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16 de Outubro de 2020 às 10:10

Sinais confusos

Este ano, tenho viajado cá dentro - quer dizer, tenho sobretudo andado por diversos pontos do país, de carro.

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"Quase todas as pessoas suportam a adversidade, mas, se quiserem testar o carácter de alguém, dêem-lhe poder"
Abraham Lincoln

Sinais confusos
Este ano, tenho viajado cá dentro - quer dizer, tenho sobretudo andado por diversos pontos do país, de carro. Ao longo de todas as viagens deparei-me com um fenómeno constante: a sinalização e as indicações de destinos existentes nas estradas não são coerentes no espaço de poucos quilómetros, quase sempre são confusas e serão muito adequadas para quem conhece a estrada, mas completamente inúteis para quem por lá passa pela primeira vez. Não creio que fosse muito difícil garantir que uma direcção se mantivesse presente, em vez de surgirem variantes que só servem para baralhar. Mas há uma novidade, vinda aliás do Governo e do Parlamento. A proposta de Orçamento do Estado para 2021 parece uma estrada mal sinalizada. Surgem indicações contraditórias, há falta de consistência na informação, contradição entre as narrativas dos destinatários. E o destino apresenta-se incerto: o Bloco faz ultimatos, o PCP esconde-se num tabu, o PAN baralha as contas, o PSD perdeu o GPS e não sabe para onde há-de ir, o PS ameaça com crise política e o Presidente da República coloca sinais de STOP por todo o lado, baralhando ainda mais o trânsito. A verdade é esta: o percurso está difícil, a viagem é acidentada e falta descobrir qual a melhor saída para o país prosseguir viagem.

Semanada

Os gabinetes dos 70 membros do Governo actual têm ao seu serviço 1.236 pessoas, um recorde desde 2011 as consultas de jovens até aos 19 anos motivadas por covid-19 aumentaram de 2.500 para 12.500 por semana nos centros de saúde durante Setembro, o mês do regresso às aulas quase metade do orçamento previsto para o Ministério da Cultura destina-se à RTP e RDP um relatório da Transparência Internacional afirma que Portugal falha na aplicação da lei contra a corrupção no comércio internacional nos primeiros nove meses deste ano, nasceram mais bebés no Porto e menos em Lisboa em 2020, aumentou o número de divórcios em relação ao ano anterior no Orçamento do Estado para 2021, a receita prevista com taxas e multas cresce 35,2%, para um total de 3.175 milhões de euros as taxas de notariado, registo predial, comercial e civil sobem mais de 200% uma inspectora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras terá processado mais de seis mil vistos fraudulentos para uma rede de imigração ilegal que atingiu também funcionários da Autoridade Tributária e da Segurança Social segundo o estudo "Os Portugueses e as Redes Sociais", desenvolvido pela Marktest, o TikTok, que este ano é analisado pela primeira vez, entrou diretamente para a quinta posição, atrás do Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp, que ocupam as quatro primeiras posições.

Dixit
"Quando o primeiro-ministro não encontra forma de se refrear, e quando em Belém e na São Caetano à Lapa há mais cumplicidade do que contrapoder, é todo o sistema democrático que fica desequilibrado"
João Miguel Tavares

Almanaque da lusitânia
Este Weekend do Jornal de Negócios que estão a ler tem a data de 16 de Outubro, o dia em que abriu ao público a zona da Expo em 1998. No dia anterior, 15, assinala-se a data da publicação do primeiro número da revista "Seara Nova", em 1921. E, no dia 17, no ano de 1817, ocorreu a execução do tenente-coronel Gomes Freire de Andrade, condenado por liderar a conspiração contra Beresford e a regência. Todas estas informações, e muitas outras, estão no curioso "Almanaque da História de Portugal", elaborado pelo Professor José Martinho Gaspar e agora editado. Ao longo de cerca de 200 páginas, são percorridas, mês a mês, as principais datas da História de Portugal: indicação dos acontecimentos, das figuras, dos locais, de curiosidades. Aqui aparecem as batalhas, os marcos da cultura, quem nasceu em determinado mês e quem mais o marcou ao longo dos séculos da nossa História. Há ainda um resumo dos principais acontecimentos de cada século e notas sobre a origem de diversas expressões associadas à nossa História. "Neste livro dão-se notícias do passado, a História não é senão isso", escreve o autor na introdução desta edição da Guerra & Paz.

Ala de desenho
Até domingo, dia 18, vale a pena passar na Sociedade Nacional de Belas Artes (Rua Barata Salgueiro, Lisboa), para descobrir trabalhos em papel que 20 galerias aí apresentam em mais uma edição de "Drawing Room", um projecto focado no desenho contemporâneo em papel que junta 20 galerias portuguesas e estrangeiras. Em destaque estão galerias como as Salgadeiras, a Balcony, a Belo-Galsterer, a Módulo, Filomena Soares, 111, Fonseca Macedo e a Monumental, entre outras. José Loureiro, Sara Mealha, Paula Rego, Rita Gaspar Vieira, Francisco Mendes Moreira, Pedro Calapez, Sara Bichão, Paulo Brighenti, Pedro Barateiro, António Olaio, Rui Horta Pereira, Alexandre Conefrey, Jorge Queiroz e Manuel San Payo são alguns dos mais de cinquenta artistas que expõem e vendem as suas obras, através das galerias que os representam, nesta iniciativa que se realiza desde 2018. A "Drawing Room" foi o palco para a atribuição a Pedro Calapez do Prémio Projecto Artístico Destacado, atribuído pela Fundação Millennium.

Outras sugestões: na Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva, pode ir ver as obras feitas nos anos 1970 por Eduardo Batarda; e no Museu Berardo há uma exposição incontornável, o Projecto MAP, um exaustivo trabalho de pesquisa e mapeamento do universo da arte contemporânea em Portugal, que inclui obras dos artistas, conversas gravadas com eles, documentação que pode ser recolhida ao longo do percurso da exposição (que tem uma muito boa montagem) e guardada no final num pequeno dossiê que acaba por ser um catálogo. Desenvolvido pela Associação Cultural Colectivo de Curadores, com a direcção de Alda Galsterer e Verónica de Mello, esta exposição mostra o trabalho de investigação e recolha feito ao longo de uma década e pode ser vista até 10 de Janeiro.

Notícias do eixo Belém-São Bento
Um erro na proposta de Lei do Orçamento motivou sobressaltos em Belém: previa-se para 2021 uma dotação para a Presidência da República que era o dobro da verificada em 2020, mas afinal era um erro e o valor para o próximo ano é o mesmo do ano em curso.

Uma guitarra no jazz
"Conspiracy" é o nome do novo álbum de estúdio do guitarrista Terje Rypdal, que se faz acompanhar de mais três músicos noruegueses - o teclista Stale Storlokken, o baixista Endre Hareide e o baterista Pal Thowsen, que o acompanham ao longo de seis novos temas naquela que é a mais coesa formação com que trabalhou ao longo dos últimos anos. Trata-se do trabalho mais interessante do septuagenário guitarrista, que, num passado próximo, fez incursões com orquestras, coros e electrónica, alguns de má memória. Aqui, Rypdal regressa aos ambientes de fusão que marcaram a fase mais importante da sua carreira. O ambiente sonoro sobrepõe-se à melodia e a faixa de abertura, "As The Ghost…Was Me!?", mostra claramente a escolha desse caminho. Aqui, como noutros temas, nota-se a complementaridade entre a guitarra, o baixo e a bateria, com os teclados a proporcionarem o pano de fundo ambiental. Vários destes temas podiam fazer parte de bandas sonoras e não será por acaso que de repente vêm à memória imagens de filmes de David Lynch. Na faixa que dá título ao disco, "Conspiracy", o quarteto exemplifica de forma clara a proposta deste disco: uma ruptura com um passado recente e uma declaração enérgica de afirmação da identidade, que se associa à imagem de um dos mais importantes músicos do jazz europeu e nórdico em especial. Disco ECM, disponível no Spotify.

Falta de ambiente
Aqui há uns anos, cresceu um género de restaurantes que se baseou em conceitos, modas e muito trabalho de relações públicas, investindo nestas áreas mais do que naquilo que torna um restaurante uma experiência a repetir: conforto do espaço, ambiente, criatividade e bom senso, serviço, boa relação qualidade-preço. É muito difícil conjugar tudo isto, e foram poucos os que o conseguiram fazer - e menos ainda os que o conseguem manter. Eu tinha razoável impressão de Marlene Vieira e lá decidi ir experimentar o Zunzum Gastrobar, o seu novo restaurante, localizado na Doca do Jardim do Tabaco, junto ao Terminal de Cruzeiros de Lisboa. O local é bom, o estacionamento é fácil (duas coisas simpáticas). Já a decoração deixa a desejar, insípida e algo desconfortável. Ambiente, numa noite de quinta-feira, não havia, mesmo descontando a covid. O serviço é atento, mas por vezes demasiado intrometido, o que se torna incómodo: por exemplo, vieram explicar-nos que umas pipocas incompreensivelmente colocadas num ceviche se destinavam a diminuir a pegada ambiental, evitando a importação de milho do Peru. O ceviche de espadarte devia ter o peixe fatiado mais fino, podia bem dispensar o maracujá e as cinematográficas pipocas. No couvert, os chips de moreia não resultaram e acabavam por ser desagradáveis, salvou-se o pão e a manteiga, anunciada como sendo dos Açores (mas amolecida demais). Os dois pontos mais positivos foram as filhós de berbigão à Bulhão Pato e a Mini Sanduíche de Rosbife em bolo lêvedo com maionese de beterraba. As sobremesas ficaram muito aquém das expectativas, com um arroz-doce que se anunciava como uma original versão e que surgiu sem graça, e um enrolado de ananás dos Açores demasiado doce. A boa localização, a esplanada que será agradável nos dias bons, e o serviço de vinhos que correu bem, com boas propostas, não chegam para atenuar os lados menos bons. Mixed feelings sobre este Zunzum, mas não me apetece lá voltar tão cedo.
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