Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
08 de Maio de 2014 às 20:30

A candura como ferramenta da gestão

Para melhorar o desempenho e com ele a produtividade, é preciso abordar assertivamente o que está mal, da mesma maneira que é necessário apreciar sem hesitações o que está bem. A cultura de candura é essencial para melhorar.

  • ...

 

Numa entrevista recente, o antigo futebolista Costinha dizia sobre José Mourinho, seu treinador: "Se ele achava que o jogador não tinha qualidade, não ia estar a mascarar. Dizia-lhe na cara aquilo que pensava." Esta caraterística, aparentemente banal em Mourinho, é mais importante do que possa parecer. Na literatura da gestão surge por vezes sob a designação de "candura". Candura é uma palavra que significa inocência, pureza. 

 

A candura é uma importante virtude de gestão porque força o diagnóstico rigoroso das situações. Em culturas ricas em candura, as pessoas dizem o que tem de ser dito. Trata-se de culturas diretas, nas quais as coisas são ditas "na cara". Em culturas menos diretas, o processo é diferente. Para não ferir suscetibilidades, as verdades não são ditas assertivamente. São apresentadas com punhos de renda ou de uma forma tão indireta que cada um conclui mais ou menos o que desejar concluir.

 

Para melhorar o desempenho e com ele a produtividade, é preciso abordar assertivamente o que está mal, da mesma maneira que é necessário apreciar sem hesitações o que está bem. A cultura de candura é essencial para melhorar. Com paninhos quentes não se melhora. Jack Welch, o histórico CEO da GE, foi talvez o mais vocal defensor deste processo. Segundo Welch, sem candura o estímulo para a melhoria é escasso. Afirmou o histórico gestor que transformou a empresa de 13 mil milhões num colosso de 500 mil milhões em duas décadas de trabalho que: "Numa burocracia as pessoas têm medo de falar. Este tipo de ambiente arrasta as coisas, não melhora a empresa." Uma cultura correta, acrescentou, é aquela que se baseia no feedback honesto. A GE transformou esse feedback numa fonte de diferenciação individual. Mas a diferenciação não é incompatível com uma cultura de apoio mútuo. Amy Edmondson, de Harvard, encontrou-a nas organizações mais aprendentes, onde a honestidade suporta a melhoria coletiva através do processo a que chamou segurança psicológica. Nestas organizações as pessoas dizem o que precisa de ser dito e não o que é politicamente correto dizer. A criação de uma lógica de candura exige todavia algumas cautelas. Eis as mais salientes:

 

• Ser cândido implica ser brutalmente honesto - ênfase em honesto, não em bruto;

 

• A brutal honestidade deve ser dirigida aos assuntos e não às pessoas;

 

• Implica ir direto aos assuntos e não rodeá-los sem nunca chegar ao fulcro das questões;

 

• Significa olhar para causas que podem ser mudadas e não para grandes questões para lá das possibilidades de ação; 

 

• Implica transformar problemas em ações concretas.

 

A cultura de candura exige uma infraestrutura de confiança. Esta, por seu turno, requer que o medo seja controlado e erradicado. W. Edwards Deming escreveu-o no seu clássico Out of the Crisis. As culturas de medo impedem a aprendizagem. A aprendizagem é o objetivo último da candura. Que, apesar de "brutal", em última análise, é uma prova de respeito. Porque nenhuma forma de comunicação organizacional é pior do que o desinteresse, puro e simples. A comunicação honesta obriga a enfrentar os assuntos. Na sua ausência, aumenta a possibilidade de aplicação da famosa e debilitante lógica muito portuguesa segundo a qual a melhor estratégia é ser "nem bom cavalo nem mau cavaleiro". Nada melhor como caminho para que, fingindo que as coisas mudam, tudo acabe sempre na mesma.  

 

Professor na Nova School of Business and Economics

 

Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio