Opinião
Porque gostamos tanto de detestar Donald Trump?
Depois da entrada de Hillary Clinton, a pré-campanha para as presidenciais dos EUA tem sido dominada pelo efeito Donald Trump. Como seria de esperar, a maioria das reações tem sido de algum espanto, quando não mesmo de repulsa. A questão é: como é possível?
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A resposta pode assentar na interpretação de que um candidato populista como Trump toca mais do que nenhum outro no nervo do eleitorado menos cosmopolita dos Estados Unidos. A resposta terá o seu quinhão de verdade, mas não será suficiente para explicar a atração projetada por Trump sobre aqueles que o apoiam mas também, e esse é talvez o aspeto mais interessante, sobre os que o execram.
A explicação do fenómeno Trump remete porventura para dimensões que ultrapassam o argumento populista. Jeffrey Pfeffer, de Stanford, identificou-as melhor do que ninguém. Trump, defende Pfeffer, tem seguidores porque projeta o seu poder de forma exuberante. Essa manifestação de poder, por seu turno, revela a parte de os seus potenciais eleitores estarem perante um líder. A perceção faz o líder.
Trump tem uma imagem de vencedor. É rico e "conhecido". Na nossa sociedade espetacularizada, ser "conhecido" é muito importante. Trata-se do fenómeno "Zé Maria" em versão aditivada. A pessoa é conhecida porque aparece e o facto de aparecer reforça o seu reconhecimento, que a leva a aparecer mais. Trump também cola o nome a tudo o que faz. É uma pessoa e uma marca.
Ao reconhecimento Trump acrescenta outra característica dos poderosos: desinibição. É sabido que o poder desinibe. Se Trump é desinibido, então Trump é poderoso. Como o poder atrai, a desinibição expressa poder e o poder gera atração. Quais os sinais da desinibição do bilionário? Eles são centrais no seu discurso, que com frequência revela laivos racistas e misóginos. Além, claro, de ser sistematicamente autocentrado - outro sinal de poder.
As explicações anteriores ajudam também a compreender por que razão Trump gera atração: ele diz aquilo que os outros não dizem porque não podem dizer. O facto de defender a construção de muros na fronteira com o México e de dizer que será forte com a China, distingue-o de candidatos que não podem ou não querem dizer o mesmo. Trump é mais vocal e mais "forte".
Significa isto que Trump será um líder mais competente do que os candidatos políticos? A resposta só pode ser negativa. No universo das empresas Trump, Donald é o patrão e faz o que quer. Num sistema altamente institucionalizado, os pesos e os contrapesos diminuem a discricionaridade da ação do líder. Os líderes não fazem o que querem, mas o que podem. O sistema foi desenhado justamente para essa finalidade. Um Trump presidente poderia causar estragos neste sistema, mas para cumprir o que prometeu teria primeiro de destruir as instituições - o que não é impossível, como Hitler demonstrou.
Por fim, talvez o caso Trump nos ajude a compreender melhor o sucesso de outros líderes como Berlusconi e até mesmo os Le Pen: quando alguém atua de forma pouco convencional, torpedeia o discurso politicamente correto e viola algumas regras, essa pessoa tem de ser poderosa. E nada melhor para gerar interesse por um líder do que a expressão indiscutível do poder.
Professor na Nova School of Business and Economics
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