Opinião
Medina foi corajoso ao anunciar que as cativações vão acabar
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os grandes números da JMJ, o veto de Marcelo e o protagonismo de Medina, entre outros temas.
JMJ EM GRANDES NÚMEROS
- Está prestes a começar aquele que será o Acontecimento do Ano em Portugal: a JMJ. É muito importante que corra bem. E não é só para a Igreja Católica. É para o País. Portugal vai ganhar muito com este evento.
- Primeiro, pela multidão que atrai a Portugal. Nunca houve nada igual.
- Depois, pelo impacto mediático. Todo o mundo vai falar de Portugal.
- Finalmente, pelo bom efeito na economia e no turismo nacional.
- Os grandes números da JMJ mostram o desafio notável que ela representa:
- Previsão de 1 milhão de peregrinos. Vindos de todos os países do mundo, com exceção das Maldivas. Um recorde em JMJ.
- Os países mais representados: Espanha, Itália, Portugal, França e EUA. E uma presença muito forte dos países lusófonos, com o Brasil à cabeça.
- No clero, novo recorde: 766 Bispos, 30 Cardeais, mais de 9 mil Padres.
- No plano dos eventos, uma grande organização: mais de 600 eventos culturais, mais de 2500 artistas, mais de 90 espaços no Festival.
- Uma brutal mobilização de recursos: 22 mil voluntários; 4 hospitais de campanha, 80 postos móveis, mais de 250 enfermeiros voluntários.
- Um impacto económico, estimado pela consultora PWC, de 400 a 600 milhões de euros (0,2% a 0,3% do PIB).
- Um impacto mediático brutal: uma audiência à escala global de 450 milhões de pessoas e mais de 4600 jornalistas acreditados.
- Há uma polémica final sobre ajustes diretos. Claro que teria sido melhor haver concursos públicos. Mas isso exigia planeamento. Ora, nós Portugueses somos bons a desenrascar. Não a planear. O importante agora é que tudo corra bem. Nos grandes eventos, somos sempre ser um país competente. Basta recordar o sucesso da Expo 98 ou da WEB Summit. O mesmo vai suceder agora. Todo o país deseja o sucesso da JMJ. Um bom exemplo a começar: a boa entreajuda entre Igreja, Governo PS e Câmaras do PS, PSD e uma Independente.
AS GREVES DA CP
- Há semanas apelei a que se suspendessem greves nos dias da JMJ. Umas foram suspensas. Outras não. A greve prevista dos revisores da CP, que podia causar sérios problemas foi cancelada. Saúdo essa decisão sindical e o esforço para lá chegar, quer por parte da Administração da CP, quer do próprio Governo.
- Mesmo assim, não é descabido analisar o que se tem passado este ano com as greves da CP. Uma verdadeira calamidade.
- Em apenas sete meses, já houve 111 greves na CP. Cerca de 16 greves por mês. Uma greve a cada dois dias. Isto não é "usar" a greve. Parece ser um "abuso" do direito à greve.
- Em 2023, já houve 31 mil comboios suprimidos. Em média, 148 por dia. Menos 19 mil viagens do que no mesmo período de 2022.
- A região de Lisboa foi a mais afetada: em 2023 houve mais de 12 mil comboios suprimidos. No âmbito do serviço regional da CP houve mais de 10 mil comboios suprimidos. No Grande Porto, um pouco mais de 6 mil. E no longo curso cerca de 1600. Um desespero para as pessoas.
- Perante este quadro de verdadeira calamidade, importa fazer duas perguntas:
- Isto vai continuar assim? A CP vai continuar a passar o tempo em greve? Os cidadãos vão continuar a ser permanentemente afetados?
- E ninguém diz nada? Ninguém dá uma explicação? Nem a Administração da CP, nem o Ministro Galamba? Nada vai ser feito para mudar este estado de coisas? Os cidadãos merecem mais respeito.
O VETO DE MARCELO
- Comecei por ver este veto como uma última oportunidade para reabrir negociações que proporcionassem um acordo entre Governo e professores e a paz nas escolas. A questão é simples de explicar:
- Com professores desmotivados não se vai a lado algum. Sem um acordo entre governo e professores, corremos o risco de ter um novo ano letivo como o que agora terminou. Com novas greves, novas paralisações, mais instabilidade nas escolas e mais prejuízos para os alunos.
- Este era, a meu ver, o único mérito do veto. Gerar uma última oportunidade para negociar um acordo. Uma espécie de negociação suplementar; de preferência com o apoio de um mediador independente para aproximar as partes; e com espírito de abertura da parte de governo e sindicatos. Um acordo, para existir, implica cedências de ambas as partes.
- Afinal, segundo as explicações hoje dadas pelo PR, não vai haver novas negociações. O Governo está indisponível para voltar a negociar. O que haverá é apenas um compromisso cosmético para o futuro, designadamente para próximas legislaturas. Assim sendo, por indisponibilidade do Governo, o veto acaba por ser uma oportunidade perdida. Não muda nada, na prática. Vamos continuar a ter greves e instabilidade nas escolas. Uma pena.
MÉDICOS EM GREVE
- O Ministro Manuel Pizarro tomou posse há 11 meses. Chegou e pacificou o sector. Mas "foi sol de pouca dura". As greves dos médicos provam-no. Há duas razões que explicam esta agitação: uma razão tática e uma razão de fundo.
- A razão tática é esta: ao longo destes meses, o Ministro distribuiu charme e simpatia. Isso ajuda, mas não chega. Manuel Pizarro devia ter aproveitado o "estado de graça" para agir e tomar a iniciativa. Só que teve pouca iniciativa.
- A maior prova é o Estatuto da CE do SNS. Passaram 11 meses e ainda não está aprovado. Diz-se que é fruto de bloqueio do MF. Mas não é verdade. O diploma só chegou ao MF há 1 mês. No fim de junho. O que houve, pois, foi uma longa e inexplicável inação no MS.
- A segunda razão é uma razão de fundo: falta um projeto de transformação do SNS. Claro que o SNS precisa de financiamento. Desde logo, para pagar melhor aos seus profissionais. Tal como os professores, estão desmotivados e mal pagos. Mas o problema financeiro não é hoje o principal problema do SNS.
- O SNS tem hoje o maior financiamento de sempre (14,4 MM€). Mais 60% do que tinha em 2015. E, todavia, há mais listas de espera; mais utentes sem médico de família; e os profissionais de saúde continuam desmotivados e mal pagos.
- Não chega atirar dinheiro para os problemas. É preciso transformar o SNS: é preciso outra organização, outra gestão, outra motivação, outros indicadores de desempenho e mais atratividade das carreiras profissionais.
O PROTAGONISMO DE MEDINA
- Nas duas últimas semanas, Fernando Medina esteve muito ativo. Teve três intervenções relevantes (Expresso, Público e RTP). Há quem veja neste seu protagonismo a vontade de marcar terreno para uma futura candidatura à liderança do PS. Pode ser que sim. Pode ser que não. Só o tempo o dirá.
- Para já, o que importa é que está na boa linha e tem sido corajoso:
- Primeiro, foi corajoso ao assumir que este é o tempo de reduzir de forma significativa o peso da dívida pública no PIB. Medina tem toda a razão. Mas é preciso coragem para o afirmar. Este é o discurso habitual de um Governo de centro-direita. Não é o discurso normal de um Governo de centro-esquerda.
- Segundo, foi corajoso ao anunciar que as cativações vão acabar. Esta decisão torna os OE mais verdadeiros e reforça a responsabilidade dos Ministros sectoriais. Não podem continuar a queixar-se do Ministério das Finanças. Mas é preciso coragem para o fazer. É que indiretamente, ao acabar com as cativações, Medina está a criticar Mário Centeno e o próprio PM. Um abusou das cativações. O outro deu-lhe cobertura.
- Finalmente, foi assertivo ao anunciar que vão ser reforçados os apoios em relação ao crédito à habitação. Claro que os apoios são sempre insuficientes. Mas a medida de reforço é bem-vinda.
- Medina é uma boa exceção no governo: tem pensamento e obra.
AS ELEIÇÕES ESPANHOLAS
- A Espanha prepara-se para uma de duas soluções: a má e muito má. A má é ter novas eleições. A muito má é ter uma geringonça à esquerda, aprovada por herdeiros do terrorismo da ETA e por foragidos à Justiça. Esta solução é constitucionalmente possível. Mas é politicamente imoral e eticamente reprovável. Parece que na política vale tudo para se manter o poder.
- No entretanto, fazem-se muitas análises acerca das semelhanças entre as eleições em Espanha e as próximas eleições legislativas em Portugal. Eu, por mim, vejo sobretudo muitas diferenças. Diferenças substanciais. Vejamos:
- Pedro Sanchez, Presidente do Governo, foi a eleições. Em 2026, António Costa, PM, já não irá a votos. É uma diferença essencial. É mais fácil a oposição ganhar quando o Chefe do Governo não se recandidata.
- Sanchez tinha 5 anos de Governo. Entrou em 2018. O PS, em 2026, terá 11 anos de Governo. O ciclo governativo mais longo de sempre em Portugal. Ora, um ciclo longo desgasta muito mais.
- Em Espanha, à direita do PP, só há o VOX. Em Portugal, à direita do PSD, não há só o Chega. Há também a IL e o CDS. A "oferta" é maior. Um Governo PSD/IL pode ser suficiente para governar.
- Em Portugal é relativamente fácil gerar governos minoritários. Porque não é obrigatório votar os governos e os seus programas na AR, ao contrário do que sucede em Espanha. Pode haver um governo minoritário, que passa na AR, sem votação. Por isso, tivemos vários: de Cavaco Silva, António Guterres e José Sócrates. É muito provável que em 2026 suceda o mesmo. Um governo minoritário. Do PS ou do PSD.