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O Tempo do investimento

Deve ser invertida a quebra da procura interna – nomeadamente o consumo privado – que há 10 trimestres consecutivos se regista, sem a qual os incentivos ao investimento acabarão, naturalmente, por ter efeitos limitados

No final de Maio, o Governo aprovou o designado "supercrédito" fiscal ao investimento, destinado a vigorar até ao final de 2013 (desde 1 de Junho passado) e que, na prática, se traduzirá por uma descida da taxa efectiva do IRC que poderá atingir um mínimo de 7.5%. Na altura, e numa conferência de imprensa inédita até agora, que juntou os ministros das Finanças e da Economia, Vítor Gaspar disse esperar que as novas medidas de incentivo ao crescimento e emprego (de que se destaca este "supercrédito" fiscal) possam minimizar a queda prevista de cerca de 8% para este ano no investimento. E referiu que "este é o momento para o investimento", tendo considerado a estabilização financeira imprescindível, mas não suficiente. 


Penso que esta é, no contexto que vivemos, e dentro do praticável (pelo menos até aqui…), uma boa medida. Recorde-se que não foi possível dar seguimento à redução, para 10%, da taxa de IRC aplicável a novos projectos de investimento, defendida pelo ministro da Economia no final do ano passado, como medida de dinamização da actividade empresarial. O que, ao que se sabe, aconteceu por falta de autorização de Bruxelas, entre outros motivos porque seria difícil distinguir entre projectos novos e já existentes, nomeadamente no que respeita a tudo o que estivesse ligado a uns ou a outros, e pudesse ser alvo de avaliação para efeitos fiscais – o que poderia acarretar uma perda de receita não compaginável com a situação orçamental que Portugal enfrenta.

A presente medida, desenhada como crédito fiscal e que até se traduzirá, no limite, por uma taxa efectiva de IRC mais favorável do que os "tais" 10% não pode, pois, deixar de ser vista como positiva – parecendo-me hipócrita qualquer posição em contrário. Porém, para que o investimento possa inverter a queda, como se deseja, recuperar dinamismo e sustentar o crescimento das exportações (essencial para podermos, finalmente, abandonar a recessão), há, em minha opinião, que não ficar por aqui e ir mais longe em medidas de estímulo fiscal. Quais?... Prolongar, para lá de 2013, condições mais favoráveis para as empresas, desta vez em termos estruturais, pelo início da implementação da reforma do IRC actualmente em preparação e que, num horizonte razoável (digamos, não mais de 4-5 anos), possa trazer a taxa deste imposto para valores significativamente mais baixos do que a média europeia (23%) – desejavelmente tendo "1" como primeiro dígito – e simplificar procedimentos, obrigações e o próprio entendimento do respectivo código. Em conjunto com as restantes reformas estruturais já implementadas e em curso, trata-se de uma medida muito favorável para a competitividade e atractividade empresarial do País. Porém, deve ser invertida a quebra da procura interna – nomeadamente o consumo privado – que há 10 trimestres consecutivos se regista, sem a qual os incentivos ao investimento acabarão, naturalmente, por ter efeitos limitados (continuar a dinamizar as exportações é, sem dúvida, a grande prioridade – mas parece-me também inquestionável que, tendo a procura doméstica caído a pique em 2011 e 2012, contribuindo decisivamente para que o crónico défice externo se transformasse já em excedente, a recuperação do consumo é favorável e poderá contribuir para a necessária e ansiada dinamização do investimento).

Ora, para este fim parece-me imprescindível tomar decisões que dêem sinais de esperança e incutam expectativas positivas nas famílias. A medida que, em meu entender, melhores resultados produziria, seria inverter, rápida e gradualmente, o "enorme" aumento do IRS registado em 2013, que tão nefasto está a ser para a actividade económica e, consequentemente, para a receita projectada (ajustada, sem surpresa, em baixa, no Orçamento Rectificativo recentemente apresentado).

Já sei o que me vão argumentar: que isto precisa da anuência dos nossos parceiros europeus (e dos credores) e iria gerar défices públicos mais altos, pelo menos no imediato, e agravaria ainda mais a nossa já elevada dívida pública. Porém, podendo Portugal beneficiar da protecção do BCE (em resultado do cumprimento do Programa até agora, e da mudança de atitude da autoridade monetária europeia durante o ano passado), não me parece que tal fosse um problema… Isto além de ter as maiores dúvidas de que um alívio fiscal tivesse efeitos perversos sobre a arrecadação de receita (tal como os aumentos registados têm ficado sempre aquém do previsto). Assim as orientações europeias mudem e o permitam – para que o nosso programa possa continuar a ser cumprido e… resultar, como é do interesse de todos (nós e a própria Europa, que precisa de um caso de ajustamento de sucesso no Sul – que, por exclusão de partes, só pode ser Portugal).

Está mais do que na altura de as nossas pretensões serem ouvidas em Bruxelas e Frankfurt – e de os nossos credores perceberem que, depois de termos "mostrado serviço" (tudo o que nos foi exigido, e mais do que o inicialmente projectado num Programa mal desenhado), é preciso que nos sejam dadas condições exequíveis, realistas e credíveis para a consolidação orçamental. Já há muito que a Troika devia ter permitido o tempo do investimento (e não apenas o momento, que por definição se esgota rapidamente no horizonte). Um tempo que deve ocorrer não apenas em Portugal, mas sim em toda a Zona Euro. Para podermos, quanto antes, salvar o projecto do euro e o nosso futuro. Será isto assim tão difícil de entender?!...

Economista
Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças
miguelfrasquilho@yahoo.com
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