Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre a negociação do Governo com os enfermeiros, a moção de censura ao Governo, os lucros dos bancos e a crise na Venezuela, entre outros temas.
GOVERNO VOLTA A NEGOCIAR COM ENFERMEIROS
- O Governo vai voltar a negociar com os enfermeiros. Como vai voltar a negociar com os professores e com os privados na ADSE. Como já voltou a negociar com os juízes. São tudo boas notícias – se há problemas a resolver deve dialogar-se e negociar-se.
- O mais curioso, porém, é perceber por que é que o Governo, de repente, mudou de estratégia. Até agora, esticava a corda, não havia mais nada a negociar. E a greve dos enfermeiros até era impopular, diziam os governantes. Agora, de repente, já quer negociar. Porquê esta mudança? Porque o Governo começa a ficar assustado.
- Assustado com a greve de fome de um enfermeiro. É um acto de desespero que, a prazo, se podia virar contra o Governo.
- Assustado , no caso da ADSE, com as reacções dos funcionários públicos. São a sua base de apoio eleitoral.
- Assustado com a queda do PS nas sondagens. As greves não matam mas moem. Criam desgaste e isso vê-se nas sondagens.
- A dúvida agora é outra: mas esta negociação é mesmo a sério ou é apenas para inglês ver? É que temos o PM a fazer de polícia bom, a mandar negociar, e o MF a fazer de polícia mau, dizendo que não há dinheiro para fazer cedências. Em que é que ficamos? A questão é mesmo séria por duas razões simples:
- Primeiro: porque a economia está a cair. Logo, haverá menos receitas do Estado. O que implica cativar mais e evitar mais despesa.
- Depois: porque o Ministro das Finanças quer fazer um brilharete para efeitos eleitorais. Ele quer chegar ao fim do primeiro semestre deste ano, no fim de Junho, com o défice a zero ou até com um superavit. Assim sendo, não há dinheiro para tudo! Para enfermeiros, professores, magistrados e outros grupos profissionais.
MOÇÃO DE CENSURA
- Ao país esta moção não disse praticamente nada. Teve, apenas, efeito mediático.
- Foi bom para Assunção Cristas. Deu a sensação que é a melhor a fazer oposição. E mobiliza o seu núcleo duro eleitoral para as europeias.
- Foi útil para António Costa. Mostrou que tem um Governo sólido. E permitiu-lhe criticar o passado, unindo e mobilizando as suas tropas.
- Foi um incómodo para o PSD. Um incómodo que o PSD não conseguiu disfarçar, com um debate pobrezinho, pobrezinho, pobrezinho.
- Foi irrelevante para PCP e BE. Fizeram de governo e oposição ao mesmo tempo. Como é seu hábito.
- Para além disso, tudo não passou de um exercício de hipocrisia política.
- O exemplo mais claro é este: o CDS a dizer que pretendia antecipar as eleições. O Governo a dizer que queria as eleições no prazo normal.
- Nada de mais hipócrita: o CDS e o PSD, se pudessem, adiavam as eleições para 2020 – é que todos os meses o PS está a perder votos. E o Governo, se pudesse, antecipava-as para 2018. É que para o PS quanto mais cedo melhor, para estancar o desgaste que se vai evidenciando.
DESAFIOS DAS EUROPEIAS
- O PS precisa de ganhar e com folga. Porque estas eleições são umas primárias das legislativas. E o PS, com 2 ex-ministros na lista, governamentalizou estas eleições. A dúvida é se vai haver ou não voto de protesto contra o Governo. Porque o ciclo não lhe é muito favorável, a economia está a cair e o desgaste começou a notar-se.
- O PSD precisa de ganhar ou, no mínimo, perder por pouco. Se não ganha ou se perde por uma diferença grande, parte completamente derrotado para as legislativas. A questão é: se o PSD não ganha as eleições mais fáceis (europeias), como é que consegue ganhar as mais difíceis (legislativas)?
- O CDS precisa de crescer. Em votos e em deputados. Se quer liderar a oposição, não chegam os discursos. São precisos votos. E segundo as sondagens, para já, não chega aos 10%.
- O PCP tem uma tarefa difícil. Teve um excelente resultado há 5 anos (3 deputados). Mantê-lo não é fácil. Mas tem duas coisas a seu favor: uma grande abstenção, típica das europeias, favorece o PCP; e os recentes ataques a Jerónimo de Sousa ajudaram a unir e a mobilizar o seu eleitorado.
- O BE teve um resultado mau em 2014 (1 único deputado). Precisa de subir. O que é um desafio difícil. Para o Bloco as legislativas são mais fáceis que as europeias.
- O Aliança precisa de eleger um deputado. Dessa forma tem uma vitória. Se não eleger ninguém é um flop. Uma falsa partida.
OS LUCROS DOS BANCOS
- O BCP anunciou esta semana que deu cerca de 300 milhões de lucros em 2018. Tal como o BPI já tinha anteriormente anunciado lucros de 490 milhões. E as pessoas questionam, e com razão: será legítimo distribuir dividendos aos seus accionistas, depois de o Estado ter gasto tanto dinheiro com a banca?
- Eu diria: há que separar o trigo do joio. Cada caso é um caso. Há banqueiros que já deviam estar na prisão e há outros que merecem elogio.
- É legítimo que as pessoas estejam indignadas com o que se passou no BPN, no BES e na CGD, que em grande medida parecem casos de polícia;
- É legítimo que as pessoas estejam indignadas com o que se passou no Banif, onde também se perdeu muito dinheiro, sem explicação cabal.
- Mas já não é legítimo pensar o mesmo do BCP e do BPI. Estes bancos não custaram um único euro ao Estado. Pelo contrário, o Estado até ganhou dinheiro com eles.
- É verdade que o BCP e o BPI tiverem empréstimos do Estado (no total 4,5 mil milhões de euros). Mas já devolveram tudo ao Estado.
- Mais do que isso. Do dinheiro que emprestou a esses dois bancos, o Estado pagou à troika juros da ordem dos 3% ou 4%. Mas cobrou juros a esses dois bancos na ordem dos 8% ou 9%.
- Ou seja: com o BCP e o BPI, o Estado não só não perdeu um euro, como até ganhou dinheiro com os juros que cobrou.
- Assim sendo, é legítimo que distribuam dividendos e é de saudar que tenham lucros. Até porque dessa forma voltaram a pagar impostos ao Estado.
A CRISE NA VENEZUELA
- Primeira conclusão: a oposição a Maduro teve uma meia vitória. A maior parte da ajuda humanitária não conseguiu entrar na Venezuela. Em contrapartida, esta iniciativa teve um impacto mediático brutal, desde logo dentro da Venezuela, aumentando assim o descontentamento da população em relação a Maduro.
- Segunda conclusão: Guaidó ganhou a batalha mediática, dentro e fora da Venezuela, mas agora tem dois problemas pela frente:
- O primeiro é: como vai regressar a casa? Se regressa, corre o sério risco de ser preso, porque violou a ordem judicial que o obrigava a não sair do país;
- O segundo problema é este: o que vai fazer agora? Que sequência vai dar a tudo isto? Qual o seu próximo passo? Nada é fácil.
- Terceira conclusão: esta iniciativa abriu algumas brechas nas Forças Armadas da Venezuela. É verdade. Mas há duas outras verdades difíceis de encobrir: primeiro, Maduro aposta cada vez mais nos COLECTIVOS (milícias paramilitares, muito ideológicas, que actuam de cara tapada e que são o seu grande suporte no terreno); e, finalmente, enquanto os militares não se revoltarem contra Maduro, vai ser muito difícil derrubar o ditador venezuelano. Até lá o impasse político continua e a tragédia humanitária agrava-se.
A CIMEIRA DO PAPA
- A cimeira da Igreja Católica que o Papa organizou esta semana é histórica:
- Primeiro: nunca a Igreja foi tão longe. Durante décadas, a Igreja escondeu e encobriu casos e casos de abusos sexuais. Agora, finalmente, mudou. Pode ter sido tarde mas mudou.
- Segundo: nunca a Igreja encarou com determinação esta chaga brutal que a estava a fragilizar e descredibilizar. Agora, finalmente, há tolerância zero para quem pratica crimes desta natureza.
- Terceiro: nunca a Igreja se preocupou genuinamente com as vítimas dos abusos sexuais. Preocupava-se apenas hipocritamente com a defesa da instituição. Agora, finalmente, mudou.
- Quarto: nunca um Papa teve a coragem que este teve para expulsar da Igreja um cardeal. Sinal de que os tempos mudaram. Sinal de que a mudança é mesmo a sério.
- O que aconteceu esta semana até pode ser insuficiente face à gravidade e à dimensão do problema. E, como diz o Padre Anselmo Borges, é preciso mais cautela com a formação e o recrutamento dos padres e um dia encarar de frente a questão do celibato. Mas que o Papa Francisco está a fazer história, disso não resta a menor das dúvidas.