Opinião
Os tempos do bode
O apego às “eurobonds” já é um sinal premonitório de fraqueza, que a Eslovénia ou a Eslováquia não possuem. Isto apesar de o BCE ser um ventilador de serviço, que não salva, mas ajuda. Apesar disso, o risco de Itália tem subido, e o PM Conte já disse que não aceitará financiar-se no ESM.
A FRASE...
"Ficaria muito desiludido se só pudesse contar com BE e PCP nas vacas gordas."
António Costa, Público, 11 de abril de 2020
A ANÁLISE...
Portugal tem tido sorte. Tivemos o turismo que permitiu fazer regressar algum crescimento e emprego que a crise de 2011/12 tinha levado. E apesar de sermos um dos países mais afetados pela covid-19, esta pandemia veio num timing perfeito. Seis meses antes não teríamos mostrado ao mundo como se consegue o primeiro superavit em 40 anos, cumprindo os desejos da troika e dos credores, sem pernas a tremer, mesmo que às custas de tesouradas cegas e cortes no investimento. Seis meses mais tarde e já teríamos os anunciados sinais de abrandamento económico e o fim desta nossa frágil recuperação, com a saída do ministro das Finanças como que cheirando o fim desta mágica orçamental em tempo de vacas gordas. Assim, esta quarentena veio tapar com um lençol algumas dificuldades da nossa economia, desindustrialização, excessivo e crescente peso do turismo, Estado voraz bipolar e um ambiente político hostil à iniciativa privada, um conveniente bode expiatório a quem podem ser atribuídas a partir de agora as responsabilidades.
Na resposta à crise se verá a qualidade da nossa economia e a gestão que tem sido feita, ou como diz Buffett, quando a maré baixa é que se vê quem não tem fato de banho. Esta é uma crise global e sistémica, tal como a de 2008. Então foi uma crise financeira mundial que se transformou em económica, enorme em Portugal na correção do desajustamento das finanças públicas dos loucos anos socialistas de José Sócrates. E não esqueçamos que, sendo global, feriu principalmente Portugal e a Grécia, os orçamentalmente mais débeis. Hoje a crise é económica e global, mas pode degenerar em financeira, se as economias não recuperarem a sua capacidade de gerar emprego e riqueza para pagar a dívida entretanto criada. Quando uma cidade é abalada por um sismo, há prédios que resistem, outros nem por isso. Passa-se o mesmo com as economias dos países. O apego às "eurobonds" já é um sinal premonitório de fraqueza, que a Eslovénia ou a Eslováquia não possuem. Isto apesar de o BCE ser um ventilador de serviço, que não salva, mas ajuda. Apesar disso, o risco de Itália tem subido, e o PM Conte já disse que não aceitará financiar-se no ESM. Com Salvini à espreita e a dupla maravilha em Espanha, os tempos não se afiguram nada bons para o Sul irreformável. E a retórica? Ajuda pouco. O Syriza é uma lição.
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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