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Luís Marques Mendes 03 de Abril de 2022 às 21:23

"O programa de Governo é uma certa desilusão. É tudo mais do mesmo"

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o novo Governo, as mudanças na Assembleia da República, a guerra na Ucrânia, entre outros temas.

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O AVISO DE MARCELO

  1. Na posse do Governo, o Presidente da República (PR) acabou com um elefante que há muito tempo andava dentro da sala: a eventual ida do Primeiro-ministro (PM) para a União Europeia (UE). E disse: se isso suceder, haverá eleições. Algumas pessoas ficaram surpreendidas. Não têm razão:
  • Primeiro: toda a gente bem informada sabe que há muito tempo o PM pensa na hipótese de sair do Governo para assumir um cargo europeu em 2024. Até dirigentes socialistas o assumem.
  • Segundo: é no início de jogo que se definem as regras do jogo. Por isso, se tinha algo a informar sobre a matéria, o PR devia tê-lo dito agora e não mais tarde, para evitar especulações e ambiguidades.
  • Terceiro: acresce que no caso do Partido Socialista não se percebe a estranheza. Em 2004, o PS, através do seu líder de então, Ferro Rodrigues, pediu expressamente eleições antecipadas quando Barroso saiu para Bruxelas. Logo, devia manter a coerência.
  1. Claro que esta decisão pode ser um problema para António Costa. Mas a responsabilidade não é de Marcelo. É da crise política que houve. Se não tivesse havido crise, o PM terminava o seu mandato em 2023 e calmamente em 2024 podia rumar a Bruxelas. Essa é também a razão pela qual eu sempre disse: António Costa não quis nem crise política nem eleições antecipadas. Ele sabia bem que tudo isso lhe complicava o calendário político.

A RESPOSTA DE COSTA

  1. Dois dias depois, o PM reagiu através do Expresso, através de uma fonte próxima, dizendo: se a saída do PM para a UE implica eleições antecipadas, então não há saída. Não podia fazer doutro modo: esta especulação não é boa para António Costa.
  • A ideia de que o PM está a iniciar um novo mandato e já só pensa em ir para Bruxelas não lhe é nada favorável. É uma questão impopular. Cria-lhe desgaste. No imaginário coletivo, ainda que injustamente, fica a ideia de que quer "saltar" para o El DORADO de Bruxelas. Veja-se o que se passou com Durão Barroso. Sofreu desgaste e impopularidade.
  1. Posto isto, há duas interrogações a fazer:
  • Primeira: este recuo é temporário ou definitivo? Acho que é um recuo tático e temporário. Em 2024 o tema voltará à agenda. A prova disso mesmo é esta: António Costa não disse uma palavra sobre o assunto. Não abriu a boca. Quem falou ao Expresso foi uma fonte próxima. Não é a mesma coisa. Se o PM quisesse mesmo pôr um ponto final no caso, vinha a público e dizia: "Estou aqui para cumprir o mandato até ao fim. Não sairei a meio do mandato". Mas ele não disse nada. Este silêncio é sintomático.
  • Segunda: este caso vai azedar as relações PR/PM? Acho que não. Já houve entre os dois, PR e PM, divergências no passado e mais divergências haverá no futuro. É inevitável e normal. São pessoas diferentes, com funções diferentes e com responsabilidades diferentes. Umas vezes convergem. Outras não. É assim que deve ser.

 

GOVERNO COM AMBIÇÃO?

  1. Tirando a questão europeia, vamos ao que é ainda mais importante: o Programa de Governo. É uma certa desilusão. Tal como foi o discurso do PM na posse do Governo. É tudo mais do mesmo. Falta rasgo e ambição. Sobretudo no essencial: a economia. Com o País preocupantemente a caminho da cauda da Europa. Vejamos os factos:
  • Nas duas últimas décadas houve 7 países que nos ultrapassaram no ranking europeu do PIB por habitante: a Eslovénia em 2003; Malta em 2004; a República Checa em 2007; a Estónia e a Lituânia em 2017; a Hungria e a Polónia em 2021. Passámos do 15º para o 21º lugar.
  • No ano 2010, estávamos, em termos de PIB por habitante, a 83% da média europeia; no ano 2020, piorámos, ficando a 76% da média da UE; em 2021, ainda baixámos mais, ficando a 74% da média da Europa.
  • E tudo isto depois de termos recebido da UE até hoje – em 35 anos – 141 mil milhões de euros de fundos estruturais. Uma vergonha.
  1. Perante estes factos, pergunta-se: será que Portugal endoideceu e não debate o essencial? Será que os políticos portugueses não veem o que está a acontecer? Será que vamos continuar mais quatro anos a baixar de divisão na Europa? Isto, sim, é que é preocupante. Sem dimensão económica não há desenvolvimento social sustentado. Nem nos salários, nem nas pensões.

 

MUDANÇAS NA AR E NA OPOSIÇÃO

 

  1. Na AR, Santos Silva foi eleito, como se previa. Para começar, fez um bom discurso, lúcido e assertivo. Começa a fazer tirocínio para Belém: eventualmente para ser candidato do PS à Presidência da República em 2026. A não ser que o candidato seja o próprio António Costa.
  2. Também na AR se verificou um facto histórico muito negativo: há oito partidos representados no Parlamento. Mas só dois, PS e PSD, têm representantes na Mesa da AR (vice-presidentes e secretários). Nunca isto aconteceu. E não é bom para a imagem de pluralidade do Parlamento.
  3. Nuno Melo, novo líder do CDS. É a escolha esperada. Saúda-se a sua coragem. Liderar o CDS sem presença na AR é uma decisão difícil, corajosa e arriscada.
  4. Liderança do PSD. Se Rui Rio não tivesse vistas curtas, o PSD devia estar neste momento a fazer o que o CDS fez este fim de semana: a eleger o seu líder para fazer oposição. Há, em teoria, três possíveis candidatos à liderança do PSD:
  • Luís Montenegro, que apresenta 4ª feira a sua candidatura, já anunciou Carlos Coelho como Diretor da Campanha e Miranda Sarmento como coordenador da sua Moção (dois bons nomes) e é, à partida, o que tem melhores condições para ser eleito.
  • Jorge Moreira da Silva e Ribau Esteves estão a ponderar também uma candidatura. Se o fizerem, valorizam a eleição. A legitimidade política de quem for eleito passa a ficar ainda mais reforçada.
  • É bom que todos os candidatos à liderança percebam este desafio: o país espera do PSD sobretudo duas coisas: novas causas e um novo combate político democrático.

O ESTADO DA GUERRA

  1. A guerra está num impasse. No plano militar e no plano das negociações:
  2. No plano militar, nem a Rússia consegue ter qualquer vitória significativa nem a resistência ucraniana abranda o seu ritmo de intervenção. Os russos ensaiam o recuo para o Donbass. A Ucrânia recuperara várias localidades.
  3. O problema sério é que este impasse é um risco acrescido: o risco de, em desespero de causa, os russos generalizarem o recurso a armas mais destrutivas e a crimes de guerra.
  4. O que já começou: o que agora se descobriu nas cidades de Bucha e Irpin são verdadeiros crimes de guerra. Ataques brutais a civis. Civis assassinados a sangue frio com as mãos atadas. A Rússia já está a recorrer aos métodos que usou na Síria e na Tchetchénia.
  5. A UE, em função destes crimes de guerra, já veio admitir mais sanções á Rússia. Cresce a atmosfera para maior apoio á Ucrânia.
  6. As negociações marcam passo. A Ucrânia não cede. Tem vitórias morais na guerra. A Rússia não cede. Ainda não tem um sucesso militar.
  7. No entretanto, três destaques relevantes: a Turquia, China e Lituânia.
  • A Turquia está a ganhar um relevante estatuto internacional. Cede armas à Ucrânia, mas não aplica sanções à Rússia. Consegue ser aceite por ambas as partes e está a marcar pontos na cena internacional.
  • A China, pressionada pela UE, mantém ambiguidade: formalmente, distancia-se do conflito; nos "bastidores", apoia a Rússia. Admite-se nos meios financeiros que a China fez uma compra maciça de rublos no mercado internacional para combater a desvalorização da moeda russa.
  • A Lituânia cortou a importação de gás russo. É o primeiro País ocidental a fazê-lo. Se todos seguissem este exemplo, a Rússia dificilmente teria modo de financiar esta guerra.

 

QUANDO ACABA A OBRIGAÇÃO DA MÁSCARA?

  1. Com o surgimento da guerra, a pandemia passou para um plano secundário. Dessa forma, adensam-se algumas dúvidas e especulações. Uma delas é sobre a obrigatoriedade do uso da máscara em recintos fechados. Afinal, quando termina essa obrigação? Em boa verdade ninguém sabe.
  • O critério técnico de decisão é este: a obrigatoriedade do uso da máscara só cai quando o número de óbitos por milhão de habitantes a 14 dias estiver abaixo de 20.
  • Ora, neste momento, estamos ainda longe do objetivo: estamos agora com 28 óbitos por milhão de habitantes a 14 dias. E a situação até tem piorado. Há duas semanas estivemos com 25. Logo, há que ter paciência.
  1. Vendo os números, conclui-se: a pandemia está controlada, mas não resolvida:
  • Novos casos: temos muito mais que há um ano. Cerca de 8 mil/dia agora contra cerca de 600 casos em 2021. É o efeito ómicron.
  • Internados em enfermaria: temos agora sensivelmente o dobro do número de doentes internados em enfermaria há um ano (agora, 1.180 casos contra 633 em 2021). Mas não são os casos mais graves.
  • Internados em UCI: temos agora menos de metade dos casos que tínhamos há um ano (61 casos agora, contra 142 em 2021). Ou seja: nos casos mais graves, a situação está completamente sob controle.
  • Em suma: mais casos, muito menos graves e boa taxa de vacinação: 71% da população com mais de 18 anos tem a dose de reforço.

 

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