Opinião
"Chega pode ter um resultado histórico" nas eleições, considera Marques Mendes
Os protestos dos polícias, o crescimento do Chega ou a dissolução da AR são temas abordados pelo comentador Luís Marques Mendes, no seu habitual espaço de opinião na SIC.
OS PROTESTOS DOS POLÍCIAS
-
Este protesto dos agentes da PSP e da GNR não surpreende. É mesmo a coisa mais legítima do mundo. Eles sentem-se legitimamente injustiçados. Então atualiza-se o suplemento de missão na PJ e deixa-se de fora a PSP e a GNR? Então na PSP e na GNR também não há risco, desgaste e penosidade?
-
Nada a opor ao que foi feito na PJ. Mas, a haver atualização na PJ, devia ter havido atualização também no subsídio equivalente que há na PSP e na GNR. Isto é elementar. Não tendo havido um critério de equidade, a "revolta" é mais do que compreensível. As assimetrias, as disparidades e as injustiças relativas agravam-se. Isso só poderia causar mal-estar na PSP e na GNR. O próprio PR chamou a atenção.
-
O MAI está a ser fortemente criticado. E tem a sua responsabilidade. Podia e devia ter batido o pé. Mas a grande responsabilidade é do PM.
-
António Costa é o Chefe do Governo. É o único governante que tem o dever de ter uma visão geral e global. Cada Ministro gere "a sua casa". O PM é que deve olhar para o conjunto e cuidar de haver equidade, equilíbrio e justiça relativa entre todas as partes. Não cuidou.
-
O PM parece ter dois pesos e duas medidas. No caso dos professores, recusou haver uma recuperação integral do tempo de serviço porque dizia não haver condições para fazer o mesmo nas demais carreiras da função pública. Então e agora? O PM mudou de critério? Agora, no caso da PSP e da GNR, já não se preocupa com a igualdade de tratamento entre os vários setores? Onde está a coerência?
-
Está criado um enorme "berbicacho" para o próximo governo. Que só se pode resolver com duas condições: negociações sérias com os sindicatos; e apelo aos agentes da PSP e GNR para que protestem sempre dentro da legalidade, sem afetar a segurança e o Estado de Direito.
A DISSOLUÇÃO DA AR
-
Amanhã é dissolvido o Parlamento. Agora, a campanha passa a ser mais a sério. Mas há, desde já, um balanço que pode ser feito desta pré-campanha.
Fazendo a média das quatro sondagens divulgadas em dezembro, e promovendo uma simulação de distribuição de deputados, chegamos aos seguintes resultados: o PS com 82 deputados (29%); a AD também com 82 (28,9%); o Chega com 37 (15,5%); o BE com 15 (7,1%); a IL com 10 (6,1%); o PAN com 2 (2,4%); o PCP com 1 (2,7%); o Livre com 1 (2,3%).
-
Este "retrato" deve ser visto com cautela, mas é muito útil. Ele permite extrair duas indicações claras: saber quem ganhará as eleições vai ser uma incerteza até final; gerar um governo estável vai ser um problema. Indo por partes:
-
O PS tem uma grande queda face à maioria absoluta atual. Mas mantém intactas as possibilidades de ganhar as eleições. Pedro Nuno Santos começou bem a sua liderança: saiu-se bem no Congresso, superou as expectativas que existiam, beneficiou de o lançamento da AD ter ficado aquém do esperado e está a tentar refazer a sua fragilizada imagem governativa. Se tudo isto resulta em votos, logo se verá.
-
A AD tem motivos de preocupação. Depois do desgaste de 8 anos de Governo, a AD tinha a obrigação de estar à frente nas sondagens. O PSD fez bem em criar a AD e em ir buscar independentes. Mas está com dificuldade em perceber que não chega criticar. É preciso surpreender com um pensamento alternativo e com propostas alternativas. É preciso um projeto transformador. E não há muito tempo para o apresentar. A Convenção do próximo domingo é o limite para o fazer com eficácia.
-
O maior problema de todos é a estabilidade governativa. Com estes resultados dificilmente será possível formar um governo estável. À esquerda ou à direita. À esquerda, mesmo que o PS ganhe as eleições, dificilmente consegue reeditar a geringonça. Os três partidos, PS, PCP e Bloco, dificilmente terão uma maioria de deputados. À direita, pode haver uma maioria aritmética de deputados. Mas dificilmente esta maioria aritmética se converte em maioria política. O País pode ficar bloqueado e num impasse. A não ser que os portugueses decidam a 10 de março desbloquear o impasse.
O CRESCIMENTO DO CHEGA
-
O Chega, em Convenção este fim de semana, é um caso curioso. Podia querer moderar o seu discurso para se "transformar" em partido de governo. Fez a opção contrária: reforçar a sua natureza de partido de protesto e de contestação. Podia apresentar nomes que "sinalizassem" uma preocupação de aceder ao governo. Nem um. Podia ter propostas de sinal governativo. Não houve. A escolha continua a ser tentar crescer como partido de protesto.
-
Aí tem tido sucesso. Usando, uma vez mais, a média das sondagens de dezembro de 2023, há seis factos relevantes a registar:
-
O Chega cresce de 12 para 37 deputados.
-
Elege deputados em quase todo o país, com exceção de Bragança, Portalegre e círculos da emigração.
-
Cresce mais a sul que a norte, sobretudo em Lisboa, Setúbal e Alentejo.
-
Em Setúbal e Beja fica mesmo à frente da AD em votos, embora empate em número de deputados.
-
Em Évora empate com a AD, em votos e deputados.
-
Em quase todos os distritos do país, com exceção de Bragança e Portalegre, conquista deputados na maioria absoluta do PS.
-
Com estes indicadores há três conclusões analíticas inevitáveis:
-
A primeira é que o Chega pode ter um resultado histórico. Por estes dados, triplica o número de deputados que atualmente tem na AR.
-
A segunda, é que, ao contrário do que habitualmente se diz, o Chega não conquista apenas votos à direita. Conquista à esquerda e à direita.
-
Em qualquer caso, analisando distrito a distrito, nota-se que o PSD é o partido mais afetado com o crescimento do Chega. Se o Chega tiver um resultado desta dimensão (15%), ou mais, a AD não ganha as eleições. Nunca Luís Montenegro chegará a PM. Um grande resultado do Chega ajuda PNS a chegar a PM. Já não é uma questão de opinião. São os números que o dizem.
TRANSFERÊNCIA DE DEPUTADOS?
-
Parece que o Chega anda a tentar "conquistar" deputados do PSD. Percebe-se a ideia: tentar mostrar que votar na AD ou no Chega é a mesma coisa. Mensagens políticas à parte, todo este espetáculo é lamentável.
-
É lamentável que um deputado se desfilie de um partido e se mantenha como deputado na AR, só para não perder o salário e as mordomias de deputado. Por uma razão simples: em Portugal não há círculos uninominais. Os deputados são eleitos pelos partidos. Ora, se são eleitos por partidos, no momento em que abandonam os partidos devem também abandonar a AR. Questão de coerência!
-
É lamentável que um deputado passe de repente de um partido para outro. Seja em que partido for. Devia guardar um período de "nojo", como sublinhou, e bem, o líder parlamentar do PS, Brilhante Dias. Doutra forma, soa a oportunismo, carreirismo e falta de escrúpulos. A política fica cada vez mais parecida com o futebol. E a futebolização da política não garante credibilidade.
-
É lamentável que um partido ande à "pesca" de deputados de outros partidos. Agora, é o Chega. Já antes PS e PSD fizeram o mesmo com a transferência de Presidentes de Câmara. Com exemplos assim, não se admirem que muitos cidadãos vejam a política cada vez mais como "cadastro" e não como um exercício de convicção ou serviço público.
-
Falando da escolha de deputados, o mais importante agora é escolher pelo mérito e pela competência. De eleição para eleição, o Parlamento tem perdido demasiada qualidade. Claro que a falta de círculos uninominais favorece a mediocridade e não o mérito. Mas era bom que os líderes partidários, em especial no PS e no PSD, interrompessem este ciclo de degradação.
AS FALHAS NA HABITAÇÃO
-
Muito boa gente questiona: por que é que se falha tanto nas políticas da habitação? Por que é que a habitação é um pesadelo? Por que é que as rendas são tão altas? Duas explicações podem encontrar-se em factos divulgados esta semana: arrendamento acessível e construção de fogos ao abrigo do PRR.
-
Comecemos pelo arrendamento acessível. Foi um programa criado em 2019, para promover rendas a custos acessíveis. Os senhorios beneficiariam de isenções fiscais se baixassem as rendas 20% abaixo da mediana do mercado. Cinco anos volvidos, o programa é um verdadeiro flop.
-
Face à totalidade dos arrendamentos privados existentes (870 mil), só 0,12% dos arrendamentos têm renda acessível.
-
Face a novos contratos, pós 2019 (330 mil), só 0,3% dos novos arrendamentos têm renda acessível.
-
Em ambos os casos, muito longe dos 20% de contratos a abranger que prometia o Governo. Um fiasco completo.
-
O segundo programa tem a ver com o PRR – construir ou reabilitar 26 mil fogos até 2026. Também aqui os números não são brilhantes:
-
As candidaturas para construir ou reabilitar casas podem surgir até março de 2024. Mas, até agora, só surgiram cerca de 16 mil.
-
Das candidaturas apresentadas, só 7.500 é que foram aprovadas: um número muito baixo.
-
E em quase dois anos de PRR, apenas duas mil casas foram efetivamente construídas. Muito pouco face às expectativas e às necessidades.
OS JOVENS QUE EMIGRAM
-
O Expresso publicou dados impressionantes sobre a emigração portuguesa: somos o país da UE que mais emigra e o oitavo do mundo; a grande maioria dos que emigram são jovens em idade de terem filhos; esta situação contribui seriamente para o país perder população e para envelhecer.
-
Tudo isto é sério, evidentemente. Mas não é o mais sério. Com a emigração, Portugal perde população. Mas o país compensa com os imigrantes que têm entrado no nosso país. Com a emigração de jovens, há uma perda de nascimentos. Logo, um envelhecimento da nossa população. Mas o país compensa com os imigrantes que entram. São igualmente jovens e rejuvenescem a nossa sociedade.
-
O aspeto mais grave desta situação coloca-se no plano da qualificação. Aqui, sim, as consequências são mais sérias e não têm compensação possível.
-
Em 2014, ano que foi um pico de emigração, a maioria das pessoas que emigrava tinha baixas qualificações (53% com ensino básico).
-
Em 2021, último ano com dados do INE, quase metade dos que saíram de Portugal tinham altas qualificações (48% com o ensino superior).
-
Este é o problema. Desperdiçamos talento. Deixamos sair do País os mais dinâmicos e empreendedoras da sociedade. Perdemos energia e capacidade inovadora. E, aqui sim, a imigração não compensa a emigração. Os novos trabalhadores que entram em Portugal não têm tão altas qualificações quanto os que saem do país.
-
Esta é a consequência de uma economia que cresce pouco e não gera salários competitivos. Até quando? Que propostas para mudar o perfil da nossa economia?