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Cheque-ensino: Um debate bem-vindo

Para o desenvolvimento sustentado do nosso País, não nos interessa defender a escola pública a qualquer preço – interessa-nos, isso sim, que o serviço público de educação seja universal, justo e tenha qualidade.

Foi recentemente admitida pelo Ministério da Educação a possibilidade de generalizar o chamado "cheque-ensino" – uma ideia apresentada pela primeira vez pelo Prémio Nobel da Economia, Milton Friedman, em 1955 – no ensino básico e secundário, conferindo a todas as famílias a capacidade de escolha do estabelecimento de ensino para o(s) seu(s) estudante(s) [1].


Não escondo que me agrada esta possibilidade: sempre fui adepto do conceito de "liberdade de escolha", seja em que domínio for. É por isso que, na área fiscal – que, como é sabido, me é muito cara – prefiro, por exemplo, a baixa do IRS à do IVA. Porque tal significa dar liberdade às pessoas, às famílias, para usarem como entenderem os recursos adicionais de que dispõem – o que, como é fácil de entender, não acontece se a opção recair no IVA (em que se é forçado a consumir para se beneficiar de uma eventual redução [2]).

É isso que faz o cheque-ensino na educação: maximiza a liberdade de escolha e, assim, a probabilidade de conferir a todos, tenham ou não recursos para tal, a igualdade de oportunidades. O que significa, de forma simples, que deve ser o apoio público (o dinheiro do Estado) a seguir o aluno – não o aluno a seguir o apoio público.

Sei que se trata de um modelo que está longe de ser consensual – o que se reflecte bem na diversidade de relatórios e estudos pró e contra.

Desde logo porque, nos casos mais conhecidos internacionalmente – Dinamarca, Holanda, Nova Zelândia, Suécia, vários Estados dos EUA –, os progressos são diversos (como confirmam, por exemplo, os conhecidos testes PISA da OCDE para alunos de 15 anos, ainda que qualquer um daqueles países tenha, ao longo do tempo, uma posição mais favorável do que os alunos portugueses – o que acontece, também, e infelizmente para nós, com muitos outros países que não adoptaram este modelo).

Mas também porque, como as estatísticas mostram, este modelo não é necessariamente mais barato do que o modelo a que estamos habituados – embora fosse desejável que uma tal opção trouxesse poupanças face à actual situação, não só por razões de eficiência do sistema, mas também pela forte restrição orçamental que enfrentamos (e que se encontra longe de estar resolvida).

E ainda porque muitos defendem que a liberdade de escolha reforça, a prazo, as desigualdades entre ricos e pobres. Sucede, porém que, de acordo com a Comissão Europeia, a esmagadora maioria das famílias portuguesas não tem a possibilidade de escolher uma escola alternativa para os seus filhos unicamente porque não têm forma de financiar essa escolha. Por exemplo, uma família com maior disponibilidade financeira que viva numa zona mais carenciada, não colocará um filho seu na escola pública mais próxima se ela não tiver boa reputação – antes terá meios para o transportar para um colégio, digamos, mais recomendável (e sabe-se que as posições cimeiras nos "rankings" escolares são ocupadas, esmagadoramente, por estabelecimentos não-públicos). Mas para uma família pobre, essa possibilidade é remota, para não dizer que lhe está vedada. É esta a situação que hoje existe – potenciando, assim, um sistema dual onde não consigo vislumbrar grande justiça...

Potenciar a liberdade de escolha reduziria, pois, a injustiça de apenas os mais ricos poderem, realmente, escolher onde educar os seus filhos. E reforçaria a concorrência entre estabelecimentos de ensino, que competiriam entre si para serem escolhidas pelos alunos, elevando a qualidade da educação oferecida e beneficiando, assim, toda a sociedade (quanto mais concorrência, melhor).

É claro que uma tal opção, a ser prosseguida, teria de ser acompanhada de alguns requisitos indispensáveis, como por exemplo, (i) a existência de flexibilidade e autonomia curricular, pedagógica, administrativa e financeira das escolas (incluindo a selecção do corpo docente, com a correspondente responsabilização de todos os intervenientes no processo educativo, e implicando, por exemplo, o fecho de escolas que não sejam escolhidas); (ii) a impossibilidade de selecção de alunos pelos estabelecimentos por critérios socioeconómicos, geográficos, religiosos ou raciais (e devendo, quando a procura exceder a oferta, prevalecer um enquadramento sensato a definir); (iii) a não existência de barreiras à criação de novas escolas em todos os níveis de ensino, criando um ambiente de concorrência efectiva entre estabelecimentos de ensino; (iv) um Estado forte (regulador) que definisse os aspectos fundamentais da componente do currículo obrigatório para todos os anos de escolaridade e todos os estabelecimentos, que avaliasse o cumprimento das metas estipuladas, percebesse e auxiliasse as escolas que apresentassem dificuldades, inspeccionasse o cumprimento do serviço público de educação e penalizasse os estabelecimentos incumpridores (incluindo o seu eventual fecho).

Não sei se o modelo do cheque-ensino generalizado acabará por ser implementado. Mas sei que o simples debate do tema, alargado a toda a sociedade, já é um passo em frente. A qualificação dos recursos humanos é, de entre muitos factores, talvez aquele que maior importância tem sobre a evolução da produtividade e da competitividade e, portanto, de um crescimento económico robusto e de um desenvolvimento sustentado de médio/longo prazo de uma sociedade ou de um país. E sabe-se, também, como Portugal aparece sistematicamente mal posicionado nos "rankings" internacionais de educação (seja no ensino básico, secundário ou terciário). É por isso que, para o desenvolvimento sustentado do nosso País, não nos interessa defender a escola pública a qualquer preço – interessa-nos, isso sim, que o serviço público de educação seja universal, justo e tenha qualidade, independentemente de a natureza do estabelecimento que o presta ser pública, privada ou do sector social. Todos os passos que permitam caminhar nesta direcção só podem ser bem-vindos.

1) Note-se que já desde 1980 que o Decreto-Lei n.º 553/80 permite a generalização do "cheque-ensino". Porém, até hoje, apenas os agregados com menores recursos que se candidatam são apoiados (em 2011, os apoios abrangiam mais de 22 mil alunos), fazendo baixar os custos no ensino não-público (embora não garantindo a sua gratuitidade). E as dificuldades orçamentais que vivemos, e que, como se sabe, não terminarão em breve, não facilitarão a generalização destes apoios.

2) Que, ao contrário do que muitos querem fazer crer, mesmo que só existisse uma única taxa, seria um imposto progressivo (quem mais consome, mais paga). Para além disso, existe literatura científica que defende que um mundo em que só existisse tributação em sede de IVA (e com uma única taxa), poderia, resumidamente, ter um efeito positivo sobre a eficiência económica e sobre a equidade, beneficiando as famílias mais pobres e diminuindo a desigualdade. Ver, para o efeito, por exemplo Correia, Isabel – "Efeito Sobre a Equidade de um Aumento do Imposto Sobre o Valor Acrescentado", Banco de Portugal, Boletim Económico de Primavera, Abril 2007.

* Economista, ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças

miguelfrasquilho@yahoo.com

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