Opinião
Nicolau do Vale Pais
18 de Setembro de 2015 às 00:01
O Governo caiu do céu, foi?...
Esta semana fica marcada por dois momentos que devem ser respeitados no seu preciso significado político.
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Que mais vês tu no escuro abismo do Tempo?…"
Prospero à sua filha Miranda, em "A Tempestade", William Shakespeare
Concordo com o que dizia Manuel Villaverde Cabral ao Observador acerca das especulações mediáticas várias, próprias de um período de campanha: "eu sou dos que permanecem convencidos que as realidades concretas da última década e, sobretudo, a recuperação dos derradeiros quatro anos, terão mais peso do que se crê nos resultados eleitorais, por mais que a comunicação social insufle a sua ideologia". Esta semana, no entanto, fica marcada por dois momentos que devem ser respeitados no seu preciso significado político:
- A revelação pública da carta de Pedro Passos Coelho ao Governo de José Sócrates em 2011, um documento confidencial;
- O momento em que, no debate radiofónico transmitido ontem, Pedro Passos Coelho pergunta a António Costa, e Costa não responde: "como vai poupar 1000 milhões na Segurança Social?" (estamos a falar de uma verba quinze vezes superior ao apoio da troika)
Se dou importância ao primeiro, é porque ele confirma a completa incapacidade desta direcção do PS em assumir a sua responsabilidade no "Estado da Nação", o que coloca o PS na rota inversa da sensatez e prudência que estas eleições, no seu contexto nacional e internacional, mereceriam. Vimos uma manobra de "circo" e a tentativa de ler o que lá não está escrito: o documento mostra até responsabilidade política e sentido de Estado por parte do actual PM, na altura líder da oposição. Dizer que a disponibilidade para colaborar com o Governo, que Passos na altura manifestou, é igual a desejar a vinda da troika é pouco inteligente… e abusivo. Quer o PS goste quer não, estava no poder – o mesmo poder que agora tenta conquistar – e a necessidade e urgência do pedido de ajuda internacional estão corroboradas pelas declarações, à época, de Mário Soares (instando Sócrates que admitisse o pedido), ou pela conferência de imprensa conjunta de Teixeira dos Santos e José Sócrates (aquela em que ficámos a saber que o mundo mudara, mas que José Sócrates continuava na mesma). Entendamo-nos: o que é grave não é o PS ter chamado, ou não, a troika (nem o eleitorado tem tempo para essas novelas); o grande problema, que toca a todos, é que José Sócrates, na sua prepotência autista, continuou sempre a achar que podia não chamar a troika. Essa é a questão que fica para a história; isso e o facto de que aquilo a que hoje chamamos "Governo" ter nascido aí. Passos e Portas não caíram do céu para onde olhavam, deslumbrados, os patetas com cuja conivência o mitómano que nos governava sempre contou, a troco das migalhitas de poder e euros que ainda restavam.
Quanto ao segundo momento, eu não vou puxar aqui do golpe baixo das contas; mas deixo o aviso de que esse discurso é secularmente popular – embora, por vezes, silencioso, na nossa cultura pública; a prová-lo está o facto de que esse momento tenha sido visto como "surpresa" a favor de Passos nos media. Ora, a única coisa que torna o embaraçoso momento de Costa em relação à Segurança Social em "surpresa" é o facto de andar tudo a dormir em relação à sua gestão na Câmara Municipal de Lisboa. Se, de facto, a Presidência da Câmara fosse respeitada por todos como nobre exercício público – e sobre presidentes das câmaras de Lisboa e Porto, e suas manietações na tentativa de mais poder com menos escrutínio, já escrevo há anos, ‘quiçá’ demais – há muito teríamos percebido que António Costa é vago e impreciso q.b, populista a rodos, como convém a uma visão dispersa da democracia e, sobretudo, muito pouco exigente; ou, no mínimo, como se vê pelas críticas aos media, menos exigente consigo do que com os outros.
Mais uma vez, cito o trabalho de José António Cerejo, no Público*, desenvolvido ao longo de anos que só posso imaginar tormentosos, que há muito já nos deixou perceber porque é que andamos todos a olhar para eventos, barraquinhas, turismo e "tuk-tuk". Dele destaco a luta pela liberdade de informação que culminou, em Março de 2014, com o Tribunal Constitucional a obrigar a Câmara de Lisboa a entregar – como manda a Lei – os documentos de avaliação de práticas seguidas na adjudicação de obras municipais. Da vergonha que isto é, não me ouvirão mais uma palavra; onde a informação não conta, cada um escolhe a ficção que lhe aprouver.
Uma das minhas favoritas é "A Tempestade", a última das peças de Shakespeare – nela, Prospero, o mágico, exilado há anos numa ilha, tenta recuperar a sua filha, roubada aos três anos de idade, pelo seu irmão, o usurpador António. É nos olhos de Miranda que Prospero encontra a primeira luz de esperança "Que mais vês tu no escuro abismo do Tempo?".
*www.publico.pt/autor/jose-antonio-cerejo
Prospero à sua filha Miranda, em "A Tempestade", William Shakespeare
- A revelação pública da carta de Pedro Passos Coelho ao Governo de José Sócrates em 2011, um documento confidencial;
- O momento em que, no debate radiofónico transmitido ontem, Pedro Passos Coelho pergunta a António Costa, e Costa não responde: "como vai poupar 1000 milhões na Segurança Social?" (estamos a falar de uma verba quinze vezes superior ao apoio da troika)
Se dou importância ao primeiro, é porque ele confirma a completa incapacidade desta direcção do PS em assumir a sua responsabilidade no "Estado da Nação", o que coloca o PS na rota inversa da sensatez e prudência que estas eleições, no seu contexto nacional e internacional, mereceriam. Vimos uma manobra de "circo" e a tentativa de ler o que lá não está escrito: o documento mostra até responsabilidade política e sentido de Estado por parte do actual PM, na altura líder da oposição. Dizer que a disponibilidade para colaborar com o Governo, que Passos na altura manifestou, é igual a desejar a vinda da troika é pouco inteligente… e abusivo. Quer o PS goste quer não, estava no poder – o mesmo poder que agora tenta conquistar – e a necessidade e urgência do pedido de ajuda internacional estão corroboradas pelas declarações, à época, de Mário Soares (instando Sócrates que admitisse o pedido), ou pela conferência de imprensa conjunta de Teixeira dos Santos e José Sócrates (aquela em que ficámos a saber que o mundo mudara, mas que José Sócrates continuava na mesma). Entendamo-nos: o que é grave não é o PS ter chamado, ou não, a troika (nem o eleitorado tem tempo para essas novelas); o grande problema, que toca a todos, é que José Sócrates, na sua prepotência autista, continuou sempre a achar que podia não chamar a troika. Essa é a questão que fica para a história; isso e o facto de que aquilo a que hoje chamamos "Governo" ter nascido aí. Passos e Portas não caíram do céu para onde olhavam, deslumbrados, os patetas com cuja conivência o mitómano que nos governava sempre contou, a troco das migalhitas de poder e euros que ainda restavam.
Quanto ao segundo momento, eu não vou puxar aqui do golpe baixo das contas; mas deixo o aviso de que esse discurso é secularmente popular – embora, por vezes, silencioso, na nossa cultura pública; a prová-lo está o facto de que esse momento tenha sido visto como "surpresa" a favor de Passos nos media. Ora, a única coisa que torna o embaraçoso momento de Costa em relação à Segurança Social em "surpresa" é o facto de andar tudo a dormir em relação à sua gestão na Câmara Municipal de Lisboa. Se, de facto, a Presidência da Câmara fosse respeitada por todos como nobre exercício público – e sobre presidentes das câmaras de Lisboa e Porto, e suas manietações na tentativa de mais poder com menos escrutínio, já escrevo há anos, ‘quiçá’ demais – há muito teríamos percebido que António Costa é vago e impreciso q.b, populista a rodos, como convém a uma visão dispersa da democracia e, sobretudo, muito pouco exigente; ou, no mínimo, como se vê pelas críticas aos media, menos exigente consigo do que com os outros.
Mais uma vez, cito o trabalho de José António Cerejo, no Público*, desenvolvido ao longo de anos que só posso imaginar tormentosos, que há muito já nos deixou perceber porque é que andamos todos a olhar para eventos, barraquinhas, turismo e "tuk-tuk". Dele destaco a luta pela liberdade de informação que culminou, em Março de 2014, com o Tribunal Constitucional a obrigar a Câmara de Lisboa a entregar – como manda a Lei – os documentos de avaliação de práticas seguidas na adjudicação de obras municipais. Da vergonha que isto é, não me ouvirão mais uma palavra; onde a informação não conta, cada um escolhe a ficção que lhe aprouver.
Uma das minhas favoritas é "A Tempestade", a última das peças de Shakespeare – nela, Prospero, o mágico, exilado há anos numa ilha, tenta recuperar a sua filha, roubada aos três anos de idade, pelo seu irmão, o usurpador António. É nos olhos de Miranda que Prospero encontra a primeira luz de esperança "Que mais vês tu no escuro abismo do Tempo?".
*www.publico.pt/autor/jose-antonio-cerejo