Opinião
Marques Mendes: Se Costa recrutar pessoas na sociedade civil, nas universidades e nas empresas", podemos ter Governo forte
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a maioria absoluta do PS e sobre o novo Governo, entre outros temas.
OS DESAFIOS DO NOVO GOVERNO
- As minhas preocupações com o Governo são outras: primeiro, a sua composição; depois o seu espírito reformador.
- A grande dúvida: o próximo governo será um governo forte ou será mais do mesmo? Será um governo recauchutado ou um governo realmente novo? Se o PM recrutar pessoas na sociedade civil, nas Universidades e nas empresas, pode ser um governo forte. Mesmo dentro do PS. Imagine-se Francisco Assis a Ministro. Seria um bom sinal. Se, ao invés, for um governo feito em circuito fechado, corre o risco de ser só baralhar e dar de novo.
- No entretanto, pelos sinais que chegam, no próximo governo estarão todos os potenciais candidatos à liderança do PS: Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes. Isto diz bem da preocupação do PM com a sua sucessão. Falta saber é a utilidade que tal opção vai ter para o país e para a governação.
- A segunda preocupação é a mais decisiva: o espírito reformador do governo. A pergunta é: será que é agora, finalmente, que António Costa vai fazer reformas? A oportunidade é excelente. Mas a dúvida é grande. Fazer reformas não tem sido o ponto mais forte do PM. E, todavia, a questão é crucial.
- Nos últimos 20 anos houve sete países na UE que nos ultrapassaram no PIB per capita. Só nos últimos seis anos foram quatro. Estamos cada vez mais na cauda da Europa.
- Como se inverte a situação? Como se sai da cauda da Europa? Não é só com a bazuca. Bazucas também os outros Países têm. É com reformas. Reformando o sistema fiscal, para o tornar mais competitivo; reformando a justiça, sobretudo a justiça económica; reformando a administração pública para ela poder ser a excelência que é hoje a AT.
MAIORIA ABSOLUTA – BOA OU MÁ?
- À direita e à esquerda continua a loucura das explicações das derrotas: à direita, segundo a tontaria de uma deputada do PSD, Isabel Meireles, a culpa é do povo; à esquerda, a culpa é do PR. Esquecem o essencial: o povo quis estabilidade; fez uma avaliação positiva da gestão do Governo na crise; e não vê o PSD como alternativa.
- Há quem não goste de maiorias absolutas. Eu sempre pensei o contrário. Independentemente de serem do PS ou do PSD, acho que as maiorias absolutas podem ser boas para o país.
- Garantem estabilidade e previsibilidade. Bom para as pessoas e as empresas, que gostam de saber com o que contam;
- Garantem responsabilização. Quem governa não tem alibis para não governar e reformar;
- Garantem coerência nas políticas. O contrário da geringonça;
- São boas para a oposição. Tem tempo e condições para se preparar como alternativa, sem constrangimentos nem chantagens.
- Claro que, como em todas as escolhas políticas, há riscos. A maioria absoluta de Sócrates foi um problema? Claro que foi. Sobretudo pela percepção pública de que Sócrates foi um caso de polícia. Os dois últimos anos de cavaquismo tiveram tiques de arrogância? Claro que tiveram. Já eram muitos anos de poder.
- Só que as vantagens são superiores aos riscos. Um exemplo: a primeira maioria absoluta de Cavaco teve um grande sucesso. Primeiro, foi renovada e reforçada quatro anos depois. Significa que o povo gostou. Segundo, foi com Cavaco Silva que Portugal teve a maior convergência com a UE em toda a democracia (12,6 pp numa só década). Terceiro, foi nesse período que foi criado, por exemplo, o 14º mês para reformados e pensionistas. A maior reforma estrutural em prol dos reformados.
- Tudo depende, pois, da forma como se governa em maioria absoluta. E quanto aos riscos de abusos, fiscalizam-se. É a função dos media, do PR e das entidades independentes (PGR e TC).
O PAPEL DE MARCELO
Perante a realidade de uma maioria absoluta há quem diga que o PR perdeu espaço. Há outros que dizem que não. São legítimas ambas as opiniões. Eu diria algo diferente. Acho que o PR ganhou duas funções novas e diferentes.
- Primeiro, ganhou a função de fiscalizador dos eventuais excessos e abusos de uma maioria absoluta. É o que todos os PR fazem nestas circunstâncias. Sem cair no papel de líder da oposição.
- Segundo, e mais importante. O PR ganhou a função de impulsionador de uma agenda reformista no país. Não é o PR que governa e que reforma. Mas pode ser o PR a exercer uma magistratura de influência no sentido de ajudar o Governo a fazer várias reformas que o país precisa. Não se trata de ser tutor do Governo. Trata-se, sim, de passar a ser acelerador de uma agenda reformadora.
- Sem este acelerador presidencial, há um risco sério: ou não se fazem reformas ou fazem-se reformas pífias. E aí, sim, desperdiça-se uma oportunidade.
PANDEMIA E VACINAÇÃO
- Internados: afinal, não são só as sondagens que falham. A DGS também. Durante dois anos, a DGS divulgou, dia a dia, o número de internados Covid. Agora, a mesma DGS corrigiu os números: afinal, em média, houve menos 25% de internados do que os divulgados. Ou seja: 25% desses internados testaram positivo á Covid mas os seus internamentos eram devidos a outras doenças. Foi incompetência ou negligência? Em qualquer caso, fomos todos enganados!
- Vacinação de crianças: a Ordem dos Médicos tem sido exemplar a defender e a apelar à vacinação. Sobretudo através de Miguel Guimarães, o Bastonário, e Filipe Froes, líder do Gabinete de Crise. Mas no melhor pano cai a nódoa. Na vacinação de crianças, a Ordem dos Médicos fala a duas vozes opostas. O Bastonário é a favor. O Presidente do Colégio de Pediatria da Ordem é contra. Se o objectivo é semear a confusão, está perfeito. Se a intenção é ajudar os pais a decidir, então a Ordem devia corrigir esta situação.
- Isolados: temos cerca de um milhão de pessoas isoladas. Esta situação não faz sentido. A taxa de vacinação é alta. A dose de reforço já chegou a 90% das pessoas com mais de 60 anos. O pico pandémico aparentemente já passou. A Ómicron é muito transmissível mas pouco perigosa. Assim pergunta-se:
- Não era tempo de acabar com o isolamento para aqueles que estão assintomáticos?
- Não era tempo de acabar ou reduzir para 5 dias o isolamento para os que têm sintomas leves? Já se pratica na Madeira.
- Nestes casos – assintomáticas ou sintomas leves – o uso da máscara e o distanciamento social – não eram mais do que suficientes para evitar comportamentos sociais de risco?
- E na vacinação não seria de reduzir de 5 para 3 meses o intervalo entre a infeção e a toma da dose de reforço? Seria uniformizar procedimentos. Há já vários países que o fazem.
- Vacinação em geral: bom ritmo e bons resultados. Numa população elegível de 8,1 milhões, já há 5,26 milhões de pessoas com a dose de reforço: o que corresponde a 65%; ou a 73% se excluirmos os 900 mil infetados recentes que não podem ainda ser vacinados. A notícia menos boa é que este quase 1 milhão de infetados só lá para Maio/Junho poderá ser vacinado.