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Opinião
16 de Março de 2020 às 18:38

Campos de possibilidades

Não se deve desperdiçar uma crise, deve-se aproveitá-la para estabelecer a crítica do passado que conduziu a esse desfecho, de modo a que o que se construir a seguir não seja a eterna repetição do mesmo.

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A FRASE...

"À globalização da ameaça contrapõe-se o reflexo defensivo do fecho de fronteiras, do enclausuramento de países, regiões e indivíduos, para não falar do retorno do instinto nacionalista."

 

Vicente Jorge Silva, Público, 15 de Março de 2020.

A ANÁLISE...

 

As ideias e os projectos políticos estão sempre referenciados a um campo de possibilidades, pois é nas condições concretas e com os recursos existentes que essas ideias e esses projectos se materializam. Quando muda o campo de possibilidades, as ideias e os projectos políticos terão de ser reformulados e refundados. A reformulação pode ser apenas um ajustamento, mas a refundação terá de ser uma reflexão séria sobre o que evitou que não se antecipasse a mudança do campo de possibilidades, sobre o que impediu que se tivesse dado a devida atenção ao contingente ou mesmo ao inesperado. Não serve para nada retomar a acusação de Voltaire contra o Deus cruel que permitiu o terramoto de Lisboa.

 

Não se deve desperdiçar uma crise, deve-se aproveitá-la para estabelecer a crítica do passado que conduziu a esse desfecho, de modo a que o que se construir a seguir não seja a eterna repetição do mesmo. A crise de 2008 foi desperdiçada, perdeu-se tempo e vontades a argumentar que devia haver moeda própria para poder emitir dívida (como se não houvesse especulação cambial) e que devia haver renegociação e desconto da dívida (como se os credores fossem idiotas masoquistas), mas não se quis ver que as instituições financeiras não foram capazes de dominar a mudança do campo de possibilidades que foi provocada pelo crescimento do comércio mundial e pela necessidade de reciclar os excedentes de balança comercial de uns que inundaram com liquidez os que tinham défices de balança comercial.

 

A nova crise gera uma mudança do campo de possibilidades numa escala muito superior, porque incide em todas as células da matriz das relações intersectoriais, do lado da oferta e do lado da procura, e em todas as economias ao mesmo tempo. Se hoje são os hospitais e os laboratórios farmacêuticos que estão no lugar onde estavam os bancos há uma década, a escala muito superior em que se manifesta a nova crise implica o envolvimento de todas dimensões sociais e vai incidir directamente nas entidades e instituições políticas, porque estas são as responsáveis pelo exercício da arte do possível.

 

Vai ser preciso começar de novo, porque não há fim – nem da História, nem das ilusões.

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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