foi um líder, proclamado entre pares como o vencedor garantido, perder umas eleições contra o governo mais impopular dos últimos 30 anos. Tal questão, ao contrário do que uma leitura imediatista possa sugerir, não se dissolve com a posse de um governo de esquerda; pelo contrário, as dificuldades do exercício do poder, tenderão a agudizá-la.
A questão política, que se constrói organicamente a partir da questão constitucional (leia-se, o desenho do regime semi-presidencialista em que vivemos), nasce deliberadamente das omissões da Lei Fundamental em relação até que ponto pode - ou não - o Presidente rejeitar governos, mesmo com maioria assegurada na Assembleia da República. E isto faz parte da nossa imunologia contra o abuso, e nada tem que ver com os intérpretes actuais.
Ora, o jogo está nisto: a estabilidade não se encerra na existência de uma maioria, mas na interpretação que o Presidente fará dela - e, sendo isto matéria política sujeita à discordância ou concordância, é, do ponto de vista da salubridade, indesmentível. A maioria parlamentar é desejável do ponto de vista formal, mas não necessária e, tão pouco, suficiente: se assim não fosse, como teria Jorge Sampaio dissolvido a maioria que sustentava o Governo de Pedro Santana Lopes? Jorge Sampaio, de pleno direito, entendeu que a "estabilidade" não se esgotava na aritmética do hemiciclo; sabemos bem porquê, aliás, e eu suspeito que Cavaco Silva tenha em mente o mesmo tipo de razões, fundadas numa campanha desastrosa de Costa, a que se segue uma inversão programática inusitada do "programa Centeno" para a luta de classes, que não se encontra sequer devidamente legitimada dentro do próprio PS.
O mesmo Jorge Sampaio decidiu, em 1996, dar a Carlos César a Presidência do Governo Regional dos Açores, apesar da maioria de direita que o plebiscito tinha ditado em termos de distribuição de mandatos parlamentares (CDS e PSD aliaram-se pós-eleições, tal como tentam agora PS, PC e BE).
Neste momento, o conceito de "estabillidade" - cuja subjectividade assegura a democraticidade do sistema, já que a sua interpretação parlamentarista literal foi sempre o esteio prepotente para a chegada de autocratas ao poder, incluindo Oliveira Salazar - está na apreciação livre do Presidente em relação aos acordos e o seu significado a nível da compatibilidade programática que estes possam assegurar; ou seja, e como deve ser em democracia, o conceito de estabilidade política deriva da responsabilização mútua. E eis-nos chegados ao Largo do Rato e ao problema final - a responsabilidade dos partidos do poder no descrédito a que chegámos, plasmada na gigante abstenção e na dispersão do voto do centro para os extremos.
E enquanto a mediania Passista se legitima a si própria na sua autoritária defesa da austeridade (estratégia que Sócrates, em desespero de causa, também tentou usar, através dos sucessivos PECs), os caminhos de Mário Centeno não têm casamento possível com o que os seus potenciais parceiros defendem. Não foi por acaso que Cavaco Silva lembrou, no seu discurso, a proximidade entre PS e PSD em aspectos essenciais como a economia de mercado ou o respeito pelo Tratado Orçamental. É essa proximidade que, se pensarmos a frio, justifica e dá coerência à subida do Bloco de Esquerda nestas eleições. Identificar o problema de posicionamento do PS não é uma questão de preferência política; é uma questão que deriva da própria razão de existir do Partido Socialista, e que carece de muito mais do que meia dúzia de frases indignadas e respectivas profecias auto-realizadas para ser resolvida.
O problema que o PS tem pela frente - e que o fragiliza de forma notória e evidente - é que caminho terá o Partido depois do estouro planetário da Terceira Via. A figura mórbida de Tony Blair esta semana, pedindo desculpa pelos erros na guerra do Iraque, é disso prova eloquente. Esse abalo tectónico levou já o Labour a guinar à esquerda no sentido mais marxista do termo, ao eleger Corbyn para líder. Depois, claro, do seu antecessor se ter demitido na sequência de uma derrota eleitoral.
A questão política, que se constrói organicamente a partir da questão constitucional (leia-se, o desenho do regime semi-presidencialista em que vivemos), nasce deliberadamente das omissões da Lei Fundamental em relação até que ponto pode - ou não - o Presidente rejeitar governos, mesmo com maioria assegurada na Assembleia da República. E isto faz parte da nossa imunologia contra o abuso, e nada tem que ver com os intérpretes actuais.
O mesmo Jorge Sampaio decidiu, em 1996, dar a Carlos César a Presidência do Governo Regional dos Açores, apesar da maioria de direita que o plebiscito tinha ditado em termos de distribuição de mandatos parlamentares (CDS e PSD aliaram-se pós-eleições, tal como tentam agora PS, PC e BE).
Neste momento, o conceito de "estabillidade" - cuja subjectividade assegura a democraticidade do sistema, já que a sua interpretação parlamentarista literal foi sempre o esteio prepotente para a chegada de autocratas ao poder, incluindo Oliveira Salazar - está na apreciação livre do Presidente em relação aos acordos e o seu significado a nível da compatibilidade programática que estes possam assegurar; ou seja, e como deve ser em democracia, o conceito de estabilidade política deriva da responsabilização mútua. E eis-nos chegados ao Largo do Rato e ao problema final - a responsabilidade dos partidos do poder no descrédito a que chegámos, plasmada na gigante abstenção e na dispersão do voto do centro para os extremos.
E enquanto a mediania Passista se legitima a si própria na sua autoritária defesa da austeridade (estratégia que Sócrates, em desespero de causa, também tentou usar, através dos sucessivos PECs), os caminhos de Mário Centeno não têm casamento possível com o que os seus potenciais parceiros defendem. Não foi por acaso que Cavaco Silva lembrou, no seu discurso, a proximidade entre PS e PSD em aspectos essenciais como a economia de mercado ou o respeito pelo Tratado Orçamental. É essa proximidade que, se pensarmos a frio, justifica e dá coerência à subida do Bloco de Esquerda nestas eleições. Identificar o problema de posicionamento do PS não é uma questão de preferência política; é uma questão que deriva da própria razão de existir do Partido Socialista, e que carece de muito mais do que meia dúzia de frases indignadas e respectivas profecias auto-realizadas para ser resolvida.
O problema que o PS tem pela frente - e que o fragiliza de forma notória e evidente - é que caminho terá o Partido depois do estouro planetário da Terceira Via. A figura mórbida de Tony Blair esta semana, pedindo desculpa pelos erros na guerra do Iraque, é disso prova eloquente. Esse abalo tectónico levou já o Labour a guinar à esquerda no sentido mais marxista do termo, ao eleger Corbyn para líder. Depois, claro, do seu antecessor se ter demitido na sequência de uma derrota eleitoral.