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Luís Marques Mendes 12 de Março de 2023 às 21:38

Marques Mendes: "nada justificava a saída de Alexandra Reis". Foi "uma guerra de egos"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os efeitos da inflação, as polémicas na TAP e a entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros temas.

OS EFEITOS DA INFLAÇÃO

 

  1. A Europa está a reagir à alta dos preços na alimentação com três estratégias diferentes: a estratégia espanhola – taxa de IVA 0 nos alimentos essenciais; a estratégia grega – imposição da limitação de preços; a estratégia francesa – a auto-regulação. Em França, onde a inflação na alimentação não é tão alta como em Portugal, o Governo fez um acordo com os supermercados e hipermercados para tentar baixar os preços nos próximos três meses. Ninguém sabe se vai ter resultados. Mas é uma iniciativa que demonstra vontade de resolver ou atenuar o problema. Um bom exemplo de auto-regulação.

 

  1. Em Portugal, onde a inflação nos produtos alimentares é mais do dobro da inflação global, assistimos a estas três realidades:
  • Primeiro, o Governo demorou uma eternidade até acordar para o problema. Só nos últimos dias deu sinal de vida nesta matéria, reforçando a fiscalização.
  • Segundo, o Governo falou, desabafou e fez pressão. Mas, de concreto e palpável, não há nada. Nem sequer um acordo com o sector da distribuição, como em França, que seria bem-vindo.
  • Terceiro, a ASAE diz que vai fazer um estudo caso a caso, produto a produto para perceber, do produtor ao retalho, se há lucros ilegítimos. A ideia parece correta. Mas quando teremos esse estudo? Não é possível demorar muito tempo a agir. Não podemos continuar a assistir à continuada subida dos preços.

 

  1. No entretanto, convinha recordar: segundo o INE, dos 10 grupos de produtos que mais subiram de preço no espaço de um ano, seis situam-se no domínio da alimentação; e, segundo a DECO Proteste, o cabaz alimentar essencial voltou a ter esta semana um novo aumento. A subida dos preços em relação ao início da guerra já está nos 26%.

 

AS POLÉMICAS NA TAP

 

  1. O Governo demitiu o Chairman e a CEO da TAP. Fez o que tinha a fazer. O relatório da IGF é tão categórico que não deixava margem para agir de modo diferente. Até por uma razão simples: qualquer gestor sabe, mesmo não sendo jurista e mesmo não falando português, que para nomear e exonerar administradores é obrigatória a realização de uma AG da empresa. Não é uma mera formalidade. É um requisito essencial, até porque envolve o Ministério das Finanças. Nada disto sucedeu. Um vício grave.

 

  1. O comportamento de Alexandra Reis foi correcto. Provavelmente poucas pessoas, no seu lugar, teriam feito o que ela fez. Se no início esteve mal ao receber uma indemnização milionária e imoral, agora merece ser elogiada pela decisão de a devolver de forma voluntária.

 

  1. A novidade do relatório é algo que não vi ainda ninguém referir: nada justificava a saída de Alexandra Reis. Foi uma birra, uma teimosia e um exercício de poder absoluto por parte da CEO da TAP. Uma guerra de egos.
  • Claro que havia divergências entre as duas gestoras. Mas não eram nem divergências graves nem divergências que comprometessem a execução do Plano de Reestruturação da TAP. Eram divergências normais num órgão colegial em que não tem de haver unanimismo. Como reconheceu perante a IGF o PCA da empresa.
  • Faz algum sentido substituir uma gestora por divergências quanto à mudança do local da sede da empresa? Quanto à renovação ou não da frota automóvel? Quanto à contratação ou não de directores estrangeiros? Afinal, as divergências eram desta natureza. Nada de estratégico ou estruturante. Já vi em Conselhos de Ministros divergências bem maiores, sem isso levar à mudança de Ministros.

 

 

ANTÓNIO COSTA TEM RESPONSABILIDADES?

 

  1. António Costa não tem responsabilidade direta neste caso. Claro que não. Mas há três perguntas que devem ser feitas: é aceitável que se passem coisas desta gravidade dentro do Governo e o PM nunca saiba de nada? É aceitável que os Ministros escondam do PM questões essenciais da governação e nada aconteça? A culpa é só dos Ministros ou é também da falta de liderança e de autoridade do PM? Convinha esclarecer. É que são demasiados os casos e casinhos dentro do Governo em que o PM nunca sabe de nada. Apesar de ser o Chefe do Governo.

 

  1. Pedro Nuno Santos, o maior responsável deste imbróglio, já se demitiu. Mas, se não se tivesse demitido antes, tinha que se demitir agora. A IGF, nos factos que aponta, é demolidora para si.
  • Durante muito tempo, PNS não falou verdade. Quando se demitiu, parecia que o seu Secretário de Estado era um vilão e ele, Ministro, um herói. Um "coitado", que até se demitiu sem ter culpa nenhuma! Afinal, vem a saber-se agora que ele sabia de tudo desde o início.
  • No final do ano, andou a enganar meio mundo ao assinar com o MF um despacho a pedir explicações à TAP. Ficou a ideia de que ele não sabia de nada. Afinal, ele e o seu Ministério sabiam de tudo: da negociação e da indemnização.
  • Finalmente, a ligeireza do seu comportamento. A análise de legalidade feita agora pela IGF é a análise que o gabinete de PNS devia ter feito antes de autorizar tudo. É para isso que os Ministros têm assessores.
  • PNS até pode chegar a líder do PS. Mas com comportamentos destes tenho sérias dúvidas que alguma vez consiga chegar a PM.

 

A ENTREVISTA DE MARCELO

 

  1. O PR deu uma boa entrevista à RTP e ao Público. Uma das suas melhores entrevistas. Talvez aquela em que se mostrou mais afirmativo e interventor: a catalogar o Governo e a oposição; a propor "pistas" de solução, designadamente na educação; a criticar a Igreja no dossiê dos abusos sexuais.

 

  1. Entrevista á parte, há uma questão nova para o futuro: como é que o PR vai gerir os seus três últimos anos de mandato. Os últimos anos dos mandatos presidenciais não costumam ser muito relevantes. Desta vez pode ser diferente. Com a degradação política que se vive, ou o PR tem uma maior capacidade de influência ou chegaremos a 2026 num estado muito preocupante.

 

  1. Onde deve intervir o PR? Sobretudo na política, na justiça e na economia.
  2. No controle político da maioria absoluta. O PR tem de saber combater os excessos da maioria absoluta. Eles vão aumentar. É normal em fim de ciclo.
  3. No fomento de consensos essenciais. Um exemplo: a questão dos metadados. O que está a acontecer é escandaloso. Há inúmeras investigações que não avançam como deve ser. Há criminosos que esfregam as mãos de contentes. Entretanto, Governo e partidos assobiam para o ar. O PR tem de os "obrigar" a resolver esta questão.
  4. Onde o poder de influência do PR é mais decisivo é na economia. Portugal cresce muito pouco e tem de crescer mais. Este é o maior desafio do país.
  • Hoje, a política económica parece que começa e acaba no PRR. Só há PRR. Ora, PRR todos os países têm. Não é por aí que vamos fazer a diferença. Precisamos de novas políticas económicas que nos façam sair da cepa torta. Sem isso, os salários não sobem, as pensões não crescem, não há dinheiro para reforçar o Estado Social.
  • Claro que o Presidente não governa. Mas pode e deve mobilizar o país para esta causa nacional. É preciso gerar ambição e esperança.

 

 

LARES DE TERCEIRA IDADE

 

  1. Há que separar o trigo do joio. Temos em Portugal cerca de 2500 lares de terceira idade. A esmagadora maioria funciona bem e dentro da legalidade. Mas há quem prevarique. Nesses casos, a Segurança Social não pode deixar de ter mão pesada. Como agora sucedeu na Lourinhã, no caso denunciado pela SIC. É importante, por isso, que o país saiba o que a Segurança Social tem feito neste domínio. Tem agido com firmeza ou tem fechado os olhos? Eis alguns números:
  • Nos últimos 3 anos, a Segurança Social realizou cerca de 2 mil acções de fiscalização e determinou o encerramento de 320 lares, por falta de condições: 105 em 2020; 98 em 2021; 117 em 2022. Em média, mais de 100 lares encerrados por ano. Um número impressionante.

 

  1. Numa sociedade que está numa séria tendência de envelhecimento, mais importante ainda é a urgência de investir em novos lares e em novas respostas sociais. Os investimentos em curso são importantes:
  • Mais 450 milhões de Euros de investimento, até 2026, na construção de novos lares, centros de dia e no reforço do apoio domiciliário ; criação de mais 26 mil novas vagas para idosos; tudo com financiamento nacional e comunitário ( PRR e programa PARES). Pode ainda ser insuficiente. Tudo nesta área soa a insuficiência. Mas é um esforço importante.

 

  1. Fiscalizar e investir são duas prioridades essenciais. Mas é preciso não descurar duas últimas realidades: por um lado, o reforço da capacidade financeira das Misericórdias e IPSS, que vivem hoje no "fio da navalha"; por outro lado, é preciso dar atenção aos trabalhadores destas instituições, de quem pouco se fala, que na maioria dos casos não ganham mais que o SMN. É da mais elementar justiça melhorar a situação remuneratória desta classe profissional.

 

OS ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA

 

  1. No quadro desta polémica, há nesta semana dois factos que dão que pensar:
  • O primeiro é um sinal de esperança. As decisões dos Arcebispos de Évora e Braga e dos Bispos de Angra, Guarda, Viseu e Lamego, suspendendo os padres suspeitos de abusos, é um grande sinal de esperança. Estas posições são um grande factor de esperança. Esperança numa Igreja diferente, melhor, mais justa e solidária. Esperança de que outros Bispos sigam o mesmo caminho. Esperança de que a Igreja se reconcilie com os seus fiéis e com a sociedade.
  • O segundo é um sinal de preocupação. A divisão que há entre os Bispos portugueses não é só uma diferença na interpretação das leis canónicas. É uma divisão em torno da mensagem e das orientações do Papa Francisco. Há uma parte da hierarquia da Igreja que segue o Papa Francisco; há outra parte que faz de conta que segue, mas não segue. É que o Papa Francisco já disse que nestas matérias não chega pedir perdão. Alguns Bispos portugueses continuam infelizmente amarrados ao passado. Ao antes Papa Francisco.

 

  1. O Presidente da Conferência Episcopal, D. José Ornelas, veio dar uma entrevista justificativa ao Expresso. Merece ser saudado pela sua coragem e autenticidade. Mas tenho dúvidas da bondade desta estratégia para a imagem da Igreja.
  • Primeiro, a imagem que a CEP está a passar é que a Igreja está muito dividida e que fala a várias vozes. Ora, esta não é uma imagem muito credível e convincente.
  • Segundo, o problema da CEP não é de falha de comunicação. É de falha nas decisões. Talvez fosse mais convincente e credível que os Bispos guardassem silêncio, aprofundassem internamente as questões e só falassem quando tivessem algo de concreto a anunciar.
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